sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ÚLTIMO GRÃO DE AREIA

Hoje cai o último grão de areia da ampulheta do tempo e amanhã já será janeiro com a ampulheta cheia outra vez.Que todos os grãos sejam dourados. Agradeço aos meus leitores , visíveis e invisíveis, a maravilhosa companhia neste ano de 2010. Que continuem comigo, no meu cotidiano, nas minhas andanças, dentro dos meus sonhos. Obrigada.

Roseana

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

AINDA DÀ TEMPO

Ainda dá tempo de fazer uma lista com o que queremos e não queremos para 2011. Aindá dá tempo de fechar 2010 dizendo para quem amamos tudo o que não havíamos dito. Ainda dá tempo de arrumar as gavetas e jogar fora o que não serve mais. Ainda dá tempo de limpar o porão e acalmar as sombras. Talvez o novo século comece verdadeiramente em 2011 com todas as incríveis descobertas que a ciência faz a cada dia. Talvez no futuro a paz seja a verdadeira moeda de troca.

SONHO

Um dia os homens acordaram
e estava tudo diferente:
das armas atômicas nem sinal havia
e todos falavam a mesma lingua,
falavam poesia.
Quem visse a Terra do alto
nem reconheceria:
eram campos e campos de trigo
e corações de puro mel.
E foi uma felicidade tamanha,
nos jornais nem um só crime,
que contando ninguém acreditaria.

in Poemas de Céu, ed. Paulinas.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

ARCO-ÍRIS

Nunca sabemos o que o dia nos trará, o que deixará em nossas mãos, em nossa porta. Hoje bem cedo vimos um arco-íris belíssimo, duplo, que nascia na montanha. Era ali a sua raíz de luz, dali se lançava ao mar. Era tanta beleza que pensamos num presságio bom, como se a água e o céu nos dissessem que sim, que a vida é uma bênção e que nascemos para amar.

ARCO-ÍRIS

O amor pode ser lilás,
suave e calma fragrância;

o amor pode ser azul,
encharcado de noite e mar;

pode ser vermelho,
fruta madura explodindo
em incêndio:

verde-pássaro
abrindo a gaiola
e tingindo o mundo,

branco-espuma
tecendo renda,

amarelo
derramando ouro,

cor de laranja lavando
os sonhos com fogo.

in Todas as Cores dentro do Branco, ed. Nova Fronteira.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

PRESENTES

No meu aniversário ganhei muitos presentes, muitos chegaram pelo correio. Angela, leitora do blog, me enviou o filme O Som do Coração, filme belíssimo sobre um menino músico que busca seus pais. Recebí a obra completa do Pablo Neruda da Fundação Santillana. Minha irmã Evelyn me mandou duas sandálias, Minha fisioterapeuta Leila me trouxe de bicicleta uma canga e uma blusa branca e Telma, também leitora do blog, me deu uma vela vermelha, adoro velas. Recebí um cartão da Prefeitura de Joinville onde o Prefeito Carlito Merss agradece a minha presença em Joinville e me dá parabéns pelos belos livros. Falando em Joinville, dia 14 chega Silvane, a Diretora da E.M Hermann Muller, para passar um final de semana aqui em casa. Estou radiante.

Este dezembro está muito ameno. Tomara que o verão inteiro continue assim, com temperaturas suportáveis. Saquarema é bela no verão, com suas casas abertas e todo o movimento. Parece outra cidade. Durante o ano a sensação é de que vivemos numa ilha deserta, mas verdade seja dita, eu adoro. Vivemos numa casa barco. Neste momento, na linha do horizonte, flutua um pequeno barco. Sua vela é vermelha.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ANIVERSÁRIO

Hoje é meu aniversário. Faço 60 anos e me dei de presente um dia maravilhoso. Afinei o olhar e o olfato. Fiquei uma hora olhando o mar, que estava cinza, carregado, como eu gosto. Muitas gaivotas. No caminho para o mar as flores selvagens exalam um cheiro maravilhoso que à medida que nos aproximamos da orla desaparece . O cheiro do mar me envolve e o silêncio intermitente das ondas. O dia está nublado, como eu gosto. Há um presságio de chuva, sinto o cheiro da chuva em gestação. Meus amigos me telefonam, meus filhos, minha irmã. Amigos e família são nossas âncoras. Escuto a voz do Latuf, meu grande amigo que se mudou para as estrelas: _ Estou aqui, meu bem. Penso: minha mãe tinha 30 anos quando eu nasci sob o signo de capricórnio e um carregamento de sonhos. Suas últimas palavras para mim foram: _ Você está tão bonita , minha filha. Também escuto sua voz hoje.
Meus sonhos são simples: a felicidade de todos os que amo, paz, justiça. E que a poesia não me abandone.

domingo, 26 de dezembro de 2010

DIA AZUL NO JARDIM

Hoje é um dia completamente azul. Colocamos pedaços de mamão nas goiabeiras para ver os sanhaços comendo. Não sei como descobrem, mas não demora nem 3 minutos e eles chegam para comer. Azuis como o dia. Borboletas brancas se casam, os jabutis passeiam pelo jardim. Nosso flamboiã é uma explosão vermelha e a grama fica toda salpicada. Um pé de tomate nasceu sozinho aos pés do flamboiã e já comemos os tomatinhos, minúsculos e saborosos. Temos quase um bosque atrás da casa e é um bosque corajoso, pois precisa lutar contra o sudoeste, a areia, o sal.O bosque desafia o mar. O cravo e a canela já são duas árvores grandes e posso jurar que elas conversam. O mulungú já deve estar tramando as suas flores e qualquer dia nos faz uma surpresa. Há todo um mundo, visível e invisível no nosso jardim.

sábado, 25 de dezembro de 2010

PAZ

Na ponta dos pés
como bailarina pisando
em folhas e assombros,
costurar os dois lados da lua,
a Terra no céu,
e no céu e na Terra
desenhar com o corpo inteiro
a palavra paz.

Roseana Murray, in Todas as Cores dentro do Branco, ed. Nova Fronteira

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

DEUS É TEMPO

Ontem li um pequeno livro maravilhoso sobre Veneza: MARCA-D' ÁGUA do poeta russo Joseph Brodsky, Prêmio Nobel de Literatura de 1987. Não é um guia de viagem, não enumera museus, igrejas ou monumentos. É um guia de sensações, um convite para irmos junto , para nos esgueirarmos rente aos muros, para nos perdermos no meio da água e da névoa. Em seu texto tudo é instável, tudo é poesia:

"Sempre concordei com a idéia de que Deus é tempo, ou que pelo menos seu Espírito é. Talvez essa idéia seja até mesmo da minha própria lavra, mas agora não me lembro. De qualquer modo, sempre pensei que se o Espírito de Deus se movia sobre a face da água, a água tinha de refleti-lo. Daí meu sentimento pela água, por suas dobras, rugas, ondulações, e - como sou um homem do norte - por seu cinza. Simplesmente penso que a água é a imagem do tempo, e a cada véspera de Ano Novo, de modo um tanto pagão, tento ficar perto da água, preferivelmente , à beira de um mar ou de um oceano, para olhar o surgimento, a partir dela, de uma nova ajuda, um novo punhado de tempo."

Marca-D'água, Joseph brodsky, ed. Cosacnaify

Vamos colher com as mãos, com todo o cuidado, cada dia, um novo punhado de tempo que nos é oferecido.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

PARA O NATAL

Para meus amigos e meus leitores fiz um poema de Natal;

PARA O NATAL

Para o Natal reserve os mais belos
gestos,
a dança mais cristalina,
escolha uma estrela longínqua,
que ainda não tenha sido descoberta,
para enfeitar a festa.

Embrulhe palavras com luz
e oferte a quem ama:
não há presente mais certo.

E que caibam na mesa
os que já se foram,
os que ainda não chegaram
e os que enchem a casa de sol.

Para o Natal pinte as mãos
com sua cor preferida
e distribua beijos
como vagalumes
para lembrar o homem
que nesta hora, em algum lugar
distante no tempo,
transformava água em vinho
e multuplicava os peixes.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

PALAVRAS SÃO PÁSSAROS

Recebo um livro lindo de Angela Leite de Souza, poeta mineiríssima que já ganhou com sua poesia o Prêmio Casa de las Americas. Começando pelo título que é um achado, Palavras são Pássaros, haicais e origamis se combinam, se desdobram, falam de artistas e suas obras, cada poema uma pequena jóia:

Bem lá na beirinha
do vento é que se inventam
todas as canções.


Aquele sabiá
pousado lá no varal:
nota musical.

Linha do horizonte
presa na agulha do sonho
borda poesia.

in Palavras são Pássaros. Angela Leite de Souza, origamis de Pipida, ed.Salesiana

Mais um artista é preso no Irã, o cineasta Jafar Panahi ficará preso por 6 anos e não poderá escrever roteiros e sair do país por 20 anos. A arte, para regimes autoritários é perigosa, pois arte é liberdade, rompe fronteiras, faz pensar. A arte é o que nos faz humanos. Em pleno século XXI artistas são obrigados a calar, são aprisionados. Mas um artista é como um vulcão, suas lavas já estão derramadas e nada apagará o seu rastro.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

DEZEMBRO

Para lidar com a imensidão do tempo, fracionamos o tempo. E inventamos rituais. Dezembro, o último mês do ano é sempre um espelho das nossas realizações e do que gostaríamos de mudar. Tempo de arrumar gavetas, jogar papéis na lata do lixo, fazer promessas que raramente cumprimos. Dezembro seria um portal para uma outra dimensão: o futuro. Mas o futuro não existe, ele é agora, enquanto escrevo, já que para dar um passo, um dos meus pés está no ar e quando eu o coloco no chão ele já transformou o futuro em presente.

Quando eu era criança meu pai tinha uma loja no Grajaú. Vendia um pouco de tudo e no Natal vendia brinquedos que ele expunha na calçada. Eu enchia os olhos com aqueles brinquedos, mas como judeus não tínhamos Natal. Jesus sempre foi uma figura problemática para os judeus, pois apesar de Jesus ter sido judeu, um povo inteiro foi culpado por sua morte quando todos sabem que os romanos mataram Jesus. Mas acho que os judeus deveriam reivindicar sua figura histórica de contestador. Jesus foi um homem que não aceitou o papel de vítima e nem a figura de um Deus cruel e vingativo. Jesus trouxe a idéia revolucionária de amor e quando ele diz que ao inimigo se tem que dar a outra face, ao contrário do olho por olho e dente por dente, ele quebra um ciclo interminável de vingança. Se o Natal existe para lembrar o nascimento de Jesus, o Natal deveria ser uma festa simples. Que cada um preparasse com amor os presentes que deseja oferecer. Mas o Natal virou uma festa de grande consumo e Jesus era um homem simples. Quando vejo as pessoas enlouquecidas comprando freneticamente, penso que não há nada que justifique isso. Para as pessoas que a gente ama nada melhor do que oferecer amor todos os dias. Então todos os dias seriam Natal.

domingo, 19 de dezembro de 2010

POEMA PARA O LUIS

Hoje uma leitora do blog , Angela, me pediu um poema para sua sobrinha Rebeca. Fiz o poema, adoro o nome Rebeca. e então fiz um poema pro Luis, meu neto;

Luis dança o dia inteiro:
toca cavaquinho,
violão e pandeiro.
Do quarto para a sala
lá vem Luis de avião,
a lingua que fala
não cabe na boca,
é enrolada
feito macarrão.

Luis gosta do sol e gosta da lua,
às vezes chora, às vezes ri
e sapateia e pula
quando quer ir
pro meio da rua.

Todos os dias
Luis descobre o mundo,
faz uma pirueta,
bota as mãos na cabeça
e joga coloridos beijos.

DOMINGO PÉ DE CACHIMBO

André, meu filho e Dani Keiko, minha nora, foram para casa hoje bem cedinho. Resende e Mauá, os dois lugares onde vivem e trabalham. A casa ficou vazia demais e eu fiquei triste demais. André enche todos os espaços com sua energia solar e Dani, completamente oriental, parece uma gatinha silenciosa. Cozinhamos todos juntos, rimos, lemos trechos de livros e jornais uns para os outros, celebramos a vida cada segundo em que estiveram aqui. Não gosto de despedidas , mas a gente vive se despedindo.

Meu neto Luis, que já toca cavaquinho com um ano e três meses, agora ganhou um tecladinho e um pandeiro. Ele nos presenteou com um concerto via skype e tocava um pouquinho de cada instrumento e ele mesmo aplaudia. Agora, neste minuto estou ouvindo o Guga em sua lojinha de vinhos em Granada, fazendo uma venda. Espero a venda acabar para conversarmos outra vez. Enquanto escrevo acompanho o diálogo entre ele e seu cliente. Loucuras da tecnologia. Ele vai explicando tudo, pois desde que tem a enoteca estuda muito. Visitei a sua lojinha quando estive em Granada, é mínima, como se fosse uma adega, na verdade é uma adega climatizada de muito bom gosto e se entrarem mais de cinco pessoas já enchem a loja! Guga fala espanhol como um verdadeiro andaluz. Eles comem as últimas sílabas das palavras. E meu neto Luis já entende as duas linguas e fala uma terceira que ele inventou. (Guga acaba de vender duas garrafas de vinho).

E hoje inventei um método para comer menos, pois dezembro não é brincadeira: anoto tudo o que como. Para mim as palavras são sempre mágicas e se anoto, saltam aos meus olhos todas as extravagâncias. Vamos ver se dá certo.

Bom domingo .

sábado, 18 de dezembro de 2010

BOCAS DO TEMPO

Maria Clara me trouxe de presente o livro Bocas do Tempo do Eduardo Galeano. Na última página do livro ela colou uma carta dizendo que fui uma das quinze pessoas escolhidas para receber o livro. Não conhecia o livro que ganhei de presente e fiquei radiante. Sempre amei Galeano de paixão perdida, desde O Livro dos Abraços que foi meu travesseiro por muitos e muitos anos. Galeano nos emociona na medida certa. Seus textos curtos possuem uma densidade poética impressionante. Galeano é um autor imprescindível.

PRIMEIRAS LETRAS

Das toupeiras,aprendemos a cavar túneis.
Dos castores,aprendemos a fazer diques.
Dos pássaros,aprendemos a fazer casas.
Das aranhas,aprendemos a tecer.
Do tronco que rodava ladeira abaixo,aprendemos a roda.
Do tronco, que flutuava à deriva, aprendemos a nau.
Do vento,aprendemos a vela.
Quem nos terá ensinado as manhas ruins? De quem aprendemos a atormentar
o próximo e a humilhar o mundo?

Eduardo Galeano in Bocas do Tempo, L&PM pocket

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

MEDOS E CORAGENS

Hoje leio que há uma mulher nos Estados Unidos que não tem medo de nada. É a mulher mais corajosa do mundo. Ele sofreu uma lesão cerebral na área que fabrica ou controla os medos e não sente nada. Pode segurar a lingua de uma cobra e achar a experiência fascinante , não tem medo de aranhas ou baratas e nem de ser assaltada. Está viva milagrosamente pois se arrisca o tempo todo.
Quando escreví meu livro Tantos Medos e Outras Coragens, ed. FTD , parti da idéia de que os medos não são iguais, cada um tem a sua lista de medos e, claro, de coragens. Eu, por exemplo, não tenho nenhum medo de escuro e amo as tempestades violentas, com muitos raios e trovões. Não gosto de cobras, mas não tenho medo de cobra. Fico na minha casinha da montanha completamente só e não tenho medo. Mas tenho muito medo de lugares imensos e de multidão. Tenho muito medo de me perder numa cidade que não conheço e nunca mais achar o caminho de volta. Assim, cada ser humano tem a sua lista de medos e de coragens.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CECÍLIA

Choveu muito ontem. A casa parecia estar dentro do mar. Água por todos os lados. A chuva molhou o quarto onde dormia meu filho, encharcou a cama. Foi preciso se mudar para a sala. Busco um poema de água e Cecília Meireles me diz:

AR LIVRE

A menina translúcida passa.
Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.

Leva o arco-íris em cada fio de cabelo.
Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.

Evaporam-se-lhe os vestidos na paisagem.
É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro.

E quando pára na ponte, as águas todas vão correndo,
em verdes lágrimas para dentro dos seus olhos.

Cecília Meireles, in Retrato Natural, Antologia Poética, ed. Nova Fronteira.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

LENDO NOS PRESÍDIOS

Marco Lucchesi, grande poeta, hoje escreve um belíssimo artigo sobre leitores nos presídios. Bibliotecas, oficinas de leitura e escrita, discussões, tudo isso acontece em pequena escala mas se fosse em grande escala poderia salvar muitas vidas. A situação dos presídios no Brasil é tão horrenda e vergonhosa que não se consegue nem falar sobre isso: é um pântano. Mas muitos presos poderiam ser recuperados para o convívio social através da arte , da literatura. Seria tão simples, a arte nos devolve o que temos de melhor dentro de nós, o que nos faz humanos, o que às vezes está submerso. Ler e discutir Crime e Castigo do Dostoievski pode fazer com que um preso reavalie toda a sua vida e seus atos. Nelson Mandela diz que todo ser humano traz uma semente de bondade dentro do coração.Uma biblioteca na prisão pode fazer germinar milhares de sementes.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

CEDINHO DE MANHÃ

Hoje acordei bem cedinho em Teresópolis, pois meu ônibus era às 6hs. Às 4.30hs já estava tomando café. Adoro ver o dia amanhecendo. É belo. Ouvi dizer que os cientistas falam em dobras do tempo. Se pudéssemos dobrar o tempo as distâncias não existiriam e se poderia viajar em segundos. Mas às 9hs já estava tomando café com cheiro de mar aqui em Saquarema. Antes de desfazer a mochila preparei um caldo de peixe , pois meu filho chega para amoçar e farei uma moqueca: o segredo é o caldo. Sempre deixo muitos livros em cima do banco na sala, a caminho do meu quarto. Livros que vou lendo ao sabor do dia. Apanho o primeiro da fila e abro ao acaso. Um poema maravilhoso do Borges me acolhe:

CERCANIAS

Os pátios e sua antiga certeza,
os pátios alicerçados
na terra e no céu.
As janelas com grade
da qual a rua
se torna familiar como uma lâmpada.
As alcovas profundas
onde arde em quieta chama o mogno
e o espelho de tênues resplendores
é como um remanso na sombra.
As encruzilhadas escuras
que lanceiam quatro infinitas distâncias
em arrabaldes de silêncio.
Nomeei os lugares
onde se esparrama a ternura
e estou só e comigo.

Jorge Luis Borges, Fervor de Buenos Aires, in Obras Completas, ed. Globo.

Que belo poema para dar de comer à alma. Amo a poesia do Borges, muito mais do que seus contos. Ela é imensa, suas imagens são maravilhosas.
Ontem, na casa da Evelyn, discutíamos sobre o aqui e agora. É aqui e agora que existimos. O passado tem que ser como o espelho do poema Cercanias,um remanso na sombra, tênue resplendor. Do futuro nada sabemos e é agora que vivemos, este instante mágico em que respiro e o mundo corre em minhas veias.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

FESTA DE ANIVERSÁRIO

Ontem foi a festa de aniversário da minha irmã e nós duas fizemos um almoço para 25 pessoas. Os amigos da Evelyn são antigos. A maioria veio da sua adolescencia. Ela os cultiva como orquídeas raras. E como vieram de um tempo tão distante, dá para acompanhar a trajetória de suas vidas , como se cada vida fosse um conto. São artistas, pessoas muito interessantes. Minha tia Alice veio representando nossa mãe ausente. Rafael, crítico de arte, levou o seu aparelho de jantar, que Evelyn levou meses preparando e deixou exposto no ateliê para que todos vissem e morressem de inveja. Brigite trouxe para vender bloquinhos de anotação e calendários feitos com as imagens dos haicais de barro da Evelyn e meus poemas. Daysa trouxe suas lindas bolsas que ela começou fabricando em casa e agora já é uma empresária. Fábio, seu marido, é piloto e traz um clima de aeroporto para a sala. Leila é agente de viagens e por isso todos contam suas últimas viagens: Lucy voltou de Praga e me trouxe um brinco lindíssimo que comprou na Ponte Carlos, perto do Castelo. Silvinha voltou de Israel e me fala do vento do deserto. Eu falo de Granada. Sol está de mudança para Belo Horizonte pois está apaixonada e seu amor , Alexandre, mora lá. Enquanto Patrícia e Rafel contam sua viagem para Japaratinga, Alexandre começa a falar de lugares insuportáveis para onde ninguém deveria ir e eu sugiro que ele escreva um guia de viagens ao contrário: Lugares Insuportáveis Que Ninguém Merece.
Minha belíssima sobrinha Julia veio com o seu namorado-noivo-marido,Rodrigo, que adora restaurar móveis antigos, adora estofar e que viveu na Austrália. Ele conta coisas da Austrália. Na festa da Evelyn, percorremos o mundo e entrelaçamos experiências.
Ainda estou em Teresópolis. Hoje vamos almoçar os restos da festa.

sábado, 11 de dezembro de 2010

CASA DE IRMÃ

Estou em Teresópolis , na casa da minha irmã Evelyn. A temperatura está maravilhosa e eu amo a montanha. Está tudo tão florido, agapantos e hortências fabricam inacreditáveis azuis. Amanhã é o almoço do seu aniversário e faremos um banquete. Saí de Saquarema bem cedinho e parei na peixaria, trouxe salmão e lula. A casa da Evelyn ficou mais bonita ainda pois vieram os móveis da nossa mãe depois da sua partida. São móveis muito antigos e magníficos.
Recomeço hoje a ler As Travessuras da Menina Má, do Vargas Llosa, que fez um discurso belíssimo na entrega do Nobel. Já estou me preparando para o nosso encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela.
Semana que vem meu filho André passará alguns dias em Saquarema. É uma grande felicidade. Depois que perdi o meu amigo Latuf gostaria de estar grudada o tempo todo nas pessoas que amo.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

SAKINEH ASHTIANI

Sakineh Ashtiani, iraniana condenada a morrer por apedrejamento, já está em casa, diz Mina Ahadi, líder da Comissão contra a Pena de Morte e o Apedrejamento, embora o governo iraniano não tenha confirmado.
É uma grande vitória contra a bárbarie, contra o fundamentalismo religioso, contra a tirania. É a prova de que a opinião pública conta sim e que o mundo, ao ficar al lado de Sakineh, forçou o governo do Irã a voltar atrás. Devemos combater o fanatismo religioso com todas as nossas forças , pois ele traz apenas violência e discórdia. As religiões nasceram para apaziguar o medo e não para disseminar o medo. A relação de cada um com o divino deve ser íntima e particular e nenhum poder pode legislar sobre as consciências. Que cada um exerça a bondade e faça alguma coisa que justifique a sua existência: essa é a verdadeira religião.

Acabo de ler no El País que o Irã desmente a libertação de Sakineh. Mas não vamos perder as esperanças.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

ESCREVENDO

Muita gente me escreve pedindo ajuda para publicar. Fico quase desesperada, pois meu desejo é sempre ajudar. Mas as editoras publicam muito pouca poesia e realmente eu não posso fazer muita coisa. Já indiquei autores novos e não consegui nada. Mas hoje cada um pode ter seu blog, hoje cada um pode editar em casa seu próprio livro e dar de presente para os amigos. Dizia Clarice Lispector: "Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..." O que posso dizer: continuem escrevendo. Escrever continuamente nos torna mais leves, é como se a gente alimentasse um imenso rio feito de palavras.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

FELICIDADE OU HARMONIA?

Saramago diz várias vezes em suas entrevistas que prefere a palavra harmonia ao invés de felicidade. Felicidade é uma palavra complicada e virou obrigação em nossa época. A tristeza, como disse Martha Medeiros em um texto, não é admitida em nossa sociedade e haja prozac e outras cositas . Mas eu penso que a felicidade é um estado de espírito que independe de qualquer fator externo. É como se pudéssemos navegar em nosso caos interno, aí sim, uso a palavra harmonia. O caos com harmonia. A vida é uma caixa mágica e se estivermos atentos e agradecidos nos sentiremos felizes. Sou como o Marvovaldo, personagem maravilhoso de Italo Calvino, que busca a florzinha miúda até no lixo ou nos interstícios dos prédios. E a vida é a nossa matéria prima. É com a vida e o que nos acontece que construímos. A felicidade também é um exercício, um exercício de olhar . A felicidade é a porta aberta para o outro, é tentar não machucar ninguém. Cada dia pode ser meu último dia, então neste dia , hoje, que me cabe estar viva, sou feliz.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

ESTRADA REAL

Um Verso a Cada Passo é o livro que tenho entre as mãos, de Angela Leite de Souza, ed. Autêntica. Angela refaz com poemas e bordados, agulha e linha, botões, paninhos, a Estrada Real, que , nos explica Angela, "eram na realidade vários caminhos usados no tempo do Brasil Colônia para levar o ouro e os diamantes de Minas Gerais até o porto e, daí, para a metrópole." E cidades vão surgindo, vilas, vilarejos:

O CAMINHO VELHO
Abro o mapa
dou um zoom no tempo,
fecho os olhos.
Estou no Caminho Velho
levado pela lenda do ouro
de Sabarabuçu,
na Serra dos Cataguases.
Aliás, como viajo assim,
em pensamento
não me cansa tamanha andança
transpondo montanhas
criando bolhas e calos
ou então sacolejando
no lombo de um pobre cavalo.
Onde quer que vá passando
tudo já foi batizado
com um nome apropriado:
Boqueirão do Inferno,
Pouso do Facão,
Serra do Quebra-Cangalha,
Povoado da Aparição,
Ribeirão Passa-Vinte
(vinte vezes é varado),
Garganta do Embaú
e Serra da Mantiqueira
de onde afinal se embrenha
pelos sertões das Gerais.

Angela Leite de Souza
Um Verso a Cada Passo, ed. Autêntica


Angela tem uma poesia limpa, firme, densa. Me lembra sempre Drummond. Vale a pena percorrer a Estrada Real nas asas da sua escrita, mergulhar nesse tempo antigo , de desbravamentos e descobertas.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

DILMA E O IRÃ

Fiquei radiante com a entrevista que nossa Presidente eleita, Dilma Rousseff concedeu ao jornal "The Whashington Post". Já não há na entrevista o jogo "tudo o que seu mestre mandar"e Dilma marca posições bem claras em relação ao Irã, por exemplo. Diz ela: "Eu não endosso o apedrejamento. Não concordo com as práticas que têm características medievais para as mulheres. Não há nuances, não vou fazer qualquer concessão a esse respeito. Minha posição não mudará quando assumir a Presidência. Não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é a minha posição." Aplausos sinceros para a nossa futura Presidente. O Brasil não pode compactuar com regimes violentos. Nossa política externa é nefasta em muitos aspectos e parece que isso vai mudar. Então poderemos ter orgulho da nossa Presidente mulher , pois ela diz que se já tivesse tomado posse o Brasil não teria se abstido na votação da resolução das Nações Unidas de condenação à violação dos direitos humanos no Irã.

Leio hoje no O Globo uma entrevista com o escritor americano Nicholas Carr em que ele diz que passar muitas horas navegando na internet nos emburrece, pois favorece a superficialidade . Transcrevo: "As coisas que no passado, sempre foram consideradas essenciais para uma vida intelectual rica, como contemplação, reflexão e introspecção não acontecem quando você é interrompido, você nunca consegue exercitar estas formas de pensamento mais atentas e focadas". Maria Neuza ,leitora do blog e Juan Arias, meu marido, discordam. mas há que ler a metéria inteira. Ele fala de uso excessivo e do abuso do hipertexto. Ele diz que o uso excessivo do hiper texto não favorece a concentração. Mas esta é uma matéria polêmica mesmo. Ele não nega que todo o conhecimento esteja na rede.

O final de semana foi para os amigos. Angelika e Jorg, nossos amigos alemães que agoram moram em Saquarema, fizeram uma festa de Natal para os caseiros e nos convidaram. Arrumaram a mesa mais linda , uma mesa bem alemã e seus empregados convidados foram servidos como embaixadores. Emocionante. Distribuiram presentes e delicadezas.
Angelika e Jorg viveram no Cairo, Tunísia, Líbia, são tão interessantes e amorosos, dá gosto conviver com eles. Ontem preparei um lindo café da manhã para o Hélio e o Fernando que possuem uma propriedade maravilhosa em Saquarema e plantam centenas de árvores. Falamos tanto do Latuf, nosso amigo que se mudou para alguma estrela, mais do que nunca ele esteve presente. Evelyn, minha irmã que veio de Teresópolis transforma tudo em alegria. E já é dezembro e meu flamboiã está florido, o jardim explode em vermelho.

domingo, 5 de dezembro de 2010

MULHERES LEITORAS

Tenho recebido muitas mensagens lindas de Duque de Caxias e sinto que minha visita foi importante, fez com que todos se fortalecessem. Eu fui apenas um espelho onde todos puderam se ver e ver como o que fazem é maravilhoso.

Releio ou melhor , revejo o belo livro Las mujeres, que leen, son peligrosas, ed. Maeva, Espanha. São quadros de mulheres lendo e um belo texto de Esther Tusquets. O quadro Nú Feminino de Suzanne Valadon me cativa. A pintora viveu de 1867 a 1938 e foi modelo de Renoir e Toulose-Lautrec, ou seja, ela mesma foi uma mulher nua posando. Mas no seu quadro, a belíssima mulher nua, sentada numa cama desfeita, está lendo. Ela acabou de acordar? Pela luz do quadro não sabemos a hora. Ou será que é um fim de tarde e ela espera o seu amor lendo um livro de poesia? Ela está nua, mas não em atitude provocativa ou erótica: ela simplesmente está lendo.

sábado, 4 de dezembro de 2010

BONDADE

Recebemos um livro da Espanha: José Saramago em suas palavras. A edição e seleção é de Fernando Gómez Aguilera. O autor do livro selecionou o que Saramago disse sobre vários temas, na imprensa e em alguns livros de entrevista, inclusive O Amor Possível, do Juan Arias, meu marido, editado no Brasil pela Manati. O efeito é belo e há uma grande coerência em seu pensamento, ele nunca se contradiz ao longo dos anos. Mas , há uma frase, que me tocou alucinadamente, por ser exatamente o que penso:
"O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é o único que conta". in Baleares, Palma de mallorca, 20 de abril de 1994.

Parem o mundo e pensem sobre a bondade.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

SANTA CRUZ DA SERRA

Ontem, ao abrir a porta da varanda às 5:45hs , ouvi um carro estacionar e já era o Russo, da Secretaria de Educação de Duque de Caxias, com sua esposa, para me buscar. E eu ainda da camisola! Mas, como marquei às 7hs, respirei fundo, arrumei o café na mesa e chamei o casal para tomar um café com a gente. Durante a viagem várias pessoas telefonaram para o motorista rastreando o nosso caminho. As crianças estavam super ansiosas para inaugurarmos a Sala de Leitura com meu nome. Cheguei.
A E.M.Pedro Paulo da Silva fica numa rua linda e é uma casinha azul. Lourdes me conta que era uma casa de morador que foi comprada pela Prefeitura. Na minha chegada muitas crianças estavam sentadas com a Professora Andrea da Sala de Leitura que antes não existia, mas a professora já existia. Sou recebida por uma linda canção da Bia Bedran que fala de ouvir e sentir. Depois uma aluna vestida de africana conta uma história da África. Eles aprendem cultura africana e sabem o que é um griot. No pátio várias Tendas de Leitura com Contadores de Histórias, inclusive o Felipe, Secretário de Leitura de Duque de Caxias e membro do nosso Clube de Leitura da Casa Amarela. A Secretaria de Educação veio em peso e finalmente subimos ao segundo andar para cortar a fita da placa da Sala de Leitura.
A Sala é linda, com um tapetão e almofadas, cortinas nas janelas e uma frase na placa, retirada de um dos meus poemas do livro Casas, dá o tom: "Aqui o tempo não passa, o tempo senta e descansa ". A Secretária de Educação ficou tão feliz com a Sala que prometeu um aparelho de ar condicionado. Algumas crianças subiram , mas a maioria ficou no pátio, pois eram 300 crianças, Lourdes juntou os dois turnos. O que faz a diferença na pequena escola azul é que todas as crianças saem lendo e escrevendo e entendendo os textos perfeitamente. A diretora Lourdes, grande maestrina de sentimentos, conduz os professores com paixão e há uma labareda na escola. Todos pulsam juntos num acorde imenso e belo. Lourdes arrumou várias mesas no pátio e o almoço, super natural e colorido juntou professores, porteiro, merendeiras, numa grande confraternização. Agora sou a madrinha da Sala de Leitura. Tenho a tarefa de alimentá-la com livros.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

SEGREDOS

JOGO DA VERDADE

A verdade é um labirinto.

Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.

in Pêra, Uva ou Maçã? ed. Scipionne.

Onde guardar hoje os nossos segredos? Em que caixa, em que ouvido, em que cofre? Se tudo o que somos, dizemos, pensamos, comemos, compramos, ensaiamos, sonhamos, é vasculhado?
Se nem o país mais rico do mundo, o mais poderoso, consegue guardar os seus segredos, como nós, simples mortais, conseguiremos? Todo ser humano tem direito a ter segredos. A exposição aguda do que somos e não somos é muito perigosa. Dentro de pouco inventarão uma máquina de ler pensamentos, nosso último reduto, nosso último esconderijo.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

UMA GATA NO CORAÇÃO

Em 1997 ganhei uma gata. Era uma mistura de siamesa com angorá. Linda. Juan ainda morava na Espanha e de longe a batizou: Babel.
Quando fui morar em Madrid , eu a deixei em Visconde de Mauá e pedi ao gato negro do sítio, o Noir, que tomasse conta dela. Três meses depois voltamos e Babel estava lindamente grávida. Teve seus filhos de madrugada, na nossa cama. Nos mudamos para outro quarto. Ela foi uma mãe maravilhosa.
Voltei para Madrid e Babel continuou no sítio,em Mauá, no mato. Só quando viemos definitivamente para o Rio, Babel virou uma gata de apartamento.
Juan me deu a Luna , gata persa, de presente, para que Babel não se sentisse tão sozinha. De Madrid trouxemos Rex, o lindíssimo cachorro branco do Juan. O trio viveu muito bem lá no Rio Comprido. Mas o Rex já veio muito velho e um dia morreu.
Nos mudamos para Saquarema com Babel e Luna. Babel enlouqueceu de felicidade numa casa com jardim. Era passeadeira, grande conhecedora de telhados. Viveu imensas aventuras e um dia, já com doze anos, desapareceu. Babel ocupava a nossa vida de uma tal maneira que pensei que não poderíamos carregar tanta dor. Então escreví um poema e agora virou livro, chegou ontem à tarde com ilustrações maravilhosas do Caó Cruz Alves. Tenho alguns livros em parceria com o Caó, adoro o seu trabalho, mas ele me surpreendeu pela simplicidade, lirismo e beleza. Babel está sempre viva. Virou restaurante, escola de cozinha e depois de participar de tantos livros agora ela é um livro que se chama Uma Gata No Coração, da ed. Amarylis. Luna, a gata persa, olha o livro e ronrona, se lembra. Nana, nossa nova gata, lambe o livro e o despreza: ela prefere sardinhas, não é como a Babel, uma gata leitora.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A ARTE DE SER LEVE

Acabo de ler um livro delicioso: A arte de ser leve, da jornalista Leila Ferreira. Ela vai nos contando através de mil historinhas reais como a falta de educação e delicadeza permeia as relações em nossa sociedade . Ela viajou e entrevistou pessoas em todo o mundo, pessoas que se interessam de alguma maneira pelo tema. Ela fala do desconforto que nossa sociedade provoca ao estimular a competição desenfreada, o consumo voraz, ao estimular o individualismo cego, que não nos deixa ver e ouvir o outro. Ela fala das pessoas que mudaram de vida, que escolheram viver com menos, que saíram de empregos que as sufocavam para buscar a felicidade. Ela fala de felicidade, alegria, bom-humor. Fala de amizades verdadeiras. Fala de como a tecnologia que existe para nos ajudar e libertar, nos torna escravos e nos deixa sem tempo, esgotados. Ela fala do perigo que é a gente estar conectado 24 horas por dia. Não percam, é um belíssimo presente de natal. E aproveitem o livro para refletir sobre o natal. Que festa é essa que para comemorar o nascimento do homem mais simples (e sofisticado) do mundo inventou que temos que consumir todo o nosso salário em presentes absurdos? Que tal a gente dar de presente livros, um poema, uma canção, um entardecer, uma palavra mágica?

Aceitei ir a Duque de Caxias. Como poderia perder uma homenagem assim? Uma Sala de Leitura com meu nome! Além disso encontrarei os amigos do Clube de Leitura. Então não vale ficar com medo, dia 2 estarei lá na E.M Pedro Paulo da Silva e depois conto para vocês. Serão entregues 300 livros (Todas as Cores Dentro do Branco) que foram doados pela Ed. Nova Fronteira, pois o livro saiu da editora.

Foi alterada a data para o Sarau de Poesia em Rio das Ostras em homenagem ao Latuf. Será no dia 09/12 às 18hs.

domingo, 28 de novembro de 2010

VOLTEI

Voltei. Foi um grande mergulho em um lugar que é um não mundo. Fiquei 9 dias numa casinha dentro da mata em Visconde de Mauá, sem telefone, internet, televisão. Para tomar banho todos os dias acendia o fogão de lenha . Tucanos, guaxos, sabiás, maritacas, milhares de pássaros teciam uma rede invisível de música . Li muito, pensei muito. Dormir sozinha dentro da mata, abraçada pela escuridão e silêncio é maravilhoso.
Uma vez , na casa do meu filho André, o Babel Restaurante , vi o noticiário: o Rio despedaçado, as Coréias quase em guerra.
A minha casinha é tão escondida que não se vê de nenhum lugar do sítio.
André e Dani fizeram uma festa a fantasia no Babel dia 25 à noite: nunca presenciei nada mais onírico. Muitos amigos da minha juventude em Mauá estavam na festa, fiquei tão emocionada, era como uma viagem no tempo. Todos se fantasiaram da maneira mais linda. Eu me vestí de preto e André comprou para mim um chapéu dourado de bruxa que parecia um chapéu de fada. Assim, fiquei uma fada-bruxa.

Dia 2 de dezembro uma escola em Duque de Caxias inaugura uma Sala de Leitura com meu nome. Eu deveria ir, mas estou com medo. Como se chegou tão longe? Como, ao longo de anos, os governos deixaram que tudo isso acontecesse? Estamos diante de uma oportunidade única para virar o jogo. Vamos torcer. Não se pode viver numa cidade sitiada como se estivessemos na Idade Média.
Guga, meu filho, me conta: na sala de aula do seu sobrinho Pablo, na espanha, leram um poema meu, pois estou numa antologia espanhola. Pablo, de dez anos, disse: é minha tia-avó, todos riram, ninguém acreditou.

Acabo de ler a notícia de que no dia 1 de dezembro a partir das 18hs a Universidade Federal de Rio das Ostras, sob a coordenação da Professora Sonia Maciel promoverá um Sarau e Concurso Literário em homenagem ao nosso amado amigo Latuf Isaias Mucci. Na ocasião será relançado seu belíssimo livro Águas de Saquarema. maiores informações no blog: http://www.cllim2010.blogspot.com

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dez Direitos Naturais das Crianças



Silvana, diretora da E.M.Hermann Müller me enviou os direitos naturais das crianças. É belíssimo.

1. Direito ao ócio: Toda criança tem o direito de viver momentos de tempo não programado pelos adultos.

2. Direito a sujar-se: Toda criança tem o direito de brincar com a terra, a areia, a água, a lama, as pedras.

3. Direito aos sentidos: Toda criança tem o direito de sentir os gostos e os perfumes oferecidos pela natureza.

4. Direito ao diálogo: Toda criança tem o direito de falar sem ser interrompida, de ser levada a sério nas suas idéias, de ter explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem gritos.

5. Direito ao uso das mãos: Toda criança tem o direito de pregar pregos, de cortar e raspar madeira, de lixar, colar, modelar o barro, amarrar barbantes e cordas, de acender o fogo.

6. Direito a um bom início: Toda criança tem o direito de comer alimentos sãos desde o nascimento, de beber água limpa e respirar ar puro.

7. Direito à rua: Toda criança tem o direito de brincar na rua e na praça e de andar livremente pelos caminhos, sem medo de ser atropelada por motoristas que pensam que as vias lhes pertencem.

8. Direito à natureza selvagem: Toda criança tem o direito de construir uma cabana nos bosques, de ter um arbusto onde se esconder e árvores nas quais subir.

9. Direito ao silêncio: Toda criança tem o direito de escutar o rumor do vento, o canto dos pássaros, o murmúrio das águas.

10. Direito à poesia: Toda criança tem o direito de ver o sol nascer e se pôr e de ver as estrelas e a lua.”

COZINHANDO PARA OS AMIGOS

Estou em Resende, na casa-escola do meu filho André . Ontem assisti a aula Cozinhando para os Amigos. Era uma aula de massas e a turma animada e lindíssima. Eles fizeram massa fresca com tinta de lula, ervas, pimenta. Os molhos: de truta salmonada com aspargos, queijo de cabra com geléia de amora e cachaça e ossobuco. Fizeram lasanha de espinafre. A aula durou umas 3 horas. Depois todos se sentaram na bela mesa , foram abertos vinhos maravilhosos que não estão incluídos no preço da aula , mas o custo é dividido entre todos. A dinâmica da turma de dez pessoas cozinhando juntas, em equipe, sob a batuta do Chef André, é emocionante. Ficaram todos amigos e dizem que a aula é uma terapia e nunca mais querem parar. Alguns moram longe, em Barra Mansa e a distância não é problema. Há um médico, uma botânica, uma técnica de laboratório, um publicitário, etc...
A Resende de hoje é tão diferente da cidadezinha quase rural da minha juventude. É uma cidade bonita, viva.
Estou louca para subir a montanha . Espero o André e a Dani acordarem. A casa tem cheiro de filho. É muito bom.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

CAFÉ, FLOR E POESIA

A poesia de Roseana Murray veio coroar seis anos de reflexões,
inquietações, descobertas, desacomodações e ações que acompanham os
nossos projetos.
A poesia nos convida a trilhar este caminho com muita profundidade,
leveza e alegria.
Acreditamos que é preciso POESIA para que possamos nutrir a esperança
de juntos construirmos um mundo mais saudável e justo.
A Poesia de Roseana, declamada no VI Café, Flor e Poesia, confirma a
nossa crença na capacidade das crianças de utilizar a arte para se
ligar a um lugar de maneira surpreendentemente bela. Sua poesia nos dá
a possibilidade de mergulhar na natureza e observar atentamente,
criando um espaço para a alegria e admiração que o mundo natural pode
evocar. Acredito que as crianças que entendem e amam o lugar em que
vivem, quando crescem, se tornam cidadãos engajados e comprometidos
com a preservação desse lugar.
Uma "sala de aula" pode ser uma horta, uma pequena agro floresta, um
bosque... um jardim!
Uma educação assim estimula tanto o entendimento intelectual da
ecologia como cria vínculos emocionais com a natureza.

A você,minha poetisa inspiradora,
Meu amor e a minha gratidão.
Silvane Aparecida da Silva

Diretora da E.M. Herman Müller

SUBINDO A MONTANHA

Hoje vou para Visconde de Mauá. Minha primeira estação é Resende, Escola de Cozinha Babel Gastronomia. Assisto a uma aula de massas do curso "Cozinhando para os amigos". Depois da aula todos jantam o que cozinharam. Durmo em Resende e amanhã subimos a montanha. Vou ficar dez dias na minha casinha dentro da mata para colocar em dia a minha maternidade. Faz tanto tempo que não vejo meu filho André. Sei que eles prepararam um jardim para a minha casinha e muitas outras surpresas. Estou radiante. No sítio não há internet e a lan house mais próxima fica a 7km. Como não dirijo, nem sei se consigo ir até lá. Todos sabem que as estradinhas entre os vales são péssimas e se não conseguir chegar a uma lan house conversaremos por telepatia. Mas amanhã ainda escrevo no blog para contar a aula do André Murray e da Dani Keiko.

Leio uma entrevista com o sociólogo Alain Touraine em que ele diz que "o único movimento político realmente forte hoje é a ecologia. Pela primeira vez na História abandonamos a velha filosofia de Descartes ou Bacon de que a cultura domina a natureza. Pela primeira vez estamos preocupados em salvar a natureza sem destruir a civilização." Então, todo gesto limpo é necessário. Todo jardim é necessário. Toda árvore, toda planta, todo animal.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

REDE, CAOS CRIATIVO, TOMATES E MEMÓRIA

Hoje abro o blog e encontro um comentário de um professor do Acre. Penso que exatamente neste minuto bilhões de pessoas estão conectadas ao mesmo tempo numa rede tão imensa que dá até uma certa vertigem. Nunca tantos seres humanos se comunicaram de lugares tão diversos em tempo real. E idéias circulam pela rede. Leio uma entrevista com um escritor americano, Steven Johnson, onde ele constesta a tese de que grandes idéias brotam do nada. Diz o autor que grandes idéias nascem do caos. Ele pede que as famílias estimulem seus filhos a cultivarem hobbies e atividades paralelas ao estudo e que todos levem um caderninho para anotar suas idéias. Às vezes uma idéia não faz sentido hoje, mas pode fazer dentro de algum tempo. E que boas idéias devem ser copiadas e que todas as pessoas, empresas, escolas, deveriam dedicar pelo menos 20% do seu tempo para a criação. E que a criação em equipe é muito estimulante e que quanto maior a diversidade entre as pessoas mais interessantes são as idéias. E finalmente que o caos é criativo.

Ainda sobre a E.M.Hermann Muller: na entrada da escola há dois bancos antigos, que eram as carteiras usadas no passado. Silvane, a diretora, as recuperou e colocou ali para os pais se sentarem. Assim, ele liga o passado ao futuro e muitos pais que quando crianças estudaram na escola, se lembram das carteiras e se emocionam.

Recebo um convite de cidade de Paty do Alferes para conversar com os professores. Assim como Joinville possui a festa das flores, Paty possui a festa do tomate. Estou entusiasmada, pois adoro tomate. Todos os dias de manhã ralo um tomate no lado grosso do ralador. Na minha mão fica apenas a casca, é facílimo. Acrescento azeite e uma pitada de sal. É para untar o pão. É uma receita espanhola. Assim, se pode retirar a manteiga do cardápio no café da manhã. É muito mais saudável. E delicioso.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

IPÊS AMARELOS

Esquecí de contar na minha crônica de ontem que Joinville é salpicada de ipês amarelos e estão todos floridos. É uma festa amarela. E também não contei que há um concurso de jardins para as escolas e este ano a E.M.Herman Muller está entre as 3 vencedoras. E também que vi os lírios mais lindos do mundo e que seu nome científico é hemerocallis, palavra difícil que as crianças pronunciam com a maior facilidade. Silvane, a diretora da E.M Hermann Muller me contou que alguém que cultiva as flores estava criando uma flor nova e que daria meu nome, já que adorou os poemas do livro Jardins plantados no jardim da escola. Gostaria que a Silvane me mantivesse informada, já que não imagino nada melhor no mundo do que virar flor.

Ontem vi um programa na Globonews sobre a questão da educação no Brasil. Realmente é uma tragédia, pois há uma carência total de professores de física, química e matemática no ensino médio. A saída, para mim, é tornar o salário atraente e fortalecer o ensino básico , já que uma criança que sai lendo e escrevendo mal, quando chega ao ensino médio não estará apta a aprender. Eles citaram uma cifra terrível, não sei se é verdade, a gente sempre desconfia das cifras: 74% dos alunos que saem do ensino fundamental não entendem o que estão lendo. O que será desta criança no ensino médio? No programa se dizia que não falta trabalho para profissionais especializados no Brasil, mas faltam os profissionais. Adquire muito mais valor então , uma experiência como a da escola Herman Muller, pois as crianças saem da sexta-série (a escola só vai até a sexta) lendo perfeitamente, escrevendo perfeitamente, entendendo tudo e com imensas aptidões para a vida.

domingo, 14 de novembro de 2010

SONHO

Nem nos meus mais desvairados sonhos eu poderia imaginar uma escola como a E.M.Hermann Muller, na região rural de Joinville. Lá as crianças são alfabetizadas com flores e poesia. Há no jardim um alfabeto das flores, cada flor com uma letra de a a z, amor-perfeito, begônia, etc. Aprendem matemática construindo um orquidário, conhecem as ervas medicinais, a horta abastece a cozinha, levam os livros da biblioteca para o Bosque da Leitura.
Explico: quando a diretora Silvane Aparecida da Silva assumiu a escola em 2003, a escola estava desacreditada, os alunos iam para outras escolas ou para a cidade. Então ela criou o projeto Café, Flor e Poesia , arregaçou as mangas e convidou a comunidade para participar. Jardins foram nascendo e a poesia se misturou com os jardins. Os alunos voltaram, e hoje a escola é um modelo de educação ecológica e integrada. Foi feita uma parceria com um orquidário, e as crianças cultivam orquídeas que no futuro serão devolvidas para a mata Atlântica . Cada ano o Café, Flor e Poesia aborda um tema. No ano da Arca de Noé, as crianças e a comunidade se conscientizaram de que animais estão em extinção e não podem ser caçados e levaram para a escola armadilhas e alçapões para cumprir a promessa de deixar em paz os animais em seu habitat. No ano do Passaredo soltaram os passarinhos das gaiolas e é um sem fim de ações e aprendizados. O Jardim Encantado tem um orquidário construído com material de demolição, uma mandala de flores misturadas, o alfabeto das flores e um caminho de pedra que vai desembocar numa miniatura da casa de Monet. Por todo o jardim plantaram a minha poesia, em placas de madeira antiga, os poemas do livro Jardins.
No evento Café, Flor e Poesia, as crianças estavam emocionadíssimas com a minha presença e acho que chorei um rio. Cantaram, declamaram, dançaram. O Secretário de Educação fez um discurso tão lindo, falou da criança que todos temos dentro e que em momentos como o que estávamos vivendo, as crianças trazem a nossa criança de volta. O grande projeto de educação pensado pela equipe Marcos Aurélio Fernandes e Rosânia Campos é humanizar as escolas, o seu espaço físico. Levar jardins para as escolas, criar um bosque de leitura em cada uma, criar uma educação onde a arte não se separe do cotidiano e uma educação que desafie, nestes novos tempos em que o professor não é mais aquele-que-sabe-tudo, mas aquele que vai preparar um ser humano melhor. Em todas as minhas andanças pelo Brasil ñunca vi um projeto de educação melhor. Marcos e Rosânia são uma fábrica de idéias e estimulam os professores a criar , a ousar, não impõem barreiras nem limites , pois entendem que o conteúdo é consequencia da felicidade que reina numa escola criativa. Ainda fizeram um Programa de Alimentação Inclusiva, a escola prepara comidas especiais para crianças com diabetes, alergias alimentares, etc.
Fui recebida com um carinho muito especial, meus desejos eram adivinhados e Alcione , a belíssima coordenadora de bibliotecas, com seu chale vermelho, faz o trabalho mais profissional e impecável do mundo, tornando as bibliotecas espaços vivos, verdadeiras labaredas. Alcione me levou pela mão até a Expoville, a maravilhosa exposição anual das flores, junto com sua filhinha Luiza e enchi os olhos de orquídeas.
Ainda conhecí a E.M Artur da Costa e Silva, de triste memória, (deveriam trocar o nome da escola!) na zona rural com direito a lago e patinhos. Um conto de fadas.
À tarde, na nossa mesa redonda na livraria Midas, quando Silvane contou a sua experiência na E.M.Herman Muller, a Doutora Sueli chorou e disse que já podia morrer feliz, pois estava vendo acontecer, diante dos seus olhos, a escola que sempre sonhou.

Silvane, a diretora da E.M Herman Muller virá ao nosso Clube de Leitura da Casa Amarela com sua filha Amanda. Talvez então eu consiga retribuir um pouco da gentileza e do carinho com que fui recebida em Joinville. Aliás, o hotel Tannenhof onde fiquei hospedada e que me soou como cavalos em galopada quer dizer bosque de pinheiros. Toda a minha estadia esteve embrulhada em cheiro de bosque.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

JOINVILLE II

Cheguei em Joinville e realmente a cidade é linda. Já fui visitar algumas escolas , mas agora estou exausta, já não dou nem mais um passo, preciso descansar. Vi muitos projetos maravilhosos, amanhã conto tudo (ou depois de amanhã). Recebí flores no quarto, e cartas maravilhosas das crianças da escola que vai me receber com o evento Café, Flor e Poesia. O hotel é lindo, em estilo alemão, disseram que é o mais antigo da cidade: Tannenhof. O nome tem som de cavalos em galopada.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

JOINVILLE

Arrumo a mala para Joinville. Pressinto que será uma linda viagem. Participo de uma mesa redonda onde tenho que falar por 6o minutos sobre a força da poesia. Nunca escrevo o que vou falar, mas vou arrumando tudo em minha mente como se a fala fosse um jogo. Geralmente dá certo. Acho que quando se fala lendo o texto que foi escrito, é difícil contagiar o público. Levo muitos dos meus livros, eles me darão o suporte. Sempre tento fazer alguma coisa interativa. Talvez leia um conto do meu novo livro no final, pois também tenho que falar de práticas leitoras e quero mostrar o envolvimento do leitor com o personagem.
Fui convidada, ainda informalmente, para a próxima Jornada Literária de Caxias do Sul. Fiquei radiante, pois falam maravilhas da Jornada. Enfim, de mala em mala, lá vou eu e minha mulher cigana, que adora viajar. Nós mulheres, somos muitas mulheres.
Se der, amanhã escrevo do hotel.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

MARTE

Li com espanto que os cientistas pensam mandar uma nave tripulada para Marte. Só de ida. Os homens que pousariam em Marte colonizariam o planeta vermelho preparando o terreno para as póximas naves tripuladas. Fiquei impressionadíssima pois na década de 80 li um dos livros mais preciosos da minha vida: Crônicas Marcianas de Ray Bradbury. Com infinita poesia e delicadeza o autor tece uma história feita de quase contos independentes mas que formam um desenho terrível, assustador. Homens chegam em Marte para colonizar o planeta. Ainda havia alguns marcianos. Mas não vou contar a história.

Hoje fui conversar com Ana Paula, nossa Secretária de Educação que adoro. Redesenhamos a minha participação no nosso projeto Uma Onda de leitura para o ano que vem. Trabalharei apenas com professores e diretores. Fiquei feliz, vou fazer oficinas de sensibilização para a leitura, com algumas maluquices.

Recebí meu novo livro VENTO DISTANTE ,ed. Escrita Fina. Aceitei a encomenda porque me apaixonei pelo nome da editora. São 12 contos belos e estranhos. Eles me deram muito trabalho, mas agora, com o livro pronto, vejo que valeu a pena.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

JANELINHA

Conhecí Gisele no ano 2.000. Chovia muito e ligamos para uma central de táxi, pois íamos almoçar na casa de uns amigos. Eu morava no Rio Comprido. veio Gisele dirigindo. Ela era tão vibrante, risonha, interessante, que ficamos com seu telefone e a chamamos para nos buscar. Juan, meu marido, jornalista que é, fez muitas perguntas sobre como era uma mulher dirigir no Rio de janeiro. Ela disse que a única coisa desagradável era ter que ir ao banheiro. Quando chegamos em casa eu perguntei se então ela queria ir ao banheiro. Ela me disse que sim. Subimos ao apartamento e perguntei se tinha filhos. Dois, ela me disse. Mandei alguns livros para eles. Ficamos desde então muito amigas. Ela é minha fiel escudeira. Por nossa influência ela se mudou para Inoã, terceiro distrito de Maricá. Doei alguns livros para seu caçula Daniel(que eu vi nascer) levar para a sua escola. Outro dia Gisele me pediu que fosse conversar com as crianças. Hoje fui. Ela abriu mão de um dia do seu trabalho para me levar. A escola se chama Vereador Anaceto Elias, mas é conhecida como Escola Janelinha e só vai até o primeiro ano. Fiz um sorteio de livros no final, depois de conversarmos, lermos poemas, etc. As crianças ficaram felizes. Mas quando perguntei para a diretora se as crianças saíam todas alfabetizadas da escola, ela me disse, oitenta por cento. O que acontecerá com os alunos que ficaram dentro dos 20 por cento?

domingo, 7 de novembro de 2010

CLUBE DE LEITURA DA CASA AMARELA

Ontem éramos 14 pessoas . Nos apertamos em volta da mesa da varanda e coubemos todos. Quando criei o Clube pensei nos professores de Saquarema, mas ontem eram minoria. Vieram de Duque de Caxias, Teresópolis, Rio. Discutimos o livro a Distância entre Nós de Thrity Umrigar: toda a tristeza, o sofrimento e a beleza da trama. A grandeza, a força de Bhima, que conduz a história. Muitos acharam o livro pesado demais, desesperado demais. Outros se identificaram com algumas situações, alguns personagens. Uns sentiram ternura, outros, raiva, até ódio. Felipe, Secretário de Leitura de Duque de Caxias disse que nunca mais queria ler um livro indiano na sua vida. Que nunca havia lido um livro tão pesado. Evelyn , minha irmã, falou de nossa babá Eunice, que entregou o próprio filho para outra pessoa criar para nos criar. Assim como Bhima entregou a sua vida a uma família estranha. Discutimos preconceitos, comparamos India e Brasil, acho que foi muito positivo.
Ganhei muitos presentes: Andréia trouxe uma compota de pera, tão linda que dá pena comer. O vidro foi decorado pelo grupo e veio numa linda sacola de pano. Angela, leitora do blog, fez um livro artesanal desenhado por ela, com toda a minha viagem pela Espanha, que ela retirou daqui do blog. Emocionante.
Os depoimentos eram belos: Higor nos contou a sua ternura por Bhima, a personagem do livro que era empregada doméstica, pois sua mãe também era empregada doméstica. Thais nos contou que sua mãe havia falecido uma semana atrás e que durante a doença da mãe o livro a ajudou muito.
Delma fazia anos e fiz um bolo-surpresa para ela, mas a minha surpresa é que ela trouxe um bolo! todo azul, feito pelo namorado. Tivemos dois bolos e ela teve que apagar muitas velas.
Agradeço a todos a presença. Nosso próximo livro : As Travessuras da menina Má, Vargas LLosa e nosso encontro será no dia 5 de fevereiro.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

EDUCAÇÃO

Felizmente a Academia Brasileira de Letras, além do Ministro da Educação, também se posicionou contra a censura ao livro Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato. Parece que há uma (quase)unanimidade em torno da idéia de que não se pode mutilar uma obra de arte em nome do que é politicamente correto. Com algumas vozes dissonantes.
Assistimos todos com surpresa a afirmação da Presidente eleita Dilma Roussef de que a educação no Brasil está muito bem encaminhada, em sua primeira entrevista coletiva. Mas hoje o Brasil está junto com o Zimbáue em número de anos de estudo. Não é uma boa companhia e claro, o governo contesta a avaliação da ONU. Não contestaria se os números fossem favoráveis ao Brasil. Ao invés de contestar deveria se preocupar.Acho que a situação é alarmante. Quantos talentos se perdem no Brasil? Milhões? A maior riqueza de um país são suas mentes e gostaríamos que chegasse o dia em que a educação ocupasse um lugar privilegiado na agenda dos governantes. O governo deveria investir muito na formação dos professores, pois a base é o ensino fundamental. Tornar o ensino médio obrigatório com uma agenda interessante para que o jovem não fuja da escola. A criança já deveria sair do ensino fundamental falando uma lingua estrangeira, pois é quando criança que se aprende linguas com facilidade. O ensino do espanhol jé é obrigatório mas eu não vejo isso nas escolas. E a LEITURA deveria ocupar um lugar de absoluto destaque, pois quem não sabe ler não pode escolher. Há que saber ler o que está no texto e o que não está no texto, as entrelinhas. Educação é saúde, pois a ignorância literalmente mata.

Amanhã é o almoço do nosso Clube de Leitura da Casa Amarela. Hoje chega minha irmã Evelyn Kligerman , que faz parte do Clube. O pessoal de Duque de Caxias já confirmou a presença. Teremos alguns convidados: uma leitora do blog, Angela, e sua amiga, minha tia Alice, de 82 anos, também virá de Teresópolis, também quer entrar para o Clube. Já começo os preparativos.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O SÍTIO CONTINUARÁ ABERTO

Parece que o Sítio do Pica Pau Amarelo continuará aberto para as crianças do século XXI. O Ministro da Educação pedirá ao CNE que reexamine parecer contrario à distribuição do livro para escolas públicas.
Diz o Ministro : "É incomum a quantidade de manifestações que recebemos de pessoas que são especialistas na área e que não veem nenhum prejuízo em que essa obra de Monteiro Lobato continue sendo adotada nas escolas."
Há a sugestão de uma nota explicativa. Que ponham as notas explicativas mas que a porteira do Sítio continue aberta, rangendo em dias de sol, para receber a criançada.

POESIA

Hoje o dia está perfeito. Azul. O ar perfumado. A poesia ocupa todos os espaços.

POESIA

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Carlos Drummond de Andrade, in Alguma Poesia


Impressionante o discurso do Presidente Obama. Assume toda a responsabilidade sobre o fracasso nas votações. Impressionante a sua tristeza. Nunca se viu nada igual no Brasil, onde ninguém sabe nada, ninguém viu nada e a culpa é sempre dos outros. Tenho muita pena do Presidente Obama. Sai destroçado, mas quem sabe se recupera. Vamos torcer para que não venha algo ainda pior do que o Bush nas próximas eleições. O mundo não merece.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

GRAJAÚ

Nasci no Grajaú, bairro da zona norte do Rio. Na Av.Engenheiro Richard bem pertinho da Praça Edmundo Rego. Tenho alguns flashes desta época tão distante. Na frente do prédio havia flores azuis e as escadas eram meu reino, pois morávamos no terceiro andar. Brincava horas nas escadas, sozinha, com minhas bonecas. Depois fiz amigas, duas: Eliane e Liliane. Adorava a casa delas. O pai era oficial da Marinha e eu o achava lindo com seu uniforme. Ele ficava muito tempo fora e quando voltava era uma festa. Eu o achava misterioso: um homem que vinha do mar. Com uns 5 anos nos mudamos para a R.Barão do Bom Retiro, ao lado da loja do meu pai, uma casa tão pequena que meu irmão dormia na sala. Eu estudava na Escola Cruzeiro do Sul, aí aprendi a ler, no pré-primário.Depois fui para a E.M.Francisco Manoel A primeira palavra que li foi cidade.Finalmente nos mudamos para a R.Caruarú 40 quando eu tinha 9 anos. A casa era linda, toda amarela e posso tocá-la, intacta na minha memória. A casa não existe mais.
O Grajaú da minha infância era um bairro belíssimo, muito parecido com a Urca. Lembro das casas, das árvores, das praças. Tamarindos enchem a minha memória de verde. Minha mãe adorava caminhar e nos levava com ela. Percorri aquelas ruas milhares de vezes. Toda a família morava perto e eu ia sozinha para a casa das tias, para a casa da avó. Lembro que andava para lá e para cá, ia visitar minhas amigas, não havia perigo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

MULHERES

Uma mulher foi eleita para Presidente do Brasil. Não me emociono tanto porque ela se elegeu não por suas idéias , carisma ou por sua vida, mas pelo desejo do Presidente Lula do alto de sua popularidade. Ela foi imposta. Agora espero que ela não governe na sombra, tutelada, pois estaria perpetuando a idéia de que uma mulher não pode decidir sozinha, precisa de um homem . Espero que mostre independência e que seu governo não seja apenas um intervalo, que ela não esteja apenas guardando o lugar para seu Mestre. Desejo que seu governo seja seu e que abra portas para que as mulheres se afirmem, independentes. Que Dilma enfim seja Dilma, que possamos conhecer a mulher verdadeira e não a que foi criada pelos marqueteiros. Então , nós mulheres, poderemos nos orgulhar.
Enquanto isso no Irã, Sakineh pode ser executada a qualquer momento. Seu filho continua preso. A voz do mundo, todo o clamor não foi ouvido e as autoridades já arrumam a forca. Se a iraniana for executada cada mulher morre um pouco junto com ela.
A ABL fará uma reunião na quinta-feira próxima para discutir a questão levantada pelo MEC sobre o livro Caçadas de Pedrinho do Monteiro Lobato, se Tia Nastácia sofre discriminação ou racismo. Acompanhem.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

NEBLINA

Cai uma chuva fina. Saquarema parece algum remoto lugar cinzento. Parece uma ilha perdida. Mas hoje de manhã, quando fui ao mercado, havia no mar tantos tons de azul que a palavra azul é pequena para conter todas as variações. Do azul esverdeado ao azul-cinza -prata . Este tempo pede um enrodilhar-se, a casa dá uma sensação de ninho. A casa, como que envolta em neblina, parece que deixa os sons abafados e traz um desejo de relógios antigos. Recebo pelo correio a nova edição do meu livro Poesia Essencial, da ed. Manati. A capa mudou. Agora é azul.

domingo, 31 de outubro de 2010

GAIOLA

Troco um passarinho na gaiola
por um gavião em pleno ar.
Troco um passarinho na gaiola
por uma gaivota sobre o mar.
troco um passarinho na gaiola
por uma andorinha em pleno voo.
Troco um passarinho na gaiola
por uma gaiola aberta, vazia...
in Classificados Poéticos, ed. Moderna

Una jaula fue en busca de un pájaro.
Franz Kafka, in Cuadernos en Octavo, Biblioteca Kafka, Alianza Editorial.

Recebo em casa um exemplar do meu livro Classificados Poéticos em sua reedição pela editora Moderna, com belíssimas ilustrações de Mari Ines Piekas.
Estava relendo o livro Cuadernos en Octavo do Kafka, que é uma espécie de caderno de anotações, aforismos, contos mínimos, quando me deparei com a anotação acima e achei muito intrigante. Ela se entrelaça com o meu poema.
Quem seriam os pássaros ? Seriam os pensadores, poetas, filósofos, os que contrariam o poder, pois os pensamentos possuem asas? E a gaiola que vai atrás de um pássaro?

sábado, 30 de outubro de 2010

NO SÍTIO DO PICA PAU AMARELO

Nasci em 1950 numa casa triste. Meus pais eram judeus imigrantes e emboram tenham chegado ao Brasil bem antes da Segunda Guerra, era tudo muito recente e na minha casa se respirava um ar rarefeito. Fui uma criança solitária. Mas havia um lugar mágico onde eu respirava e era feliz: o Sítio do Pica Pau Amarelo. Na verdade era no sítio que eu morava. Eu não tinha os livros, mas todos os dias ia até a casa da minha amiga Sheila para ler. Lia todos e recomeçava. Claro, tinha meus preferidos: Narizinho e Viagem ao Céu. Também era apaixonada pelos Doze Trabalhos de Hércules.
Agora o Conselho do MEC quer proibir que as escolas recebam o livro Caçadas de Pedrinho, por conter expressões racistas contra Tia Nastácia. Ao invés de privar as crianças de uma obra-prima, não seria melhor explicar que eram os ares da época? Sou contra a censura e o patrulhamento ideológico. Sou a favor da liberdade, das discussões, do pensamento. Sou judia e sei o que é preconceito. Mas não sou a favor de que se proíba nenhuma obra por anti-semita. Que tal aproveitar a ocasião para se discutir a situação do negro na época em que o livro foi escrito? Tenho pavor dos censores.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

FINAL FELIZ

Quem não gosta de um final feliz? Acho que até o mais empedernido pessimista.
A história verdadeira das irmãs russas, Vlada e Senia , adotadas por nossos sobrinhos Guillermo e Enka, depois de três anos de tortura teve um final muito feliz, com um restinho de crueldade nos últimos dias, claro. Guillermo e Enka chegaram na cidadezinha no meio do nada com vinte graus abaixo de zero para buscar as meninas no orfanato numa quinta-feira. Elas são entregues sem nenhuma roupa, nem calcinha. Já estava tudo combinado, elas seriam entregues junto com os passaportes e eles embarcariam para Moscou na sexta-feira e para a Espanha no sábado. Mas os funcionários não resistiram e entregaram as meninas sem passaporte. Acontece que eles levaram roupas para dois dias e tiveram que ficar num hotel quatro dias, dentro de um quarto, sem poder sair, por causa do frio. Retiraram a intérprete. As irmãs, que estavam em orfanatos separados , uma com cinco anos e a outra com três, nunca conviveram e estavam enlouquecidas de ciúmes uma da outra. Não podiam comprar roupas para elas, pois no vilarejo não há lojas! Mas, felizmente entregaram os passaportes na segunda-feira, puderam ir para Moscou e na terça para a Espanha.
Ontem telefonamos e a alegria deles era do tamanho do mundo. As meninas estão radiantes com tudo, já brincavam com os primos, cada um falando a sua lingua. As duas já se entendem sem nenhum problema, a maior já protege e cuida da menor.

Maria Neuza, minha leitora , criou um blog maravilhoso, não deixem de visitar, o link está aqui mesmo, mulher de asas.

Ontem vi um documentário fantástico na TV5 sobre os casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes. O choque cultural, a adaptação e às vezes até a ruptura embora o casal se ame. Todos foram unânimes: para que o casamento funcione cada um tem que mergulhar na cultura do outro. Quando eu e Juan começamos a namorar entrei num curso de espanhol e li Don Quijote no original. Hoje sou apaixonada pela Espanha, e Juan é quase mais brasileiro que espanhol. Eu adoro comida espanhola e ele adora feijão com arroz. A comida é um fator importantíssimo, pois comida é raíz, é casa de mãe, é infância.

Quem quiser visitar a escola para onde vou em Joinville é fácil: http://escolahermanmuller.blogspot.com/ O trabalho deles com hortas e jardins é maravilhoso.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

BALEIA

A baleia encalhada em Búzios morreu e é tão triste a morte de uma baleia.

o que pode ser mais triste -
um tigre de circo, alguém
perdido?
uma promessa quebrada
como um brinquedo, um segredo
contado, terremoto, lar
desfeito, desejo (medo)
desperdiçado?
defeito, braço direito
amputado, fósforo
molhado?
O que pode ser mais triste?
vaca, chuva, trapo?
criança calada, escravo?
poça, lago, vidro (amor
não correspondido)
embaçado?
palavra errada, guerra, marte?
pêndulo? empate?
feiúra, cegueira,
fim de festa, falta
de vontade?
(uma coisa triste de)
verdade?

Arnaldo Antunes

(Como É Que Chama O Nome Disso- Antologia- Publifolha)

Faltou dizer baleia encalhada.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

JARDINS NA FRANÇA

Acabo de saber que meu livro Jardins, ed. Manati, será publicado na França. É uma grande felicidade.

Acabo de saber que a publicação ainda não é uma realidade, hélas! como dizem os franceses. O livro está entrando num catálogo e poderá ser publicado. Eu havia entendido mal.

Ontem fui visitada por um grupo de estudantes da Universidade Veiga de Almeida, Faculdade de Pedagogia, Campus Cabo Frio. Carol, Vanda, Rosana, Severino, Geane e Vanesa fizeram toda a viagem só para me entrevistar para um trabalho. Merecem nota 1000. Eram super simpáticos, as perguntas muito interessantes e ainda por cima me trouxeram uma linda orquídea.

Entre no jardim secreto,
é lá que vive o eterno luar,
as assombradas caravelas,
as flores imperfeitas do amor.

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Flores passeiam
no azul do dia,
fabricam coloridos
silêncios,
como se fossem lenços
de seda e ar

in Jardins, ed. Manati

O livro Jardins ficou por alguns anos na gaveta , até que numa viagem com o Roger Mello para Cataguases, falando sobre flores eu comentei sobre os poemas. O Roger se interessou e apresentou o texto para a Bia Hetzel. A Bia se apaixonou e o Roger Mello fez as flores mais lindas que já vi . O livro ganhou o Prêmio da Academia Brasileira de Letras e me trouxe tanta felicidade que não caberia numa lista interminável. O livro me deu a Bia! e eu amo a Bia. O livro me deu a Silvia! e eu amo a Silvia, minhas editoras da Manati. Mas quando nos encontramos falamos mais de gatos do que de livros. Ano passado estivemos juntas em Parati e ter as duas ao meu lado foi melhor do que tudo. Durante a minha radioterapia almoçamos juntas algumas vezes e estar ao lado delas é um privilégio. Agora vou para Joinville com o livro Jardins como tema da viagem.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

ARANHAS ANTIGAS

Leio o livro A Mente na Caverna de David Lewis William sobre a arte no Paleolítico Superior e hoje, no café da manhã aranhas de 50 milhões de anos, totalmente preservadas em âmbar, pousam na minha mesa. A matéria está no jornal O Globo.Vários insetos além de aranhas foram encontrados na Índia e podem ser vistos em todos os detalhes. Estou literalmente na pré-história e no começo do mundo.

Leio Borges:

Mirar el rio hecho de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostros pasan como el água.
......................................................................
Jorge Luis Borges in Arte Poética
(Antología Poética; Alianza editorial)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

PORTA A PORTA

Em 1997 publiquei com Suzana Vargas um livro de correspondências, idéia da Suzana. Ela inventou sua personagem, Bárbara, eu inventei a minha: Clara. Bárbara morava na cidade e Clara na montanha. O livro é super interessante e fez o maior sucesso entre os adolescentes. Sempre nos pediram para continuar, mas sei lá, nunca me deu vontade. Até ontem. Recebi um telefonema de Amélia Lacombe pedindo autorização para usar uma das cartas num programa na TV Escola. Então fiquei com vontade de retomar o livro em forma de e-mails. A Clara , minha personagem viveria fora do Brasil, a história se passaria alguns anos depois, ela já estaria na Universidade. A Suzana Vargas, com a sua Bárbara, topou.
Vou falar com a editora. Torçam por mim!

Falando em Universidade , vocês leram que o Irã vai retirar vários cursos das Universidades? São incompatíveis com o islamismo. E o Brasil tenta misturar política e religião. É assustador.

Vi um programa na TV alemã sobre um intercâmbio de cartunistas de Berlim e Tel Aviv. É maravilhoso ver a nova geração alemã discutindo o Holocausto sem preconceito nem medo e os israelenses também, muitos oriundos de famílias expulsas da Alemanha. Agora falta encontrar uma saída para o povo palestino. Uma pátria palestina que possa conviver lado a lado com Israel. Os artistas e as mães dos dois lados deveriam negociar a paz. Os políticos fracassaram.

domingo, 24 de outubro de 2010

INUTENSÍLIO

Lá em Curitiba, num bate-papo com Marina Colasanti e Gloria Kirinus, citei Manoel de Barros: O poema é antes de tudo um inutensílio. Marina discordou e disse que a poesia sempre tem uma função. Eu acho que a poesia vem primeiro e a função, se houver, vem depois. Como se você encontrasse uma pedra negra e bela, rara, e a usasse como ferramenta. Ela não tinha a função-ferramenta. Ela era apenas uma pedra. Mas deixo a discussão com vocês. Não mudei a minha opinião, para mim o poema continua sendo um inutensílio:

IX

O poema é antes de tudo um inutensílio.

Hora de iniciar algum
convém se vestir roupa de trapo.

Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.

Faz bem uma janela aberta
Uma veia aberta.

Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema
Enquanto vida houver

Ninguém é pai de um poema sem morrer.

MANOEL DE BARROS
in Arranjos para Assobio, ed. Civilização Brasileira

sábado, 23 de outubro de 2010

CAVALOS

Recebo no meu correio pessoal uma mensagem estranha vinda diretamente do meu site: propaganda de comida para cavalos. Será que o autor ou autora da mensagem achou que eu crio cavalos? Ou leu algumas obras de minha autoria onde aparecem cavalos? Amo os cavalos por sua beleza. Cavalos me emocionam. Mas nunca consegui montar. Tenho medo da altura, meu coração quase explode. Tentei no final dos anos 80 aprender e o desastre foi completo. Logo no começo da minha "aprendizagem", me levaram para fazer uma trilha na montanha e tinhamos que atravessar um rio pedregoso. Meu cavalo sabia que levava uma pessoa frágil e aterrorizada e simplesmente se deitou de lado comigo em cima. Tive a sorte de me jogar para longe dele. Fiquei um pouco machucada mas teria sido muito pior o seu peso por cima de mim. Voltei caminhando, molhada, humilhada. Desde então namoro os cavalos de longe e volta e meia eles entram galopando nos meus poemas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PRATA NA LUA

Hoje leio que descobriram prata na lua. Mas para mim a lua sempre foi de prata!!! Basta ver o rastro de prata que sua luz deixa no mar. As moedas de prata que sua luz derrama nas estradinhas que serpenteiam montanha acima e como transforma em prata as pedras dos rios.

SINOS DE PRATA
A lua que entra pela janela
não me desvenda os mistérios
do amor.

A lua que entra pela janela
insinua segredos e sussurros
e derrama sinos de prata
em minhas noturnas estradas.

in Poemas de Céu, ed. Paulinas

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

DEMOCRACIA

A democracia é um regime imperfeito, mas é o único que conhecemos onde homens e idéias podem trafegar com relativa liberdade. O que se viu ontem, um candidato sendo agredido pelos opositores como se a eleição fosse um partido de futebol, é revoltante. Democracia é livre expressão e também alternância de poder. Ninguém pode impedir que o adversário se manifeste ou não estaremos vivendo num regime democrático. Um perde e outro ganha. A Venezuela não é espelho. Há uma onda de populismo barato varrendo a América Latina e quando palavras são substituídas por atos de agressão física é hora de ficarmos preocupados.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ESPERANDO CONDUÇÃO

O transporte público em Saquarema é uma vergonha. Você pode esperar até quarenta minutos o seu ônibus chegar. O jeito é : 1- levar um livro na bolsa; 2- olhar a vista; 3 -escutar as conversas; 4- fazer meditação zen.
Hoje eu estava na frente da lagoa , então coloquei toda a atenção na água e nos pequenos barcos. O movimento dos barcos é uma dança e acalma. Mas também ouvia as conversas e os suspiros pela condução que não chegava. Uma mulher disse para a outra: - Na outra encarnação quero nascer galo. Não explicou o motivo, mas é fácil de deduzir. Os galos cantam, passeiam e ganham comida de graça. Não vão para a panela, pois sua carne é dura. São lindos e mandam no galinheiro.
Se não fosse gente o que você gostaria de ser?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O TEMPO

Hoje sopra um sudoeste terrível. O mar está escuro, pesado. Adoro este tempo que faz com que eu, gaivota, mergulhe em minhas profundezas abissais.
O tempo para mim é feito de uma matéria estranha, turva, e não consigo medi-lo pelos relógios. Quanto tempo se passou desde que eu estava dentro da caverna de Altamira, na Espanha e vi as mãos impressas na parede , mãos de 10.000 anos? Já não sei mais. Foi ontem? Foi este ano? Quando foi, embora eu tenha o registro da data exata? Não sei. E aquelas mãos que um dia estiveram vivas? Estão vivas? Um dia, com uma pequena maleta, me mudei para a Espanha, para viver com o homem que eu amava. Foi ontem? Parece ontem e ao mesmo tempo acho que nascemos juntos, que existimos juntos desde sempre. O tempo é imóvel, nós o divimos, fracionamos porque não conseguimos lidar com sua imobilidade. Nós é que passamos como sombras.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

EMOÇÃO

Ontem foi um dia de vastas emoções. O café da manhã que preparamos (Evelyn , eu e Vanda preparamos , como se diz em Minas, as "quitandas") para reunir os amigos do nosso amado Latuf foi mágico. Não choveu. Latuf soprou as nuvens e pudemos fazer o encontro na varanda. Seus amigos mais queridos estavam presentes. Rafael leu um ensaio lindíssimo sobre sua poesia. Dulce leu um texto inédito de 2008. Telma preparou uma bandeira com sua frase-despedida que se encontra no vídeo que os alunos filmaram. Nelsinho , super tímido, falou. Maria Clara cantou. Camilo e Pepito leram belos poemas. Cláudia, sua mais-do-que-amiga-irmã contou o sonho que teve na véspera com ele. Juan leu em espanhol a Carta aos Coríntios de São Paulo, que o Latuf amava e falou das coincidências que os uniam. Hélio contou que foi Latuf quem batizou a sua maravilhosa propriedade aqui em Saquarema. Francisco falou dos irmãos que a gente escolhe e de como Latuf era seu irmão. Eu li uma carta maravilhosa que me enviou Joel que mora em Belém. Todos receberam uma taça, entregue por Manuela e no final erguemos as taças cheias de pro-seco (que ele amava) e gritamos seu nome para que seu nome inundasse o universo.

sábado, 16 de outubro de 2010

USINA NUCLEAR E FÉRIAS EM PAQUETÁ

Leio, vejo na televisão, na internet, que Venezuela e Rússia assinam um acordo para a construção de uma usina nuclear na Venezuela. Chernobyl não é um bom ítem no currículo da Rússia. Venezuela e Irã são cúmplices. Parece que uma usina nuclear comandada por Hugo Chávez não torna o nosso planeta mais seguro.

Tenho medo dos que exibem a sua fé como carteirinha de clube. A fé é algo íntimo, muito particular e fico constrangida quando é apregoada como verdura na feira. Há um grande retrocesso no país quando um falso debate religioso toma conta da agenda dos candidatos. Sinceramente, há um limite para tudo. Há que discutir liberdade, democracia, austeridade quanto ao dinheiro público, segurança, etc. Público não é privado. E Deus não é uma questão pública. Nos países onde política e religião se misturam, mulheres são apedrejadas, homossexuais são assassinados.

Hoje chega Evelyn, minha irmã. Seu Mural Coletivo (um mural de cerâmica fabricado pelos participantes) começa a caminhar. Fará um mural com os alunos da Escola Parque e também para uma escola em Paquetá. Na minha infância a Ilha de Paquetá era o paraíso perdido. Bem pequena, durante dois verões, meus pais alugaram uma casa para as férias. E então eu descobri que a felicidade pode ser tão grande que precisaríamos de um outro sentido para abarcá-la.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

DIA DO PROFESSOR E DIA SEGUINTE



Hoje é Dia do Professor. Alguns professores inesquecíveis:

Uma professora de hebraico cujo nome não lembro. Eu tinha 10 anos e depois de estudar os 3 primeiros anos na Escola Municipal Francisco Manuel, no Grajaú, R.J, meus pais me colocaram numa escola judaica. Ela fez com que eu recuperasse os anos perdidos e alcançasse a turma. Seu carinho por mim era inesgotável. Era gordinha e tinha cheiro de biscoito doce.
A professora Rosa Herman que me acompanhou em todo o "ginasial" e me apresentou ao poeta Vinicius de Morais .Ela me incentivava a escrever. Eu a amava. As duas já partiram. Mas vivem em algum lugar dentro de mim.
Um professor de história no Instituto Lafayette que me levou até os poetas gregos e fez com que eu descobrisse Safo. Lembro de cada gesto seu, mas não lembro do seu nome. Era professor de História Antiga.
Mitzi, professora de francês, também do Lafayette, quando eu fazia o "Clássico" , que ao entrar na sala no primeiro dia de aula sem falar uma palavra de português, fez com que eu me matriculasse na Aliança Francesa no dia seguinte! Mitzi era engraçada, espontânea e em todas as aulas nos fazia sonhar com Paris. Para cada um tinha uma palavra mágica. Ela me marcou muito.
Revejo estes professores como se estivessem na minha frente, com seus gestos e trejeitos. E mais de 45 anos já se passaram!

A PROFESSORA
Com sua lanterna de abrir o céu,
de iluminar as profundezas do mar,
a professora soletra nosso pequeno
coração.

E todos os dias,
diante de nossos olhos
assombrados,
ela costura o passado e o futuro,
desembrulha
os segredos do universo.

in Artes e Ofícios, ed. FTD


Imaginar o dia seguinte dos mineiros chilenos é um exercício complicado: voltar para a família depois de ter sido enterrado vivo , como será? Como será administrar os sentimentos? E administrar a fama, as ofertas milionárias? Nós humanos somos animais curiosos e gostaríamos de saber tudo com todos os detalhes. Gostamos de olhar pela janela a casa dos outros e gostamos de saber da vida dos outros. Nos envolvemos. A nossa vida é também o que acontece com os outros. Não é por acaso que os reality shows fazem tanto sucesso, as novelas, os romances...

O Presidente do Irã, Ahmadinejad, bota lenha na fogueira. No Líbano, pertinho de Israel, prega a guerra e o ódio. Destrói a história negando o holocausto. A paz entre israelenses e palestinos fica vez mais distante.