quarta-feira, 22 de julho de 2009

MINHA MÃE



ESPANTO POR ESPANTO

a vida é isso?
essa espera de auroras
boreais
estar a sós com seus
pensamentos
falcões amestrados
em direção ao passado
ao futuro
ao fundo duro
dos abismos?

o tempo não se mexe
penhasco imutável
no oceano das horas
nós é que nos vamos
estranhas marionetes
sem rumo

então a vida é isso
segundo por segundo
estrela por estrela
espanto por espanto

Poesia Essencial, ed. Manati

Minha mãe fez 88 anos em 30 de março e tem um câncer terminal. Ela não pergunta nada, mas acho que sabe. Todos os dias sua vida passa diante de mim como um filme. Os retalhos das lembranças que tenho. Ela vive em Teresópolis e eu em Saquarema. Todos os dias nos falamos pelo telefone e a proximidade de sua morte confere a tudo o que diz uma luz diferente e uma dor. Quando desligo o telefone estou destroçada. Será que deveria ficar feliz porque ainda está viva nesse dia? Então eu a vejo . Ela corria o tempo todo, era elétrica e criativa. Veio da Polônia com quatro anos, mas meu avô, muito esperto, a registrou no Brasil. Sempre esteve na vanguarda do seu tempo. Muito jovem saiu de casa para trabalhar, usava roupas extravagantes e platinava os cabelos. Era linda. Estilista de moda, teve uma butique num casarão antigo onde fabricava seus modelos. Amava jardins e descobriu Saquarema em 1969. Ela mesma fazia o jardim e eu a vejo com tesouras de podar e uma pazinha vermelha nas mãos. Desde que eu era criança ela caminhava uma hora bem cedo de manhã quando ninguém ainda caminhava. Ela adivinhava sempre o que iria acontecer no futuro! Quando se mudou para Teresópolis, pintou a parede do seu quarto de vermelho e fazia todos os cursos que podia na Pro Arte. Era viva e jovem e alegre, mas o seu tempo no palco-vida está se extinguindo. Concordo com o Drummond , mãe não deveria morrer nunca. Para onde irá minha mãe? Sei que estará ancorada em mim para sempre , até que chegue também a minha hora de escolher uma estrela para morar.

3 comentários:

  1. Neste plangente retrato, revi minha mãe, também heroína, também santa, também profana,essencialmente maternal. Roseana & Berta confundem-se no mesmo poema da vida. Sinto-me o mais privilegiado dos mortais por poder ler este poema em prosa, por compartilhar, quase minuto a minuto, tantas vibrações, por poder usufruir do dom da Amizade, abençoada pela Mãe, seja de minha Idish Mamma, seja pela minha própria mãe, que, há 12 longuíssimos anos, só revejo em sonhos.

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  2. SIMPLESMENTE LINDO!! AMEI LER ISSO... TAMBÉM ADORO LER SUAS POESIAS SIMPLES E LINDAS!

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  3. Lindas palavras, Roseana.

    Sinto muito por tudo, por hora só te desejo resignação!

    Abraços de quem te admira muito...

    Beijos.

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