sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ÚLTIMO GRÃO DE AREIA

Hoje cai o último grão de areia da ampulheta do tempo e amanhã já será janeiro com a ampulheta cheia outra vez.Que todos os grãos sejam dourados. Agradeço aos meus leitores , visíveis e invisíveis, a maravilhosa companhia neste ano de 2010. Que continuem comigo, no meu cotidiano, nas minhas andanças, dentro dos meus sonhos. Obrigada.

Roseana

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

AINDA DÀ TEMPO

Ainda dá tempo de fazer uma lista com o que queremos e não queremos para 2011. Aindá dá tempo de fechar 2010 dizendo para quem amamos tudo o que não havíamos dito. Ainda dá tempo de arrumar as gavetas e jogar fora o que não serve mais. Ainda dá tempo de limpar o porão e acalmar as sombras. Talvez o novo século comece verdadeiramente em 2011 com todas as incríveis descobertas que a ciência faz a cada dia. Talvez no futuro a paz seja a verdadeira moeda de troca.

SONHO

Um dia os homens acordaram
e estava tudo diferente:
das armas atômicas nem sinal havia
e todos falavam a mesma lingua,
falavam poesia.
Quem visse a Terra do alto
nem reconheceria:
eram campos e campos de trigo
e corações de puro mel.
E foi uma felicidade tamanha,
nos jornais nem um só crime,
que contando ninguém acreditaria.

in Poemas de Céu, ed. Paulinas.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

ARCO-ÍRIS

Nunca sabemos o que o dia nos trará, o que deixará em nossas mãos, em nossa porta. Hoje bem cedo vimos um arco-íris belíssimo, duplo, que nascia na montanha. Era ali a sua raíz de luz, dali se lançava ao mar. Era tanta beleza que pensamos num presságio bom, como se a água e o céu nos dissessem que sim, que a vida é uma bênção e que nascemos para amar.

ARCO-ÍRIS

O amor pode ser lilás,
suave e calma fragrância;

o amor pode ser azul,
encharcado de noite e mar;

pode ser vermelho,
fruta madura explodindo
em incêndio:

verde-pássaro
abrindo a gaiola
e tingindo o mundo,

branco-espuma
tecendo renda,

amarelo
derramando ouro,

cor de laranja lavando
os sonhos com fogo.

in Todas as Cores dentro do Branco, ed. Nova Fronteira.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

PRESENTES

No meu aniversário ganhei muitos presentes, muitos chegaram pelo correio. Angela, leitora do blog, me enviou o filme O Som do Coração, filme belíssimo sobre um menino músico que busca seus pais. Recebí a obra completa do Pablo Neruda da Fundação Santillana. Minha irmã Evelyn me mandou duas sandálias, Minha fisioterapeuta Leila me trouxe de bicicleta uma canga e uma blusa branca e Telma, também leitora do blog, me deu uma vela vermelha, adoro velas. Recebí um cartão da Prefeitura de Joinville onde o Prefeito Carlito Merss agradece a minha presença em Joinville e me dá parabéns pelos belos livros. Falando em Joinville, dia 14 chega Silvane, a Diretora da E.M Hermann Muller, para passar um final de semana aqui em casa. Estou radiante.

Este dezembro está muito ameno. Tomara que o verão inteiro continue assim, com temperaturas suportáveis. Saquarema é bela no verão, com suas casas abertas e todo o movimento. Parece outra cidade. Durante o ano a sensação é de que vivemos numa ilha deserta, mas verdade seja dita, eu adoro. Vivemos numa casa barco. Neste momento, na linha do horizonte, flutua um pequeno barco. Sua vela é vermelha.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ANIVERSÁRIO

Hoje é meu aniversário. Faço 60 anos e me dei de presente um dia maravilhoso. Afinei o olhar e o olfato. Fiquei uma hora olhando o mar, que estava cinza, carregado, como eu gosto. Muitas gaivotas. No caminho para o mar as flores selvagens exalam um cheiro maravilhoso que à medida que nos aproximamos da orla desaparece . O cheiro do mar me envolve e o silêncio intermitente das ondas. O dia está nublado, como eu gosto. Há um presságio de chuva, sinto o cheiro da chuva em gestação. Meus amigos me telefonam, meus filhos, minha irmã. Amigos e família são nossas âncoras. Escuto a voz do Latuf, meu grande amigo que se mudou para as estrelas: _ Estou aqui, meu bem. Penso: minha mãe tinha 30 anos quando eu nasci sob o signo de capricórnio e um carregamento de sonhos. Suas últimas palavras para mim foram: _ Você está tão bonita , minha filha. Também escuto sua voz hoje.
Meus sonhos são simples: a felicidade de todos os que amo, paz, justiça. E que a poesia não me abandone.

domingo, 26 de dezembro de 2010

DIA AZUL NO JARDIM

Hoje é um dia completamente azul. Colocamos pedaços de mamão nas goiabeiras para ver os sanhaços comendo. Não sei como descobrem, mas não demora nem 3 minutos e eles chegam para comer. Azuis como o dia. Borboletas brancas se casam, os jabutis passeiam pelo jardim. Nosso flamboiã é uma explosão vermelha e a grama fica toda salpicada. Um pé de tomate nasceu sozinho aos pés do flamboiã e já comemos os tomatinhos, minúsculos e saborosos. Temos quase um bosque atrás da casa e é um bosque corajoso, pois precisa lutar contra o sudoeste, a areia, o sal.O bosque desafia o mar. O cravo e a canela já são duas árvores grandes e posso jurar que elas conversam. O mulungú já deve estar tramando as suas flores e qualquer dia nos faz uma surpresa. Há todo um mundo, visível e invisível no nosso jardim.

sábado, 25 de dezembro de 2010

PAZ

Na ponta dos pés
como bailarina pisando
em folhas e assombros,
costurar os dois lados da lua,
a Terra no céu,
e no céu e na Terra
desenhar com o corpo inteiro
a palavra paz.

Roseana Murray, in Todas as Cores dentro do Branco, ed. Nova Fronteira

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

DEUS É TEMPO

Ontem li um pequeno livro maravilhoso sobre Veneza: MARCA-D' ÁGUA do poeta russo Joseph Brodsky, Prêmio Nobel de Literatura de 1987. Não é um guia de viagem, não enumera museus, igrejas ou monumentos. É um guia de sensações, um convite para irmos junto , para nos esgueirarmos rente aos muros, para nos perdermos no meio da água e da névoa. Em seu texto tudo é instável, tudo é poesia:

"Sempre concordei com a idéia de que Deus é tempo, ou que pelo menos seu Espírito é. Talvez essa idéia seja até mesmo da minha própria lavra, mas agora não me lembro. De qualquer modo, sempre pensei que se o Espírito de Deus se movia sobre a face da água, a água tinha de refleti-lo. Daí meu sentimento pela água, por suas dobras, rugas, ondulações, e - como sou um homem do norte - por seu cinza. Simplesmente penso que a água é a imagem do tempo, e a cada véspera de Ano Novo, de modo um tanto pagão, tento ficar perto da água, preferivelmente , à beira de um mar ou de um oceano, para olhar o surgimento, a partir dela, de uma nova ajuda, um novo punhado de tempo."

Marca-D'água, Joseph brodsky, ed. Cosacnaify

Vamos colher com as mãos, com todo o cuidado, cada dia, um novo punhado de tempo que nos é oferecido.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

PARA O NATAL

Para meus amigos e meus leitores fiz um poema de Natal;

PARA O NATAL

Para o Natal reserve os mais belos
gestos,
a dança mais cristalina,
escolha uma estrela longínqua,
que ainda não tenha sido descoberta,
para enfeitar a festa.

Embrulhe palavras com luz
e oferte a quem ama:
não há presente mais certo.

E que caibam na mesa
os que já se foram,
os que ainda não chegaram
e os que enchem a casa de sol.

Para o Natal pinte as mãos
com sua cor preferida
e distribua beijos
como vagalumes
para lembrar o homem
que nesta hora, em algum lugar
distante no tempo,
transformava água em vinho
e multuplicava os peixes.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

PALAVRAS SÃO PÁSSAROS

Recebo um livro lindo de Angela Leite de Souza, poeta mineiríssima que já ganhou com sua poesia o Prêmio Casa de las Americas. Começando pelo título que é um achado, Palavras são Pássaros, haicais e origamis se combinam, se desdobram, falam de artistas e suas obras, cada poema uma pequena jóia:

Bem lá na beirinha
do vento é que se inventam
todas as canções.


Aquele sabiá
pousado lá no varal:
nota musical.

Linha do horizonte
presa na agulha do sonho
borda poesia.

in Palavras são Pássaros. Angela Leite de Souza, origamis de Pipida, ed.Salesiana

Mais um artista é preso no Irã, o cineasta Jafar Panahi ficará preso por 6 anos e não poderá escrever roteiros e sair do país por 20 anos. A arte, para regimes autoritários é perigosa, pois arte é liberdade, rompe fronteiras, faz pensar. A arte é o que nos faz humanos. Em pleno século XXI artistas são obrigados a calar, são aprisionados. Mas um artista é como um vulcão, suas lavas já estão derramadas e nada apagará o seu rastro.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

DEZEMBRO

Para lidar com a imensidão do tempo, fracionamos o tempo. E inventamos rituais. Dezembro, o último mês do ano é sempre um espelho das nossas realizações e do que gostaríamos de mudar. Tempo de arrumar gavetas, jogar papéis na lata do lixo, fazer promessas que raramente cumprimos. Dezembro seria um portal para uma outra dimensão: o futuro. Mas o futuro não existe, ele é agora, enquanto escrevo, já que para dar um passo, um dos meus pés está no ar e quando eu o coloco no chão ele já transformou o futuro em presente.

Quando eu era criança meu pai tinha uma loja no Grajaú. Vendia um pouco de tudo e no Natal vendia brinquedos que ele expunha na calçada. Eu enchia os olhos com aqueles brinquedos, mas como judeus não tínhamos Natal. Jesus sempre foi uma figura problemática para os judeus, pois apesar de Jesus ter sido judeu, um povo inteiro foi culpado por sua morte quando todos sabem que os romanos mataram Jesus. Mas acho que os judeus deveriam reivindicar sua figura histórica de contestador. Jesus foi um homem que não aceitou o papel de vítima e nem a figura de um Deus cruel e vingativo. Jesus trouxe a idéia revolucionária de amor e quando ele diz que ao inimigo se tem que dar a outra face, ao contrário do olho por olho e dente por dente, ele quebra um ciclo interminável de vingança. Se o Natal existe para lembrar o nascimento de Jesus, o Natal deveria ser uma festa simples. Que cada um preparasse com amor os presentes que deseja oferecer. Mas o Natal virou uma festa de grande consumo e Jesus era um homem simples. Quando vejo as pessoas enlouquecidas comprando freneticamente, penso que não há nada que justifique isso. Para as pessoas que a gente ama nada melhor do que oferecer amor todos os dias. Então todos os dias seriam Natal.

domingo, 19 de dezembro de 2010

POEMA PARA O LUIS

Hoje uma leitora do blog , Angela, me pediu um poema para sua sobrinha Rebeca. Fiz o poema, adoro o nome Rebeca. e então fiz um poema pro Luis, meu neto;

Luis dança o dia inteiro:
toca cavaquinho,
violão e pandeiro.
Do quarto para a sala
lá vem Luis de avião,
a lingua que fala
não cabe na boca,
é enrolada
feito macarrão.

Luis gosta do sol e gosta da lua,
às vezes chora, às vezes ri
e sapateia e pula
quando quer ir
pro meio da rua.

Todos os dias
Luis descobre o mundo,
faz uma pirueta,
bota as mãos na cabeça
e joga coloridos beijos.

DOMINGO PÉ DE CACHIMBO

André, meu filho e Dani Keiko, minha nora, foram para casa hoje bem cedinho. Resende e Mauá, os dois lugares onde vivem e trabalham. A casa ficou vazia demais e eu fiquei triste demais. André enche todos os espaços com sua energia solar e Dani, completamente oriental, parece uma gatinha silenciosa. Cozinhamos todos juntos, rimos, lemos trechos de livros e jornais uns para os outros, celebramos a vida cada segundo em que estiveram aqui. Não gosto de despedidas , mas a gente vive se despedindo.

Meu neto Luis, que já toca cavaquinho com um ano e três meses, agora ganhou um tecladinho e um pandeiro. Ele nos presenteou com um concerto via skype e tocava um pouquinho de cada instrumento e ele mesmo aplaudia. Agora, neste minuto estou ouvindo o Guga em sua lojinha de vinhos em Granada, fazendo uma venda. Espero a venda acabar para conversarmos outra vez. Enquanto escrevo acompanho o diálogo entre ele e seu cliente. Loucuras da tecnologia. Ele vai explicando tudo, pois desde que tem a enoteca estuda muito. Visitei a sua lojinha quando estive em Granada, é mínima, como se fosse uma adega, na verdade é uma adega climatizada de muito bom gosto e se entrarem mais de cinco pessoas já enchem a loja! Guga fala espanhol como um verdadeiro andaluz. Eles comem as últimas sílabas das palavras. E meu neto Luis já entende as duas linguas e fala uma terceira que ele inventou. (Guga acaba de vender duas garrafas de vinho).

E hoje inventei um método para comer menos, pois dezembro não é brincadeira: anoto tudo o que como. Para mim as palavras são sempre mágicas e se anoto, saltam aos meus olhos todas as extravagâncias. Vamos ver se dá certo.

Bom domingo .

sábado, 18 de dezembro de 2010

BOCAS DO TEMPO

Maria Clara me trouxe de presente o livro Bocas do Tempo do Eduardo Galeano. Na última página do livro ela colou uma carta dizendo que fui uma das quinze pessoas escolhidas para receber o livro. Não conhecia o livro que ganhei de presente e fiquei radiante. Sempre amei Galeano de paixão perdida, desde O Livro dos Abraços que foi meu travesseiro por muitos e muitos anos. Galeano nos emociona na medida certa. Seus textos curtos possuem uma densidade poética impressionante. Galeano é um autor imprescindível.

PRIMEIRAS LETRAS

Das toupeiras,aprendemos a cavar túneis.
Dos castores,aprendemos a fazer diques.
Dos pássaros,aprendemos a fazer casas.
Das aranhas,aprendemos a tecer.
Do tronco que rodava ladeira abaixo,aprendemos a roda.
Do tronco, que flutuava à deriva, aprendemos a nau.
Do vento,aprendemos a vela.
Quem nos terá ensinado as manhas ruins? De quem aprendemos a atormentar
o próximo e a humilhar o mundo?

Eduardo Galeano in Bocas do Tempo, L&PM pocket

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

MEDOS E CORAGENS

Hoje leio que há uma mulher nos Estados Unidos que não tem medo de nada. É a mulher mais corajosa do mundo. Ele sofreu uma lesão cerebral na área que fabrica ou controla os medos e não sente nada. Pode segurar a lingua de uma cobra e achar a experiência fascinante , não tem medo de aranhas ou baratas e nem de ser assaltada. Está viva milagrosamente pois se arrisca o tempo todo.
Quando escreví meu livro Tantos Medos e Outras Coragens, ed. FTD , parti da idéia de que os medos não são iguais, cada um tem a sua lista de medos e, claro, de coragens. Eu, por exemplo, não tenho nenhum medo de escuro e amo as tempestades violentas, com muitos raios e trovões. Não gosto de cobras, mas não tenho medo de cobra. Fico na minha casinha da montanha completamente só e não tenho medo. Mas tenho muito medo de lugares imensos e de multidão. Tenho muito medo de me perder numa cidade que não conheço e nunca mais achar o caminho de volta. Assim, cada ser humano tem a sua lista de medos e de coragens.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CECÍLIA

Choveu muito ontem. A casa parecia estar dentro do mar. Água por todos os lados. A chuva molhou o quarto onde dormia meu filho, encharcou a cama. Foi preciso se mudar para a sala. Busco um poema de água e Cecília Meireles me diz:

AR LIVRE

A menina translúcida passa.
Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.

Leva o arco-íris em cada fio de cabelo.
Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.

Evaporam-se-lhe os vestidos na paisagem.
É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro.

E quando pára na ponte, as águas todas vão correndo,
em verdes lágrimas para dentro dos seus olhos.

Cecília Meireles, in Retrato Natural, Antologia Poética, ed. Nova Fronteira.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

LENDO NOS PRESÍDIOS

Marco Lucchesi, grande poeta, hoje escreve um belíssimo artigo sobre leitores nos presídios. Bibliotecas, oficinas de leitura e escrita, discussões, tudo isso acontece em pequena escala mas se fosse em grande escala poderia salvar muitas vidas. A situação dos presídios no Brasil é tão horrenda e vergonhosa que não se consegue nem falar sobre isso: é um pântano. Mas muitos presos poderiam ser recuperados para o convívio social através da arte , da literatura. Seria tão simples, a arte nos devolve o que temos de melhor dentro de nós, o que nos faz humanos, o que às vezes está submerso. Ler e discutir Crime e Castigo do Dostoievski pode fazer com que um preso reavalie toda a sua vida e seus atos. Nelson Mandela diz que todo ser humano traz uma semente de bondade dentro do coração.Uma biblioteca na prisão pode fazer germinar milhares de sementes.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

CEDINHO DE MANHÃ

Hoje acordei bem cedinho em Teresópolis, pois meu ônibus era às 6hs. Às 4.30hs já estava tomando café. Adoro ver o dia amanhecendo. É belo. Ouvi dizer que os cientistas falam em dobras do tempo. Se pudéssemos dobrar o tempo as distâncias não existiriam e se poderia viajar em segundos. Mas às 9hs já estava tomando café com cheiro de mar aqui em Saquarema. Antes de desfazer a mochila preparei um caldo de peixe , pois meu filho chega para amoçar e farei uma moqueca: o segredo é o caldo. Sempre deixo muitos livros em cima do banco na sala, a caminho do meu quarto. Livros que vou lendo ao sabor do dia. Apanho o primeiro da fila e abro ao acaso. Um poema maravilhoso do Borges me acolhe:

CERCANIAS

Os pátios e sua antiga certeza,
os pátios alicerçados
na terra e no céu.
As janelas com grade
da qual a rua
se torna familiar como uma lâmpada.
As alcovas profundas
onde arde em quieta chama o mogno
e o espelho de tênues resplendores
é como um remanso na sombra.
As encruzilhadas escuras
que lanceiam quatro infinitas distâncias
em arrabaldes de silêncio.
Nomeei os lugares
onde se esparrama a ternura
e estou só e comigo.

Jorge Luis Borges, Fervor de Buenos Aires, in Obras Completas, ed. Globo.

Que belo poema para dar de comer à alma. Amo a poesia do Borges, muito mais do que seus contos. Ela é imensa, suas imagens são maravilhosas.
Ontem, na casa da Evelyn, discutíamos sobre o aqui e agora. É aqui e agora que existimos. O passado tem que ser como o espelho do poema Cercanias,um remanso na sombra, tênue resplendor. Do futuro nada sabemos e é agora que vivemos, este instante mágico em que respiro e o mundo corre em minhas veias.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

FESTA DE ANIVERSÁRIO

Ontem foi a festa de aniversário da minha irmã e nós duas fizemos um almoço para 25 pessoas. Os amigos da Evelyn são antigos. A maioria veio da sua adolescencia. Ela os cultiva como orquídeas raras. E como vieram de um tempo tão distante, dá para acompanhar a trajetória de suas vidas , como se cada vida fosse um conto. São artistas, pessoas muito interessantes. Minha tia Alice veio representando nossa mãe ausente. Rafael, crítico de arte, levou o seu aparelho de jantar, que Evelyn levou meses preparando e deixou exposto no ateliê para que todos vissem e morressem de inveja. Brigite trouxe para vender bloquinhos de anotação e calendários feitos com as imagens dos haicais de barro da Evelyn e meus poemas. Daysa trouxe suas lindas bolsas que ela começou fabricando em casa e agora já é uma empresária. Fábio, seu marido, é piloto e traz um clima de aeroporto para a sala. Leila é agente de viagens e por isso todos contam suas últimas viagens: Lucy voltou de Praga e me trouxe um brinco lindíssimo que comprou na Ponte Carlos, perto do Castelo. Silvinha voltou de Israel e me fala do vento do deserto. Eu falo de Granada. Sol está de mudança para Belo Horizonte pois está apaixonada e seu amor , Alexandre, mora lá. Enquanto Patrícia e Rafel contam sua viagem para Japaratinga, Alexandre começa a falar de lugares insuportáveis para onde ninguém deveria ir e eu sugiro que ele escreva um guia de viagens ao contrário: Lugares Insuportáveis Que Ninguém Merece.
Minha belíssima sobrinha Julia veio com o seu namorado-noivo-marido,Rodrigo, que adora restaurar móveis antigos, adora estofar e que viveu na Austrália. Ele conta coisas da Austrália. Na festa da Evelyn, percorremos o mundo e entrelaçamos experiências.
Ainda estou em Teresópolis. Hoje vamos almoçar os restos da festa.

sábado, 11 de dezembro de 2010

CASA DE IRMÃ

Estou em Teresópolis , na casa da minha irmã Evelyn. A temperatura está maravilhosa e eu amo a montanha. Está tudo tão florido, agapantos e hortências fabricam inacreditáveis azuis. Amanhã é o almoço do seu aniversário e faremos um banquete. Saí de Saquarema bem cedinho e parei na peixaria, trouxe salmão e lula. A casa da Evelyn ficou mais bonita ainda pois vieram os móveis da nossa mãe depois da sua partida. São móveis muito antigos e magníficos.
Recomeço hoje a ler As Travessuras da Menina Má, do Vargas Llosa, que fez um discurso belíssimo na entrega do Nobel. Já estou me preparando para o nosso encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela.
Semana que vem meu filho André passará alguns dias em Saquarema. É uma grande felicidade. Depois que perdi o meu amigo Latuf gostaria de estar grudada o tempo todo nas pessoas que amo.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

SAKINEH ASHTIANI

Sakineh Ashtiani, iraniana condenada a morrer por apedrejamento, já está em casa, diz Mina Ahadi, líder da Comissão contra a Pena de Morte e o Apedrejamento, embora o governo iraniano não tenha confirmado.
É uma grande vitória contra a bárbarie, contra o fundamentalismo religioso, contra a tirania. É a prova de que a opinião pública conta sim e que o mundo, ao ficar al lado de Sakineh, forçou o governo do Irã a voltar atrás. Devemos combater o fanatismo religioso com todas as nossas forças , pois ele traz apenas violência e discórdia. As religiões nasceram para apaziguar o medo e não para disseminar o medo. A relação de cada um com o divino deve ser íntima e particular e nenhum poder pode legislar sobre as consciências. Que cada um exerça a bondade e faça alguma coisa que justifique a sua existência: essa é a verdadeira religião.

Acabo de ler no El País que o Irã desmente a libertação de Sakineh. Mas não vamos perder as esperanças.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

ESCREVENDO

Muita gente me escreve pedindo ajuda para publicar. Fico quase desesperada, pois meu desejo é sempre ajudar. Mas as editoras publicam muito pouca poesia e realmente eu não posso fazer muita coisa. Já indiquei autores novos e não consegui nada. Mas hoje cada um pode ter seu blog, hoje cada um pode editar em casa seu próprio livro e dar de presente para os amigos. Dizia Clarice Lispector: "Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..." O que posso dizer: continuem escrevendo. Escrever continuamente nos torna mais leves, é como se a gente alimentasse um imenso rio feito de palavras.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

FELICIDADE OU HARMONIA?

Saramago diz várias vezes em suas entrevistas que prefere a palavra harmonia ao invés de felicidade. Felicidade é uma palavra complicada e virou obrigação em nossa época. A tristeza, como disse Martha Medeiros em um texto, não é admitida em nossa sociedade e haja prozac e outras cositas . Mas eu penso que a felicidade é um estado de espírito que independe de qualquer fator externo. É como se pudéssemos navegar em nosso caos interno, aí sim, uso a palavra harmonia. O caos com harmonia. A vida é uma caixa mágica e se estivermos atentos e agradecidos nos sentiremos felizes. Sou como o Marvovaldo, personagem maravilhoso de Italo Calvino, que busca a florzinha miúda até no lixo ou nos interstícios dos prédios. E a vida é a nossa matéria prima. É com a vida e o que nos acontece que construímos. A felicidade também é um exercício, um exercício de olhar . A felicidade é a porta aberta para o outro, é tentar não machucar ninguém. Cada dia pode ser meu último dia, então neste dia , hoje, que me cabe estar viva, sou feliz.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

ESTRADA REAL

Um Verso a Cada Passo é o livro que tenho entre as mãos, de Angela Leite de Souza, ed. Autêntica. Angela refaz com poemas e bordados, agulha e linha, botões, paninhos, a Estrada Real, que , nos explica Angela, "eram na realidade vários caminhos usados no tempo do Brasil Colônia para levar o ouro e os diamantes de Minas Gerais até o porto e, daí, para a metrópole." E cidades vão surgindo, vilas, vilarejos:

O CAMINHO VELHO
Abro o mapa
dou um zoom no tempo,
fecho os olhos.
Estou no Caminho Velho
levado pela lenda do ouro
de Sabarabuçu,
na Serra dos Cataguases.
Aliás, como viajo assim,
em pensamento
não me cansa tamanha andança
transpondo montanhas
criando bolhas e calos
ou então sacolejando
no lombo de um pobre cavalo.
Onde quer que vá passando
tudo já foi batizado
com um nome apropriado:
Boqueirão do Inferno,
Pouso do Facão,
Serra do Quebra-Cangalha,
Povoado da Aparição,
Ribeirão Passa-Vinte
(vinte vezes é varado),
Garganta do Embaú
e Serra da Mantiqueira
de onde afinal se embrenha
pelos sertões das Gerais.

Angela Leite de Souza
Um Verso a Cada Passo, ed. Autêntica


Angela tem uma poesia limpa, firme, densa. Me lembra sempre Drummond. Vale a pena percorrer a Estrada Real nas asas da sua escrita, mergulhar nesse tempo antigo , de desbravamentos e descobertas.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

DILMA E O IRÃ

Fiquei radiante com a entrevista que nossa Presidente eleita, Dilma Rousseff concedeu ao jornal "The Whashington Post". Já não há na entrevista o jogo "tudo o que seu mestre mandar"e Dilma marca posições bem claras em relação ao Irã, por exemplo. Diz ela: "Eu não endosso o apedrejamento. Não concordo com as práticas que têm características medievais para as mulheres. Não há nuances, não vou fazer qualquer concessão a esse respeito. Minha posição não mudará quando assumir a Presidência. Não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é a minha posição." Aplausos sinceros para a nossa futura Presidente. O Brasil não pode compactuar com regimes violentos. Nossa política externa é nefasta em muitos aspectos e parece que isso vai mudar. Então poderemos ter orgulho da nossa Presidente mulher , pois ela diz que se já tivesse tomado posse o Brasil não teria se abstido na votação da resolução das Nações Unidas de condenação à violação dos direitos humanos no Irã.

Leio hoje no O Globo uma entrevista com o escritor americano Nicholas Carr em que ele diz que passar muitas horas navegando na internet nos emburrece, pois favorece a superficialidade . Transcrevo: "As coisas que no passado, sempre foram consideradas essenciais para uma vida intelectual rica, como contemplação, reflexão e introspecção não acontecem quando você é interrompido, você nunca consegue exercitar estas formas de pensamento mais atentas e focadas". Maria Neuza ,leitora do blog e Juan Arias, meu marido, discordam. mas há que ler a metéria inteira. Ele fala de uso excessivo e do abuso do hipertexto. Ele diz que o uso excessivo do hiper texto não favorece a concentração. Mas esta é uma matéria polêmica mesmo. Ele não nega que todo o conhecimento esteja na rede.

O final de semana foi para os amigos. Angelika e Jorg, nossos amigos alemães que agoram moram em Saquarema, fizeram uma festa de Natal para os caseiros e nos convidaram. Arrumaram a mesa mais linda , uma mesa bem alemã e seus empregados convidados foram servidos como embaixadores. Emocionante. Distribuiram presentes e delicadezas.
Angelika e Jorg viveram no Cairo, Tunísia, Líbia, são tão interessantes e amorosos, dá gosto conviver com eles. Ontem preparei um lindo café da manhã para o Hélio e o Fernando que possuem uma propriedade maravilhosa em Saquarema e plantam centenas de árvores. Falamos tanto do Latuf, nosso amigo que se mudou para alguma estrela, mais do que nunca ele esteve presente. Evelyn, minha irmã que veio de Teresópolis transforma tudo em alegria. E já é dezembro e meu flamboiã está florido, o jardim explode em vermelho.

domingo, 5 de dezembro de 2010

MULHERES LEITORAS

Tenho recebido muitas mensagens lindas de Duque de Caxias e sinto que minha visita foi importante, fez com que todos se fortalecessem. Eu fui apenas um espelho onde todos puderam se ver e ver como o que fazem é maravilhoso.

Releio ou melhor , revejo o belo livro Las mujeres, que leen, son peligrosas, ed. Maeva, Espanha. São quadros de mulheres lendo e um belo texto de Esther Tusquets. O quadro Nú Feminino de Suzanne Valadon me cativa. A pintora viveu de 1867 a 1938 e foi modelo de Renoir e Toulose-Lautrec, ou seja, ela mesma foi uma mulher nua posando. Mas no seu quadro, a belíssima mulher nua, sentada numa cama desfeita, está lendo. Ela acabou de acordar? Pela luz do quadro não sabemos a hora. Ou será que é um fim de tarde e ela espera o seu amor lendo um livro de poesia? Ela está nua, mas não em atitude provocativa ou erótica: ela simplesmente está lendo.

sábado, 4 de dezembro de 2010

BONDADE

Recebemos um livro da Espanha: José Saramago em suas palavras. A edição e seleção é de Fernando Gómez Aguilera. O autor do livro selecionou o que Saramago disse sobre vários temas, na imprensa e em alguns livros de entrevista, inclusive O Amor Possível, do Juan Arias, meu marido, editado no Brasil pela Manati. O efeito é belo e há uma grande coerência em seu pensamento, ele nunca se contradiz ao longo dos anos. Mas , há uma frase, que me tocou alucinadamente, por ser exatamente o que penso:
"O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é o único que conta". in Baleares, Palma de mallorca, 20 de abril de 1994.

Parem o mundo e pensem sobre a bondade.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

SANTA CRUZ DA SERRA

Ontem, ao abrir a porta da varanda às 5:45hs , ouvi um carro estacionar e já era o Russo, da Secretaria de Educação de Duque de Caxias, com sua esposa, para me buscar. E eu ainda da camisola! Mas, como marquei às 7hs, respirei fundo, arrumei o café na mesa e chamei o casal para tomar um café com a gente. Durante a viagem várias pessoas telefonaram para o motorista rastreando o nosso caminho. As crianças estavam super ansiosas para inaugurarmos a Sala de Leitura com meu nome. Cheguei.
A E.M.Pedro Paulo da Silva fica numa rua linda e é uma casinha azul. Lourdes me conta que era uma casa de morador que foi comprada pela Prefeitura. Na minha chegada muitas crianças estavam sentadas com a Professora Andrea da Sala de Leitura que antes não existia, mas a professora já existia. Sou recebida por uma linda canção da Bia Bedran que fala de ouvir e sentir. Depois uma aluna vestida de africana conta uma história da África. Eles aprendem cultura africana e sabem o que é um griot. No pátio várias Tendas de Leitura com Contadores de Histórias, inclusive o Felipe, Secretário de Leitura de Duque de Caxias e membro do nosso Clube de Leitura da Casa Amarela. A Secretaria de Educação veio em peso e finalmente subimos ao segundo andar para cortar a fita da placa da Sala de Leitura.
A Sala é linda, com um tapetão e almofadas, cortinas nas janelas e uma frase na placa, retirada de um dos meus poemas do livro Casas, dá o tom: "Aqui o tempo não passa, o tempo senta e descansa ". A Secretária de Educação ficou tão feliz com a Sala que prometeu um aparelho de ar condicionado. Algumas crianças subiram , mas a maioria ficou no pátio, pois eram 300 crianças, Lourdes juntou os dois turnos. O que faz a diferença na pequena escola azul é que todas as crianças saem lendo e escrevendo e entendendo os textos perfeitamente. A diretora Lourdes, grande maestrina de sentimentos, conduz os professores com paixão e há uma labareda na escola. Todos pulsam juntos num acorde imenso e belo. Lourdes arrumou várias mesas no pátio e o almoço, super natural e colorido juntou professores, porteiro, merendeiras, numa grande confraternização. Agora sou a madrinha da Sala de Leitura. Tenho a tarefa de alimentá-la com livros.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

SEGREDOS

JOGO DA VERDADE

A verdade é um labirinto.

Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.

in Pêra, Uva ou Maçã? ed. Scipionne.

Onde guardar hoje os nossos segredos? Em que caixa, em que ouvido, em que cofre? Se tudo o que somos, dizemos, pensamos, comemos, compramos, ensaiamos, sonhamos, é vasculhado?
Se nem o país mais rico do mundo, o mais poderoso, consegue guardar os seus segredos, como nós, simples mortais, conseguiremos? Todo ser humano tem direito a ter segredos. A exposição aguda do que somos e não somos é muito perigosa. Dentro de pouco inventarão uma máquina de ler pensamentos, nosso último reduto, nosso último esconderijo.