terça-feira, 30 de junho de 2009

SINAIS DO MAR



GAIVOTAS

Gaivotas em sua rota
de sal e ar.
Gaivotas mergulham,
abre-te-sésamo
e abrem o mar.

O mar e os sonhos
ed. Miguilim/Companhia Editora Nacional

Moro na frente do mar e em 1996, quando ainda vivia na montanha e nem sonhava com Saquarema, escrevi o livro O Mar e Os Sonhos que foi publicado pela ed. Miguilim com ilustrações de Elvira Vigna. Sempre fui um ser da montanha e na verdade nem sei porque escrevi o livro. Talvez fosse uma premonição. Não foi fácil para mim conviver com um Atlântico imenso e bravio que todos os dias ruge na minha porta e faz a casa estremecer. Não foi fácil aprender a sua lingua nem conviver com o sal, a ferrugem e entender o sudoeste. Hoje amo o mar. É meu aliado. Basta sentir seu cheiro que já sei que tempo o mar me trará, se sol ou chuva, se passado ou futuro.

Recebi um lindo livro de poemas sobre o mar da Ana Maria Machado: Sinais do Mar da ed. Cosacnaify. Durante muitos anos Ana ouviu o mar e seus segredos e foi escrevendo os sinais que chegavam até a porta do seu ser. É seu primeiro livro de poesia: é sonoro, musical, azul. A edição é belíssima. Assim como ao longo dos anos Ana foi pescando os sinais do mar, agora seu livro nos envia os sinais de Ana. Nós que escrevemos, como um farol solitário , que coração traduzirá nossos versos de espuma e nuvem?

segunda-feira, 29 de junho de 2009

A CHAMA DAS PALAVRAS



AREIA DOURADA

Tudo é permitido
quando se carrega no bolso
um punhado de areia dourada:
o encontro de peixes e pássaros.

Na ciranda da vida
passe adiante o anel,
a chama das palavras
e dance ao som da Via Láctea.

A Terra gira no céu,
somos todos bailarinos.

Residência no Ar, ed. Paulus



Querida Roseana:
Não consigo colocar o cometário lá no seu blog! Será que você consegue postar para mim? Beijos, Paulo

Querida Roseana, como sempre, você faz com que a delicadeza vença qualquer barreira. tenho muito orgulho de ser seu amigo. Um imenso beijo, um beijo no Juan da minha parte. Paulo Coelho.

No dia 26, sexta-feira passada, o jornal El País pediu ao meu marido, Juan Arias, correspondente do jornal, que localizasse Arash, o médico iraniano que foi salvo pelo Paulo Coelho. Juan escreveu para a mulher do Paulo, Cristina, para que ajudasse. Escreveu para o Paulo. Ele respondeu imediatamente e passou o telefone e o e-mail do médico que já estava em Londres com a esposa e o filho. No dia seguinte, o jornal pedia uma entrevista com o Paulo Coelho, pois o seu gesto comoveu o mundo. Novamente Juan escreveu para o Paulo. Ele retornou: "me telefone agora" . Conversaram e Juan enviou as perguntas por e-mail. Na entrevista Juan perguntou ao Paulo se ele não teve medo de ajudar. O que eu adoro no Paulo é a sua sinceridade, como não esconde a sua fragilidade humana que é a de todos nós. Ele respondeu que sim, teve medo, mas tinha que salvar o seu amigo. E quando ele, Paulo, falou com a esposa de Arash e perguntou se ela estava com medo, ela disse : sabemos que a liberdade tem um preço.
Na entrevista Paulo mostrou a sua preocupação com o amigo: seu visto venceria dentro de um mês e ele não estava conseguindo renovar o visto, isso sim seria um problema gravíssimo.
Pois bem, depois da entrevista publicada soubemos que três países já haviam se oferecido para dar um visto ao médico e sua família. A entrevista é realmente emocionante e quem quiser pode ler no El País digital de domingo, buscando em Internacional: http://www.elpais.es/
Pedi ao Paulo que lesse a minha crônica De Mãos Estendidas aqui no blog e ele respondeu no e-mail que reproduzi acima, pois por algum problema não conseguiu postar um comentário.
Vivemos um momento privilegiado. Paulo viu a imagem do seu amigo tentando salvar Neda, a mártir iraniana, através de um video feito com um celular postado no youtube. Assim pode salvá-lo pois a polícia já estava tentando prendê-lo. Muitas pessoas de muitos países leram a entrevista do El País e o médico já terá o seu visto. A chama das palavras está acesa . Não se pode amordaçar um ser humano quando carrega no bolso um punhado de areia dourada.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

AMOR, ORVALHO, VENTO



CLAREIRA

Dentro do coração
desenho uma clareira
varrida de luz:
aí desdobro os mapas,
arrumo as bússolas
e todos os instrumentos
para velejar no ar.

Iço as palavras
"amor", "orvalho", "vento"
e recolho as âncoras.


Meu corpo,
livre de toda a gravidade,
já pode voar.

Residência no Ar, ed. Paulus

Dr. José Augusto Messias é Diretor do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da UERJ, mas para mim é muito mais do que isso: é mais do que um irmão, mais do que um amigo. Esteve comigo em todos os momentos, os melhores, os piores. É como o meu anjo da guarda. Para ele, a clareira dentro do meu coração, varrida de luz. Várias vezes salvou a vida do meu marido Juan Arias, é médico dos meus filhos, de toda a família. Grande leitor, aberto, cheio de vida, entusiasmado por tudo o que é humano. Singular, único, ímpar. Dia 23 foi publicada uma matéria sua no Jornal do Brasil sobre a violência em casa, e ele nos diz que às vezes começa com uma simples palmada educativa ou corretiva como se bater nos filhos fosse uma maneira de educá-los, mas ele alerta, a diferença entre essa palmada e a surra é tênue. A criança espancada sofre de uma síndrome que se chama exatamente assim: síndrome da criança espancada e seus sintomas são : baixa auto-estima, inibição, agressividade. A criança pensa : se as pessoas mais importantes da sua vida batem nela então é porque ela não vale nada. Sabemos que violência gera violência e o Dr. Messias nos alerta: a violência do espancamento trafega na mesma via da violência sexual. A criançca um dia será adulta e terá muitas dificuldades em estabelecer relações afetivas e , pior ainda, repetirá o padrão num círculo infernal. Uma casa, por mais pobre e despojada que seja pode e deve ser uma ilha de amor. O afeto fabrica afeto na roca de fiar sentimentos. A criança amada, aconchegada, que dorme com um beijo de boa noite e acorda com um sorriso, será um adulto cheio de amor.
O artigo do Dr. Messias é um alerta. Não se impõe limites com violência física . Trocar um tapa por um afago é a melhor maneira de criar seres humanos melhores. Livre de toda a gravidade, a criança amada um dia poderá voar.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A MÃO ESTENDIDA



AMIGO

No rumo certo do vento,
amigo é nau de se chegar
em lugar azul.
Amigo é esquina
onde o tempo para
e a Terra não gira,
antes paira,
em doçura contínua.
Oceano tramando sal,
mel inventando fruta,
amigo é estrela sempre
no rumo certo do vento,
com todas as metáforas,
luzes, imagens
que sua condição de estrela contém.

Poemas de Céu, ed. Paulinas

O que se passa hoje no Irã nos deixa tristes, estarrecidos. Mas já há uma brecha, uma fissura , e o terremoto não será em vão. O povo iraniano quer respirar. as mulheres querem respirar. Até quando conseguirão amordaçar um povo inteiro? Não conseguirão.
Hoje, O Globo traz duas matérias comoventes: O Médico e o Mago e A Música na Idade da Pedra.
Conheci Paulo Coelho em 1998, quando Juan Arias, meu marido, fazia um livro com ele, "As Confissões de um Peregrino" ,ed. Objetiva. Passamos cinco tardes juntos em seu apartamento em Copacabana e descobri que o Paulo é uma pessoa maravilhosa, ele é simples, despojado e muito generoso . Um amigo que olha nos nossos olhos e pergunta: quem é você?
Hoje fiquei sabendo que ele ajudou a salvar o médico que tentou salvar a vida da jovem Neda que se tornou a mártir dos protestos. Pois bem, a troca de correspondência entre eles é absolutamente comovente e quando o médico diz que vai tentar fugir e que se não conseguir até uma determinada hora pede ao Paulo que tome conta de sua esposa e do filho, pois eles nâo têm ninguém no mundo além dele, estamos diante da mais pura amizade e confiança.
Com a matéria da música na idade da pedra ficamos sabendo que foi encontrada uma flauta com cinco furos de 35 mil anos. Já então o homem fazia música, pintava, esculpia. Já então o homem queria voar, transcender, o que é incompatível com o que acontece no Irã hoje. Que a música tome conta do coração dos homens .

quarta-feira, 24 de junho de 2009

ITAPERUNA



RECEITA DE OLHAR

nas primeiras horas da manhã
desamarre o olhar
deixe que se derrame
sobre todas as coisas belas
o mundo é sempre novo
e a terra dança e acorda
em acordes de sol

faça do seu olhar imensa caravela

Receitas de olhar, ed. F.T.D


O Colégio Estadual Luiz ferraz em Itaperuna, durante 9 anos realizou um belíssimo projeto de poesia: CIDADE QUE AMANHECE POESIA. Depois de um ano lendo diversos poetas, os alunos saiam para as ruas e diziam poemas para as pessoas. Este ano decidiram me homenagear com o projeto PALAVRAS MÁGICAS DE ROSEANA MURRAY, leram meus livros, reviraram minha vida de cabeça para baixo! Eu iria a Itaperuna no dia 26. Ontem, Miraécia me telefonou e disse: você sabe que são cinco horas e meia de viagem? Eu achava que era logo ali, mas não era. Minha coluna operada e a prótese no quadril tornam as viagens longas muito difíceis e há uma briga imensa entre meu corpo e minha alma. Eu sempre quero ir e meu corpo fica no meio do caminho, doendo e atrapalhando!!! Peço desculpas a todos da escola pela minha ausência. Sei que e dificil me desculpar... Fiz um pacote de 21 livros autografados e coloquei ontem no correio. Pedi que sorteassem 3 livros. Quero dizer que eu não vou mas meu coração já está aí com vocês , pois me apaixonei por este projeto tão lindo, ir para as ruas falar poesia para as pessoas... Sugiro a todas as escolas que copiem o Colégio Estadual Luiz Ferraz em Itaperuna, que saiam pelas ruas recitando Manuel Bandeira, Cecília Meirelles, Drummond... As ruas ficariam muito mais sonoras e belas.

terça-feira, 23 de junho de 2009

DE ALMA LEVE



FONTE

Como trapezista
alcançar o outro
num salto:
mergulhar em seus olhos,
navegar até o fundo.

Alcançar o outro
no que ele tem
de mais belo,
de luz e mel,
delicadeza e mistério.

E, então, beber a água
limpa
dessa fonte.

Manual da Delicadeza, ed. FTD

Ontem recebo um telefonema de Leila Ferreira que até então não conhecia. Ela me conta: tinha um blog na Revista Marie Claire, é jornalista, mora em Araxá. Sua coluna se chamava DE
ALMA LEVE e agora está escrevendo um livro que por enquanto terá este título. É um livro sobre a leveza, a delicadeza, o bom-humor, o mel que existe em cada ser humano e como este mel deveria ser a argamassa das relações. Ela anda entrevistando muita gente e uma mulher lhe disse que deveria ler meu livro Manual da Delicadeza. Dois dias depois ela foi entrevistar Tião Rocha, educador, artista, inventor, recebeu o Prêmio Empreendedor Social 2007. Pois bem, ele não só falou do meu livro, como lhe deu um exemplar e contou que o livro o tinha impressionado tanto que ele tinha um estoque em casa para dar de presente. E se Leila não me contasse, eu nunca saberia! É incrível como os livros vão andando, suavemente, são jangadas, e depois que os escrevemos, não nos pertencem mais. Às vezes, como agora, vemos o seu traço no horizonte, tão longe que nossa vista quase não alcança.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

NO CAIS DO PRIMEIRO AMOR



VENTO

O vento escreve
em minha pele
estranhas palavras:
Sou seu dicionário
quando ando sem rumo,
subo a montanha,
caminho na areia.

Até que você me encontre
e leia em mim
as sílabas do vento,
vago pelo deserto.

No cais do primeiro amor,ed. Larousse.

Tenho uma irmã, Evelyn kligerman, que é escultora e ceramista. Lá pelo começo dos anos setenta , abriguei em minha casa duas chilenas fugidas do regime de terror do General Pinochet:
Bárbara e sua mãe, a grande escultora Teresa Vicuña. Teresa viu o que minha irmã começava a fazer com o barro, suas primeiras experiências e se entusiasmou. Foi a primeira mestra . Logo Teresa foi para Paris e Evelyn partiu para o México para estudar na Unam, a Universidade de Belas Artes . Aí viveu um grande amor, mas não ficaram juntos. Agora, 30 anos depois, ele a reencontrou pela internet. Ele também é ceramista, fazem coisas bem parecidas, azulejos, painéis, revestimentos. Estão apaixonados outra vez. Ele está chegando esta semana do México para encontrá-la. A família inteira está vivendo com ela esta linda história de amor.
Evelyn ilustrou meu livro No Cais do primeiro Amor com azulejos de cerâmica. Para cada poema fabricou um azulejo. Depois , cada azulejo foi fotografado. Agora, por um tempo, trabalharão juntos em seu ateliê, em Teresópolis. O futuro está escrito no vento.

sábado, 20 de junho de 2009

O LOBO


AMIGO

que um amigo se reconheça
sempre
na face de outro amigo
e nesse espelho descanse
seus olhos
e derrame sua alma
como a crina de um cavalo
levemente pousada no vento

Poesia Essencial, ed. Manati

Ontem, no Salão do Livro tive muitas surpresas : uma escola inteira com camisetas com o meu nome, professoras que me trouxeram trabalhos maravilhosos dos seus alunos, Janaína, do Ciep Fernando Pessoa, que ano passado trouxe seus alunos até a minha casa para tomar um café da manhã comigo e foi ao Salão só para me ver, enfim, nunca me senti mais amada.
Mas, entre tantas manifestações de afeto, uma menina (não sei a idade, talvez uns 8 anos ou 9), não sei seu nome, me disse que era minha fã e que seu poema preferido estava na página 72 do livro Poesia Essencial. É um livro "para adultos", então , onde está a fronteira entre a poesia que se escreve para a criança e para o público adulto? Fronteira escorregadia, talvez inexistente. Foi um momento tão único, aquela criança escolhendo um dos meus pouquíssimos livros voltados para o público adulto como livro de cabeceira.
Quando cheguei ao Salão, fui direto ao stand da Manati, foi onde parei primeiro. Um livro me chamou : O LOBO, de Graziela Bozano Hetzel, com lindíssimas ilustrações da Elisabeth Teixeira. Abri o livro e a primeira frase me levou para longe: " Na noite quieta, o menino desliza, só de meias, pela casa, às escuras.
E continua:
" O chão brilhoso e gelado reflete as sombras dos móveis pesados.
O menino desvia-se das quinas pontudas de mesas e aparadores, dos pés arrebitados de uma cadeira de balanço.
Sem ruído, abre a porta de entrada e vai para o quintal.
Lá fora, um céu coalhado de estrelas, um ar perfumado e fresco, e o silêncio."
Li o livro até o final e eu já não estava mais ali, eu era o menino e estava onde ele estava, sua história era a minha e o livro que ele lia era meu. Já não havia nenhum barulho. Só uma leitora e um livro maravilhoso em suas mãos. Não vou contar a história dos dois livros, um dentro do outro, é uma belíssima história. Mas a maneira como Graziela escreve a história, como ela sabe reger os silêncios, é impressionante. Quando terminei a leitura estava profundamente comovida, como se um rio maravilhoso tivesse passado por dentro de mim. Custei para voltar ao Salão, e a música ruidosa das crianças, milhares de crianças como estrelas, me puxava pela mão.


sexta-feira, 19 de junho de 2009

SALÃO DO LIVRO

Hoje estarei no Salão do Livro a partir das 10hs até às 16:30hs. Estarei no Stand da Paulinas e Prumo. Bom para ver e rever amigos, as novidades , lançamentos. Bom para conversar com leitores. O Salão é uma grande conquista e cada ano está mais bonito. Estou feliz . Da minha janela vejo o sol se levantando lá pelos lados da lagoa...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

AULA DE COSTURA



FALANDO DE LIVROS

O livro é a casa
onde se descansa
do mundo.

O livro é a casa
do tempo
é a casa de tudo.

Mar e rio
no mesmo fio
água doce e salgada.

O livro é onde
a gente se esconde
em gruta encantada.

Casas, ed. Formato.

Ontem, depois do Café Literário, eu e Maria Clara fomos para a Biblioteca da AMAB (Associação de moradores do Boqueirão). Havia aula de costura. Lemos com as costureiras um conto da tradição sufi: uma moça sonha com um príncipe, ela acorda e corre em busca do príncipe. Passa por um velho perto de uma fonte mas não o vê. Não encontra o príncipe. Na outra noite sonha outra vez, de novo sai em busca do amado. E assim sucessivamente. Até que um dia, exausta, ela para ao lado do velho. Ele lhe dá água e não é um velho: é o próprio príncipe! O conto está no livro Contos Filosóficos do mundo inteiro de Jean-Claude Carrière. Combinamos que já que o curso de costura é oferecido pela biblioteca, no final da aula elas iriam até a biblioteca pegar um livro. Seria uma troca. E para nossa alegria foram. Uma levou O Menino do Dedo Verde para a filha de 15 anos, o filho de uma costureira que fazia aula de Yoga, também uma iniciativa da Biblioteca, apanhou o Hobbit, do Tolkien, outra levou Amor é Prosa, Sexo é Poesia do Jabor, etc...
Eu passei a tarde carimbando e limpando livros e fiquei assombrada com o maravilhoso acervo da biblioteca. Mas o que mais me enterneceu foi a coleção do Tesouro da Juventude. Entrei no túnel do tempo: aqueles livros foram parte imensa da minha infância. Eles dormiam dentro de uma cristaleira na casa da minha avó. Bem pequena eu ia até lá, ela abria a cristaleira, tirava um exemplar para mim, e eu lia, lia, maravilhada... Ali encontrei pela primeira vez os contos de fadas. Eu também sonhava com príncipes e donzelas correndo pelo bosque, como no conto do livro do Jean-Claude Carrière. Ontem, por um momento eu tinha oito anos, minha avó, tão pequena e linda, ainda estava viva e eu também estava no presente, a biblioteca, como num sonho, subitamente cheia de leitores.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O CAFÉ LITERÁRIO



AURORA

O milagre da noite
se abrindo em manhã,
soltando o jorro preso
da luz,
soltando os pássaros,
as nuvens claras,
as cores todas
e o cheiro bom do café.

Poemas de céu, ed. Paulinas, 2009

Acordei às cinco horas da manhã. Ainda era noite. Ontem, antes de dormir, deixei os textos preparados para o Café Literário de hoje. Meu adorado amigo Latuf fará a crônica e eu posso respirar tranquila, seus textos são sempre lindos e contam tudo, timtim por timtim. Passei o café e o aroma espesso e quente desprendeu os restos da noite. Os primeiros vermelhos já iam aparecendo no céu. Preparei uma montanha de sanduíches.
Depois , às 14hs , vou com Maria Clara para a nova biblioteca comunitária do bairro. Há uma turma de aula de costura. No primeiro dia do curso lemos para elas O Caso do Vestido do Drummond e no final do curso elas irão desenhar o vestido. Hoje vamos ler um conto da tradição sufi, muito bonito e vamos levá-las até a biblioteca para que pesquem o seu primeiro livro.
A biblioteca é uma grande conquista para o bairro e agora vamos iniciar um processo de tombamento de uma amendoeira gigantesca pertinho da biblioteca, na beira da lagoa. No dia da árvore esperamos já ter alguma coisa em andamento e vamos pendurar livros na amendoeira e fazer um grande piquenique em volta da árvore com leitura de poemas.
O dia está lindo, radiante e meu coração parece um esquilo na borda do bosque... dentro de pouco a casa estará cheia de professores, amigos e jovens alunos e a minha felicidade é imensa.

terça-feira, 16 de junho de 2009

DUAS MENINAS



ATRIZ

Que bom seria
se eu fosse atriz,
o meu quarto um camarim,
debaixo do espelho,
cigana ou rainha louca,
eu seria sempre outra
e tomaria chá de açucena
e pintaria as unhas de azul.

Recados do corpo e da alma, ed. FTD, 2003

Em 2002, quando vim morar em Saquarema, fui ao Colégio Gustavo Campos, perto da minha casa e me ofereci para trabalhar com leitura. Pedi alunos de 13,14 anos. Logo uma menina chamou a minha atenção: Manuela. Seus olhos brilhavam, ela gostava de falar, de participar. Um dia eu a encontrei no ponto do ônibus com sua mãe e a mãe me contou que voltava do posto de saúde onde foram buscar insulina, pois Manuela era diabética. Foi o início de uma longa amizade. Manuela andava sempre com sua irmã, Andréia, eram inseparáveis. Comecei a comprar livros para Manuela, a levá-la ao Salão do livro no M.A.M. Numa dessas idas pedi que falasse o poema atriz no meu encontro com os jovens. Manuela se apaixonou pelo poema e foi fazer teatro. Queria um camarim, pintar as unhas de azul. Manuela e Andréia se tornaram grandes leitoras. E fazem teatro.
Dia 27 , semana que vem, Manuela faz 20 anos. Aqueles primeiros encontros de leitura mudaram sua vida. Manuela quis mais. Hoje ela faz faculdade de pedagogia aqui em Saquarema. Andréia fará vestibular para informática. Manuela fala inglês, Andréia fala espanhol. Seus pais são caseiros e nunca puderam estudar. Se alguns livros não tivessem acendido a chama interior das duas meninas, talvez elas seguissem os passos dos pais.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

POEMAS DE CÉU



CREPÚSCULO

Na hora em que o dia
não é mais dia,
em que a noite
não é noite ainda,
tudo é magia,
e o céu parece
veludo furta-cor
escorrendo das mãos vazias.

Poemas de Céu, ed. Paulinas,2009

Durante muitos anos Visconde de Mauá foi a minha casa. Em 1974 a família comprou um sítio e a minha poesia está impregnada dos seus vales , rios, neblinas, montanhas. Minha casa não tinha luz . Aprendi a enxergar no escuro.
Em 1980 quando publiquei meu primeiro livro, o Fardo de Carinho, eu morava em Mauá. Uma vez por semana eu contava histórias na Escola da Terra e foi uma experiência maravilhosa. A escola ficava no Vale da Santa Clara, numa casa redonda e os alunos tinham aula de circo, de horta, aprendiam a construir, tinham aula de música. Os pais ajudavam, cada um com sua habilidade. Até hoje, os que estudaram na Escola da Terra continuam amigos, uma espécie de família, há entre eles um elo inquebrantável.
Como no sítio não havia luz, eu passava horas , durante a noite, olhando o céu. Assim nasceu uma coletânea de poemas que publiquei em 1985, Lições de Astronomia, pela extinta editora Memórias Futuras. Era um livro todo azul, cheio de estrelinhas. A minha idéia era relacionar as coisas do céu com sentimentos. Uma vez, fui a Recife fazer um lançamento estranho: dentro de um supermercado. Pois bem, no meio de todo aquele movimento, uma mulher parou na frente da minha mesinha, apanhou o livro e abriu numa página qualquer. Muito emocionada ela me disse, você sabe o que a sua poesia faz com as pessoas? Se ela faz as pessoas se emocionarem dentro de um supermercado eu fico feliz! A editora Memórias Futuras fechou, o livro ficou esgotado e eu consegui reeditá-lo em 2004 pela ed. Miguilim , que também fechou. Agora, novamente consigo uma reedição com a ed. Paulinas. Ficou lindo o livro com as ilustrações da Mari Ines Piekas, os poemas ganharam muito, ficaram mais sonoros.
Agora o sítio tem luz mas a casa é iluminada de uma maneira tão natural que o céu continua maravilhosamente intenso. Não moro mais lá, mas sim, meu filho André com seu Babel Restaurante e a Dani Keiko, minha nora. Quando vou, me reencontro pela casa, há uma confusão de tempos verbais, o passado é presente e o futuro é presente também.

domingo, 14 de junho de 2009

LUIS



UNIDUNITÊ

Unidunitê,
onde anda você?
Procuro pelas gavetas,
procuro pelas esquinas,
procuro na sombra da lua,
no sol derramado na rua,
no sal das espumas,
nos sinos do vento,
não sei se será menino,
não sei se será menina,
quando um dia você chegar
deslizando na areia do tempo...

Unidunitê,
onde anda você
antes de nascer?

Caixinha de Música, ed. Manati, 2004

Agora já sei: é um menino, se chama Luis como o meu pai e nascerá no final de agosto. Quando escrevi o poema, o Guga, meu filho músico nem conhecia a Patrícia ainda mas eu já sonhava com um neto(a) e sempre me indago por onde andamos antes de nascer.
Fiz o livro Caixinha de Música com o Guga Murray e o poema entrou no livro. A história do livro é linda: eu pensei em fazer um CD com músicas, canções, mas o Guga me disse, mãe, não vou musicar os poemas, vou criar uma possibilidade musical para cada um. Ele acabou fazendo sim algumas canções de tanto que eu insisti. Mas o resultado é lindo, surpreendente. E a ed. Manati precisou encontrar um ilustrador músico para fazer as partituras complicadas do Guga. Saímos todos felizes, as ilustrações, do Sérgio Magalhães, além das partituras, são belíssimas. O livro ganhou uma apresentação maravilhosa do poeta e critico Alexei Bueno que me deixa até hoje tão agradecida e surpresa. Meu grande amigo Latuf é apaixonado pelo livro e o levou para Salta, na Argentina, onde fez uma palestra sobre ele.
Já estou , em pensamento, de partida para Granada, Andaluzia,Espanha, onde o Luis (neto de outro Luis que nasceu no começo do século XX no interior da Polonia e agora anda por outros planetas) ,nascerá. Devo embarcar no meio de setembro. Nem imagino o que vou sentir quando nos olharmos a primeira vez...e eu disser, Luis, cheguei, a tua vovó.

sábado, 13 de junho de 2009

ARABESCOS NO VENTO



Um beijo dourado
varre o corpo com luz,
ilumina o céu.

Arabescos no vento, ed. Prumo, 2009

Ontem foi o dia dos namorados e o hai-cai acima fica como uma foto do dia. Fazer hai-cais é um exercício delicioso, pois requer paciência e concentração. Quando estou em alguma situação que me aprisiona construo o pequeno poema de 17 sílabas e sinto que as portas se abrem. Ontem soprava um sudoeste poderoso e muitos namorados devem ter se desprendido do chão. Namorar é muito bom, e é uma ponte que liga dois mundos, não necessariamente de um humano até outro humano. Agora , por exemplo, estou namorando minha nova gatinha Nana, completamente apaixonada. Namoro árvores, pássaros, livros.
Hoje o caderno Ela, do Globo, traz uma reportagem linda: Ler, comer, falar, sobre os Clubes de Leitura. Pessoas se reunem para discutir livros escolhidos de comum acordo e aproveitam para cozinhar e conversar. Os Clubes são inspirados no sucesso do livro "A sociedade literária e a torta de casca de batata" de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows que não li, mas estou encomendando agora mesmo. Falar de livros com os amigos é uma maneira maravilhosa de namorar...

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Poemas e Comidinhas




ELFOS

Elfos comem o perfume
das flores trazido pelo
vento,
comem os mais belos
pensamentos,
e as cores do dia
que o galo faz.
Comem o canto do galo,
as melodias dos pássaros azuis,
comem a luz que cintila
na folha cheia de orvalho.
Elfos comem a sombra da lua,
o brilho da estrela
que já não existe mais.

Poemas e Comidinhas, ed. Paulus, 2008

Fiz o livro Poemas e Comidinhas em parceria com meu filho André Murray, Chef de cozinha. Para cada poema uma receita e a receita realmente sai do próprio poema. Imaginei os elfos vegetarianos e o André criou para eles uma saboroso risoto de flores que foi servido no lançamento do livro ano passado no Babel Restaurante , em Visconde de Mauá. O livro ficou uma delícia, com ilustrações incríveis do cartunista baiano Caó Cruz Alves. O Caó teve que criar ilustrações tanto para os poemas quanto para as receitas e o casamento saiu perfeito. O livro convida todo mundo para cozinhar junto e isso é muito bom. Algumas escolas me contaram que quando havia algum cozinheiro ou Chef de cozinha na família iam até a escola fazer a atividade com as crianças. Enfim, um rebuliço: era tudo o que eu queria. Adoro cozinhar, realmente é a minha paixão, minha casa está sempre aberta para os amigos e cozinhar para os amigos é o paraíso. Quando tenho alguma dúvida telefono para o André, e pronto. Sua mulher, Dani Keiko, também é Chef e agora, além do Babel Restaurante, eles abriram uma escola de cozinha em Resende. O curso que faz mais sucesso é justamente o Cozinhando para os Amigos, onde preparam um menu completo e depois o grupo inteiro come junto. Bom também para fazer amigos. Estou insisitindo com eles para um curso Criança na Cozinha , lembro muito bem que adorava cozinhar junto quando era pequena. A nossa cozinheira , a Eunice, colocava um banquinho na frente do fogão e me deixava pescar os nhoques boiando na panela e eu nunca me queimei!!! Criança, definitivamente, adora cozinhar!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

NO MUNDO DA LUA



BEIJA-FLOR

Beija-flor pequenininho
que beija a flor com carinho,
me dá um pouco de amor,
que hoje estou tão sozinho...
Beija-flor pequenininho,
é certo que não sou flor,
mas eu quero um beijinho,
que hoje estou tão sozinho...

No Mundo da Lua, ed,IBeppe/Miguilim

O poema acima faz parte do livro No mundo da Lua, publicado em 1982 pela Miguilim, pequena editora de Belo horizonte. Naquela época quase nenhuma editora queria publicar poesia e eu soube, ouvi falar, que a Miguilim se interessava. Consegui o telefone liguei para lá. Antonieta Cunha falou comigo, sim, ela disse, gostaria de ver o seu trabalho, não poderia vir até aqui? Marcamos um dia. Naquela época eram 9hs de viagem até Belo Horizonte. Peguei um ônibus noturno e fui. Antonieta me recebeu maravilhosamente bem. Eu levava o livro já ilustrado por uma amiga e ela não gostou das ilustrações mas amou os poemas. Quis cortar o livro pela metade, achou muito grande. Entrei em crise: o que faria com as ilustrações da minha amiga? Voltei para o Rio triste. Na minha casa tinha como hóspede o grande maestro Nelson Ayres, meu amigo naquela época. Pedi um conselho. Ele me disse: publique como a editora quer, você está começando, é a tua chance. Conversei com a minha amiga e ela entendeu. O livro saiu lindo e foi lançado em Sabará num grande teatro, foi tudo alucinante. O poema do beija-flor virou música , teatro e nunca poderia esperar tanto de um poema tão pequeno!!!
Hoje leio no Globo um artigo maravilhoso intitulado BEIJA-FLOR voa mais rápido do que avião. Impressionante. De vez em quando um beija-flor vem até a minha janela enquanto escrevo. Tenho vontade de gritar de felicidade.
Hoje Saquarema, a cidade que escolhi para morar faz tapetes de sal. Fico muito emocionada com a cidade inteira trabalhando junto só para produzir beleza.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Caros leitores: estarei no Salão do Livro, na Gamboa, Rio de Janeiro, dia 19, o dia inteiro. Vocês podem me achar por lá. Estou muito curiosa com o novo Salão. Estou relançando o Poemas de Céu pela editora Paulinas às 14hs . O livro ficou especiamente bonito, fiquei muito feliz .Estou lançando também o pequeno livro de hai-cais Arabescos no Vento pela nova editora Prumo. Fazer hai-cais é delicioso e divertido.
Mas antes, dia 17, abro minha casa para o café literário de junho... Depois conto mais.
Retomo o blog para poder conversar mais de perto, mas estou preparando algumas novidades para o site.
Roseana Murray

terça-feira, 9 de junho de 2009

TRANSFORMAÇÃO

Fabrico uma árvore
com uma simples semente,
terra escura e quieta,
umas gotas de água.
Pouco a pouco,
de lua em lua,
de folha em folha,
enquanto o tempo
desenha arabescos
em meu rosto,
minha árvore se transforma
em poema vivo,
suas letras são flores,
são frutos, são música.

Fábrica de poesia, Ed. Scipione, 2008.

CAIXINHA MÁGICA

CAIXINHA MÁGICA
Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.
Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.
O que é que você quer
esconder na minha caixa?

Fábrica de poesia, ed. Scippione, 2008