quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

AGRADECIMENTO

No ano de 2015 vivi momentos maravilhosos e outros nem tanto.
O mundo viveu momentos terríveis .
Alguns amigos antigos que me conhecem do lado direito e esquerdo continuam caminhando comigo.
Amigos novos entraram na minha vida para sempre.
Amigos virtuais dividem tanta coisa comigo.
A tribo do Clube de Leitura da Casa Amarela só me dá alegrias.
Minha família é minha âncora, não importa a qualidade do mar.
Dois livros novos alegraram meus dias.
Outros, já escritos, ainda esperam .
Outros ainda serão escritos.
Fiz uma cirurgia bem sucedida na coluna que mudou a minha vida.
Agora posso andar e posso dançar. Antes era quase tudo dor.
Durmo e acordo cheia de poesia.
Todas as pessoas que me cercam e que amo estão vivas.
Os meus mortos me habitam de uma maneira leve, como se nadassem dentro de mim.
Agradeço por todas as dádivas.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

MALA DE LEITURA

Recebo para minha felicidade a visita de dois amigos que amo e que fazem um trabalho extraordinário: Maurício Leite e José Mauro Brant.
Nos conhecemos de longa data, viajamos juntos no passado muitas vezes na caravana de artistas do Proler sob a batuta da Eliana Yunes.
Maurício Leite criou as Malas de Leitura. Foi seu inventor. Levou sua mala mágica para os lugares mais afastados do Brasil e da África.
José Mauro Brant faz um trabalho de teatro extraordinário. Fizemos algumas coisas juntos, a peça do Lorca "Pequeno Poema Infinito" que traduzi.
Juntar os dois aqui em casa é pura magia, coisa muito difícil de acontecer.
Agora eu os espero para o café da manhã. Ainda dormem.
Sonho em fazer alguma coisa com o Zé Mauro outra vez. Quem sabe?
A vida é essa caixinha de música, a gente abre e não sabe que acordes irão escapar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

ANIVERSÁRIO

Num livro que amo, Lumières Allumées, da Bella Chagall, a primeira mulher do grande pintor, num dos textos ela conta que perguntou ao Chagall, quando estavam namorando, se ele sabia quando era o seu aniversário. Os judeus naquele tempo e lugar não comemoravam o aniversário, ele sabia que era perto de uma determinada festa, talvez fosse no dia tal.
Neste dia Bella saiu de sua casa bem cedinho, com os xales mais coloridos que tinha, colheu flores, e assim, toda carregada, atravessou a cidade correndo, Vitebsk, atravessou a ponte, chegou na casa do pintor.
Pendurou os xales nas paredes e já ia colocando as flores num vaso quando Chagall gritou:
_Pare!!!
E começou a pintá-la e ela saia voando pela janela, no quadro que se chama O Aniversário.
Ontem foi assim que me senti. Voando por cima dos telhados, por cima do mar.
Recebi mais de trezentas mensagens maravilhosas pelo facebook, poemas, flores, bordados, depoimentos incríveis, emocionantes.
Ontem tive a dimensão da força da minha poesia.
Amigos reais e virtuais, numa grande ciranda, leitores conhecidos e desconhecidos, num grande abraço, o maior que já recebi na vida.
Obrigada.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

VERÃO

Alguns minutos ao amanhecer, às cinco e meia da manhã: o mais belo poema que o céu pudesse escrever. Não se pode perder esses poucos minutos. E logo depois, as gaivotas, muitas, parecem de prata no espelho da luz:

As gaivotas de prata
rabiscam o céu
voo e caligrafia

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

ROTA DE VOO

Cada um escolhe a sua rota de voo, a sua maneira de voar, de caminhar no ar.
Que mesmo sem asas, tão rastejantes humanos que somos, egoístas, acumuladores, pesados, que mesmo assim, saibamos fabricar estradas aladas, e buscar o melhor dentro de nós, para oferecer ao outro, como braçadas de flores:

Para viver há que buscar
miragens:
um céu inteiro
nas asas translúcidas
de uma libélula.
E por um instante
andar no ar
é tão fácil

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

INCÊNDIOS

O que dizer diante do incêndio do Museu da Língua Portuguesa, um dos mais originais museus do mundo? Como deixaram que isso acontecesse?
O que dizer diante da tragédia de Mariana, uma das maiores do mundo? Como deixaram isso acontecer?
O que dizer diante do desinvestimento na Educação, num país que escolhe o slogan de Pátria Educadora?
O que dizer diante de hospitais que fecham, de hospitais depredados?
O que dizer diante de Universidades caindo aos pedaços, onde alunos são assaltados dentro do campus?
O que dizer diante de professores sem receber seus salários?
O que dizer diante dos roubos gigantescos de dinheiro público? Ninguém sabe de nada. Os políticos roubam, trapaceiam, mentem, fazem esquemas gigantescos para enganar e ninguém sabe, ninguém viu.
O que dizer diante dos marqueteiros? Da inflação, do desemprego?

A impotência é uma dor imensa.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

OURO NO FUNDO DO POTE


O sonho dos alquimistas, transformar qualquer metal em ouro, é absolutamente possível. Para isso basta a poesia, os sonhos, a memória:


No final do arco-íris
brilha o ouro no fundo do pote.
Para alcançá-lo basta
caminhar sem rumo
em tardes de chuva e sol.

Basta olhar o céu
e deixar o pensamento
virar nuvem, água, estrela,
cavalo comento relva
úmida e fresca
nos imensos campos da memória,
onde cada instante
vira ouro no fundo do pote.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

HORIZONTE

Moro quase dentro do mar.
Hoje pela manhã havia um cheiro forte de algas, mesmo antes de olhar o mar, pelo cheiro, eu já sabia que ele havia virado. Ondas altas explodindo. Adoro este perfume adocicado. Deixo que ele me envolva, fico lá dentro, quieta, tomando café.

HORIZONTE

Se eu apagasse a fina linha
do horizonte
será que o céu cairia
no mar?
E as estrelas e a lua
começariam a navegar?

Ou será que o mar viraria
céu
e os peixes aprenderiam a voar?

in Fardo de Carinho, Lê Editora.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

RITOS DE PASSAGEM

Todos sabemos que o tempo é uma sinfonia imóvel. Somos nós que passamos.
No entanto, dividimos o tempo para suportar a sua imobilidade.
E parece que precisamos dos ritos de passagem para sobreviver.
Fazemos balanços, promessas, estabelecemos metas e desejos para o próximo ano. Mas o ano novo é todo dia. É toda hora, todo minuto, todo segundo.
Para suportar a vida é preciso viver com muita paixão. Amar tudo o que se faz. Amar a terra e o céu.
Então o que vivo será a medida do meu tempo.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A LUZ DO MAR

Comecei o dia andando pelas belíssimas ruas de dentro do nosso bairro que me trazem uma lufada da infância quando andava com minha mãe pelas ruas do Grajaú e namorava as casas. As ruas são tão arborizadas, tão floridas, tão vazias, é uma viagem no tempo.
Depois resolvi fazer a minha meditação no mar. O mar de Saquarema é muito selvagem e para mim completamente hostil, já que meu corpo tem um certo parentesco com uma loja de ferragens, sou cheia de próteses e não posso (não devo) cair. Vou pouco ao mar, embora a casa seja quase dentro do mar e eu me sinta a bordo de um barco em tempo integral.
Faço meditação e é o que me salva da minha ansiedade. Freia um pouco o cavalo em disparada que existe dentro de mim.
Hoje o mar estava calmo. Dezenas de gaivotas. E lá pelos lados da Igreja havia uma luz prateada tão intensa sobre a água que eu mal podia acreditar que fosse possível tanta beleza. Entre a prata do mar e a prata das gaivotas eu existia.
De repente fiz um poema em italiano. Pela primeira vez. Eu queria falar da casa, falar da luz e o poema veio. Estudo italiano , leio em italiano, vejo a RAI, enfim, me dedico. E então recebi este prêmio. Consegui pensar meu primeiro poema em italiano. Juan corrigiu alguns erros, nada grave, algumas partículas. E o que aconteceu foi muito além do poema. Foi como se a língua tivesse me aceito.

La mia casa gialla
è aperta a la luce
e la música del mare.
La luce qui riposa
su l'acqua
sembra dei pesci
liquidi,
sembra la luna
devenuta barca,
fatigata de la notte.
La mia casa gialla
è aperta
a tutti i venti
che vengono del paese
de la memoria,
è aperta a tutti li ucceli
e amici.

PS: Celmar, minha linda professora de italiano,  se ainda tiver alguma coisa errada, por favor, me avise.
 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

POEMA DE NATAL

Dezembro de flores vermelhas: quando nasce o sol e incendeia o céu,quando o sol se põe e incendeia o mar, dá uma vontade de chamar os amigos para bem perto da gente, de abraçar, dividir, trocar palavras cheias de amor, fazer poesia, cozinhar, dançar.

Para o Natal
convém rearrumar
o coração,
buscar a noite
mais escura,
mais longínqua
e estrelada,
onde na infância
tudo era assombro.

Para o Natal só o que couber
no coração:
as coisas mais etéreas,
insubstanciais,
o dom do amor,
da amizade.
Que as linhas da mão
se transformem
em barco
e nos ajudem
a atravessar a fronteira
que nos separa do outro.
Para o Natal
convém buscar a luz
antes do seu nascimento
e abraçar a vida.

domingo, 13 de dezembro de 2015

CONTOS DE NATAL

Uma vez ao ano o encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela acontece no sítio de dois leitores, na zona rural de Saquarema, na frente da lagoa, um lugar de indescritível beleza.
O primeiro encontro seria na nossa casa de onde saímos em caravana.
O caminho até lá já é absolutamente deslumbrante.
Ao chegar fui saudada ruidosamente por um peru, em homenagem ao conto do Mário de Andrade.
Os donos da casa avisaram: não parem os carros debaixo das mangueiras carregadas!
Fui de carona com a Adelaide Vidal, pois não temos carro e nunca soube dirigir.
Reencontrei Rafael Santana, que foi amigo do meu amigo Latuf, que ao partir para a Via Láctea com seus livros, me deixou órfã. Rafael Santana é professor titular da UFRJ de literatura e agora entrou para o Clube. Trouxe um pedaço do Latuf, que era seu orientador.
Máximo Tarantini, cineasta italiano que vive alguns meses em Saquarema, também é um novo membro do Clube, assim como Paulo Luiz Oliveira, que publicou o livro Tamoios, a presença dos índios na nossa região.
Começamos o encontro com o Conto de Natal do Dickens, numa discussão acalorada.
Cristiano Mota Mendes lembrou que no século XIX o ocultismo estava na moda, o que de certa moda explicaria a aparição do fantasma do sócio Marley.
Falou também da critica social que Dickens faz.
Norma Estrela falou de Cronos. Ronaldo falou que astrológicamente Scrooge era um saturniano.
Afinal todos concordamos que apesar de não sermos leitores do século XIX e às vezes o conto soar estranho aos nossos ouvidos, o que fica é a transformação de um ser humano, para que assim ajude a transformar uma sociedade tão cruel.
Passamos para o maravilhoso Peru de Natal do Mário.
Falamos da sua irreverência, de como o patriarcado ali se quebra e começa o reino feminino.
Rafael trouxe a lembrança das festas pagãs.
Fomos tão felizes nesse conto. Estávamos todos nessa mesa de pura alegria.
No Presente dos Magos de O.Henry, nos emocionamos com um amor tão singelo e verdadeiro.
Afinal os dois, despojados do que tinham de mais precioso materialmente falando,ficaram mais ricos, pois a consciência de terem um ao outro se fortaleceu.
No Natal na Barca falamos da barca de Caronte mas também da barca que leva ao novo, falamos da travessia, da fé, de milagres. É um conto forte e belíssimo esse da Lygia.
Natal na Terra das Neves nos levou a um lugar tão estranho para nós, tão inóspito. Nesse conto de Jack London, o Natal é a justiça. E a partida na escuridão rumo à luz.
Belo conto.
Na Missa do Galo as galinhas d'angola gritavam como loucas no jardim! saudando o conto.
Novamente a questão da mulher na sombra e como por alguns instantes aquela mulher se ilumina, transborda, seduz.
O conto é de um erotismo sutil e magnífico.
Muito se falou então de Machado e Mário de Andrade.
Para o conto Presepe, a surpresa:
Ronaldo tocou no violão uma canção feita para o conto e cantou junto com Ana. Ronaldo Mota nos prometeu vir sempre aos encontros daqui pra frente. Cantaram ainda junto com Cristiano duas músicas do espetáculo teatral Barquinho, pois tinham algo do espírito do Natal.
Felipe Lacerda leu um poema do Drummond. Eu li meu poema de Natal e Fernando leu um poema de Natal do Chico Peres.
Então fomos para a mesa que ninguém é de ferro.
Hélio e Fernando, nossos anfitriões, prepararam a mesa mais linda.
Fizemos nosso amigo oculto de livros e poemas.
Angela Maria Quintieri cantou com Ronaldo ao violão.
Todos do grupo trocamos juras de amor, pois já somos uma família ligada pela literatura.Antonio Antônio Cesar Alves, Fátima Fatima Alves, incansáveis em sua delicadeza, trazem muita alegria ao grupo.
E os ausentes Gilcilene Cardoso, Maria Clara, Leila Bialowas, Jose Augusto Messias, Izabella Coutinho estiveram o tempo todo presentes.
Teve bolo de aniversário para Felipe, Cristiano e para mim que faço anos dia 27.
E fomos felizes para sempre. Ganhamos livros maravilhosos. Lindas escolhas.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

SUGESTÃO

Para o encontro do nosso Clube de Leitura do dia 12, fiz uma seleção de contos de Natal. São todos maravilhosos e abordam variadas questões referentes ao Natal.
Sou judia e não tive Natal na minha infância. Meu pai tinha uma loja que expunha os brinquedos na calçada. Eu olhava todas aquelas maravilhas com um olho bem derramado, mas não adiantava nada. Não me lembro de ter ganho nenhum presente de Natal na infância. Mas eu vivi a Era do Rádio, um tempo antes da nossa violenta sociedade de consumo. Então era assim, o Natal não era uma festa nossa. Tínhamos as nossas festas. A festa da Páscoa judaica, por exemplo, me encantava porque era apaixonada pelo livro de perguntas com desenhos maravilhosos. Aquele livro e a história da libertação do jugo egípcio era uma saga incrível, eu adorava atravessar o deserto.
Só fui conhecer a história de Jesus muito mais tarde.
De qualquer maneira, o espírito consumista do Natal não me pertence e acho contraditório com a bela história de Jesus, que era pobre. Se é para dar presentes, em homenagem aos Três Reis Magos, que provavelmente nem existiram, que seja algo bem significativo e verdadeiro. Um livro,uma canção, um poema, uma fotografia, algo que emocione o outro. Hoje fiz um belo poema poema de Natal para enviar aos amigos. Publicarei semana que vem.
Mas dei a volta ao mundo para falar que tenho uma sugestão para o Natal.
Quando todos estiverem reunidos, que tal ler um dos contos dos que escolhemos para o Clube de Leitura, na mesa, antes da ceia? Como na Páscoa judaica, o  menino faz as perguntas : "Em que se diferencia esta noite de todas as outras noites?" para que a história seja contada. Certamente um dos contos encherá de beleza o coração dos ouvintes.
Lá vai a lista:
O PERU DE NATAL - Mário de Andrade
NATAL NA BARCA - Lygia Fagundes Telles
MISSA DO GALO - Machado de Assis
PRESEPE - Guimarães Rosa
CONTO DE NATAL - Charles Dickens
O PRESENTE DOS MAGOS - O.Henry
NATAL NA TERRA DAS NEVES - Jack London

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

PAZ

A paz é o cotidiano miúdo que corre em nossas mãos. A panela no fogo, o peixeiro que abre as portas cedinho de manhã, a padaria com seu perfume de pão que se espraia pelas calçadas, no hospital a enfermeira que se prepara para um dia normal de trabalho, o garçom que serve o senhor solitário.
A paz é o cotidiano , é a vida, dia por dia, o casal que se beija na esquina, a mãe que amamenta. As dádivas da paz.
Ontem vi um documentário muito impressionante sobre o que aconteceu em Paris no dia 13. Mas a originalidade do documentário é imensa. Ele não nos mostra as cenas do massacre, mas sim o dia seguinte, e depois, o dia seguinte, até completar uma semana, com as pessoas comuns do bairro. Mostra o bairro inteiro, como as entranhas de um armarinho. E mostra os sentimentos que percorrem as ruas  O que aconteceu com as pessoas do bairro que sobreviveram, como reagiram. E como aos poucos a vida vai se rearrumando, porque a vida quer viver. O documentário se chama La France qui se relève.
Poucos dias antes havia visto um documentário terrível na Globonews sobre o Estado Islâmico, filmado por eles. São os filmes que produzem como material de propaganda , que circulam pelos desvãos da Rede e que foram recolhidos e montados numa sequência.
É apavorante, impressionante, terrível, nenhum adjetivo pode dar conta do que vi.
Não há cotidiano. Tudo é guerra, horror, desordem, avesso. Como disse Guimarães Rosa, é o diabo no meio da rua. Crianças são treinadas para matar. São filmadas matando. O outro não pode existir. Só eu posso existir, com as minhas verdades cheias de sangue, num jogo macabro de espelhos. É Narciso levado às suas últimas consequências.
No bairro onde houve o massacre em Paris, convivem várias religiões, gente de muitos lugares. Convivem em paz. Ou seja, muitas verdades circulam por ali. Muitas maneiras de lidar com a vida, com a sexualidade, com a espiritualidade. Tenho pavor das verdades absolutas. Aceitar o outro e suas crenças, sua maneira de existir, me faz mais rica de mim mesma.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

AMIGOS VIRTUAIS/AMIGOS REAIS

Recebi faz algum tempo, um vídeo que falava dos amigos verdadeiros e do tempo que perdemos com os amigos "virtuais", já que não podemos olhar nos seus olhos, ouvir a sua voz, etc, seria um tempo perdido quando poderíamos estar com os amigos reais.  Que às vezes temos dois mil amigos virtuais mas não temos amigos reais. Li também um artigo da Martha Medeiros sobre as redes em que falava que nas redes somos todos maravilhosos, fantásticos, cheios de compaixão e boa intenção, etc. Nas redes.
E fiquei pensando.
As redes sociais são algo novíssimo.
Quando eu era jovem nem havia internet. Não havia celular. Não havia nada virtual, havia literatura.
Amigos reais também podem ser virtuais. Tenho muitos amigos da minha vida real que estão na minha rede e nos comunicamos.
Amigos virtuais podem tornar-se amigos reais. Conheci várias pessoas da minha rede que foram ao meu encontro.
Amigos reais não excluem os amigos virtuais. Às vezes se interpenetram.
Amigos verdadeiros são raros. São preciosíssimos. São tesouros. Amigos verdadeiros são os que olham dentro da gente. Os que nos aceitam com nossas esquisitices e não querem nos mudar. Os que nos amam sempre. Mesmo que a gente pense diferente. Amigos verdadeiros seguram a nossa mão na beira do abismo. E não se assustam com a gente.
Amigos virtuais são nossos leitores. De muitas maneiras participam da nossa vida, dos nossos êxitos, dos nossos fracassos, também nos ajudam.
Mas é claro que mostramos sempre o nosso lado mais cheio de sol, nossas melhores virtudes nas redes sociais. E isso é bom. É um exercício, como a generosidade é um exercício, a compaixão.
Quem sabe mostrando muito mais as nossas qualidades, não as reforçamos?
Recebo presentes maravilhosos dos amigos virtuais. Fotografias, filmes, palavras de amor e incentivo. Tenho leitores apaixonados. Não saberia da sua existência se não participasse de uma rede social.
Aproveitemos os dois mundos. Para fazer circular nossas ideias e quem sabe ajudar a mudar o mundo.
 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O MELHOR LUGAR DO MUNDO É DENTRO DE UM ABRAÇO

Chovia. A varanda estava molhada e úmida, então o nosso encontro com os alunos do Educandário do Bem aconteceu dentro de casa, na sala e ficou bem aconchegante.
Eles já conheciam muitos dos meus livros e chegaram com perguntas inquietas que não queriam parar dentro da boca, então começamos pelas perguntas surpreendentes que me fizeram.
Renan queria saber como é a mente de um poeta.
Rayane queria saber como é a vida de uma escritora.
Kamilla me perguntou qual o livro que mais gostei de escrever e porque decidi morar em Saquarema.
Victor me perguntou como eu me sentia ao ler uma coisa que eu escrevi.
Aiene queria saber que livro eu gostaria de escrever.
Queriam saber da Babel, a nossa gata que se mudou para as estrelas. Falamos então sobre vida e morte. Falamos sobre os gatos. Disse para eles que a mente de um poeta talvez seja bastante parecida com a mente de um gato.
Eles queriam saber o que é uma editora e como faço para conseguir publicar um livro.
Eles tinham um poço inteiro de curiosidade e falei do meu livro Poço dos Desejos e li alguns poemas do livro. Li o poema do Abraço :

DESEJO DE ABRAÇO
Desejo de abraço
nunca passa.
Abraço é o nó mais delicado
que há.
Um braço aqui e outro lá
e o coração se derrete,
o corpo afunda na mais
gigantesca felicidade.

Fátima disse que tinha no
celular a música "O MELHOR LUGAR DO MUNDO É DENTRO DE UM ABRAÇO"  do J.Quest e pedi para ouvirmos no final.
Li também o poema "Desejo de ouvir o pensamento dos gatos" para falar um pouco da mente dos poetas.
Eles falaram dos seus desejos.
Falamos de leitura, da leitura do mundo.
Eles queriam conhecer as nossas gatas.
Juan buscou a Nana e a energia da sala era tão amorosa que Nana assistiu a tudo no colo do Juan prestando muita atenção. Ela adorou o poema dos gatos.
A Luna, nossa gata persa bem velhinha, é bem tímida, um pouco autista e não gosta de multidão. Vinte pessoas para ela já é multidão.
Fizemos a brincadeira da Orquestra Noturna, do livro Caixinha de Música e finalizamos com a música do J.Quest.
Então, antes do lanche, todos nos abraçamos muito e de verdade.
Havia parado de chover e eles escolhiam o que queriam comer na mesa, bolo, pão recheado feito por mim, panetone, suco, café com leite e iam lanchar no jardim.
Ninguém queria ir embora.
Havia, como no meu poema do livro Poço dos Desejos, um desejo de parar o tempo.  

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

RIOS SUBTERRÂNEOS





Em momentos difíceis, quando o mundo parece mergulhado numa insanidade macabra, há que contemplar, escrever, dançar, cantar, tocar as cordas do coração do outro. Para que nossas vidas tenham o sentido que desejamos que tenha.

Os rios subterrâneos
da felicidade
deságuam nos olhos,
nas mãos e nos gestos
de todo dia.
Há que alimentá-los
com as flores silvestres
que nascem inesperadamente
na curva do arco-íris,
com a tarde lavada
depois da chuva,
com a música
de uma água limpa,
com os primeiros versos
de um poema
que ainda vai nascer
e se equilibra
entre os vãos do tempo.
























segunda-feira, 30 de novembro de 2015

ESCOLAS OCUPADAS

Leio uma reportagem belíssima sobre escolas "ocupadas" pelos alunos em São Paulo.
O que me chama a atenção: a apropriação pelos alunos de um espaço que deveria sempre pertencer a eles e normalmente é um espaço hostil.
Essa apropriação é de uma beleza singular. Os banheiros pichados estão sendo pintados e limpos. O mesmo espaço que era agredido, agora é cuidado.
As salas estão sendo pintadas e a cozinha passará por este mesmo processo. Há amor circulando. Alunos que nem se conheciam agora são irmãos. Feixes de solidariedade e amizade são o cimento desta apropriação.
Jovens discutem educação e dignidade.Os rumos para o país e para suas vidas.
Vejo aí uma nova semente. Mas eu sempre acreditei nisso, que as escolas afastam seus alunos e quando existe na escola literatura e arte, a escola passa a ser um território amado, um espaço para ser cuidado.
Uma vez vi um filme italiano, não me lembro o nome, onde os detentos montavam uma peça de teatro e saiam transformados. A arte salva, uma frase clichê que funciona.
Todos sabemos, com as descobertas da neurociência, que o conhecimento só é fixado com afeto.
E que com literatura e arte, com a criação correndo livre como rios livres pela escola, o olhar para o outro será amoroso e então não haverá bulling .
O que está acontecendo, por um lado, é surreal. O Estado fechando escolas. Teatro do Absurdo.
Por outro lado, nos lembra os momentos mais pungentes da história, onde há uma tomada de consciência, uma virada.
Gostaria de estar lá com estes jovens, lendo poesia com eles.
Estou muito emocionada e que essa história nos aponte um novo caminho.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

EM VISCONDE DE MAUÁ

Aqui em Visconde de Mauá , com rios limpos (razoavelmente limpos) e bosques maravilhosos, posso respirar longe do mundo. Quero ouvir poucas notícias.
Só quero ouvir notícias dos amigos, só quero ouvir poesia e ler livros muito bons.
Só quero pensar pensamentos luminosos, sentir a noite, suas fragrâncias, o cheiro bom da terra quando a chuva cai.
Para que possa continuar viva neste planeta insano.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

CAFÉ , PÃO E TEXTO COM A E.M.JOAQUINA

As crianças da E.M.Joaquina vieram de longe para o nosso encontro Café, Pão e Texto.
As professoras com Elcimar,  a Diretora, são amorosíssimas!!!
A Lilliam, filha da nossa caseira Vanda fez muito sucesso com suas coxinhas de galinha e foi seu primeiro contato com o meu projeto, pude então medir com uma fita métrica de nuvens, o tamanho do seu impacto. Ela ficou encantada.
Tivemos o momento pipi, o momento jardim, o momento poesia.
Apresentei meus novos livros e brincamos muito. Adoro brincar. Eu não tenho idade.
Eles não conheciam o mar!!!
A Secretária de Educação , Miriam Inês, veio com sua equipe e até fotógrafo profissional.
O que acontece aqui é o evento mais luxuoso possível. Crianças e adultos entrelaçados com os fios leves e densos da poesia.
Agradeço a Vanessa Coelho o seu carinho comigo.
E a E.M.Joaquina nos ajuda a pensar que uma educação diferente é possível.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

E.M.JOAQUINA

Amanhã recebo no meu Café, Pão e Texto, a E.M.Joaquina de Oliveira Rangel.
Joaquina foi uma professora que doou seu sítio para fazer uma escola.
A E.M.Joaquina é rural, um sítio em Águas de Juturnaíba, um lugar belíssimo em Araruama.
Sua diretora ,Elcimar, recebeu junto com a Escola uma máquina de costura e faz fantasias para os alunos.
A Escola não tem portões , é toda aberta, mas ninguém foge, pois os alunos são absolutamente apaixonados pela escola.
Leitura e Arte são os personagens principais.
As crianças podem levar seus cachorros.
A Escola cria uma gata e sua ninhada.
Amanhã terei a felicidade de receber além das crianças e Elcimar, a Professora Vanessa Coelho, a Secretária de Educação de Araruama, Miriam Inês, seu Adjunto Ubiratan e Gilzemar, a Vice-Diretora.
Farei um pão recheado e encomendei coxinhas de galinha da Lilliam, a filha da minha caseira Vanda, que é uma grande fazedora de maravilhosos quitutes.
E depois do encontro, com pó de pirlimpimpim, voo para Visconde de Mauá, para ver a minha família.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

ENCONTRO DE LEITURA E LITERATURA NA UNEB

Eu e Bia Hetzel concluímos que , ainda bem, nossa parte humana é bem pequena: somos árvore e baleia.
Quero agradecer ao destino ter conhecido Verbena, a grande organizadora do Encontro de Letura e Literatura da UNEB de Salvador. Fomos recebidas como rainhas numa sucessão de delicadezas. No palco, belíssimo e aconchegante, citei o livro Las Mujeres que leen son peligrosas, e na estante atrás de mim, como num passe de mágica, ali estava o livro em francês. Um luxo ter uma biblioteca no palco!
Agradeço aos leitores baianos que estavam na plateia todo o amor com que nos envolveram e agradeço ao meu amigo Caó Cruz Alves o documentário tão lindo que fez em minha casa.
Agradeço a Bia Hetzel ter dividido o palco e a viagem comigo. Uma árvore poeta e uma baleia escritora se entendem muito bem.
E todo o esforço para fazer este belíssimo encontro merece todos os aplausos do mundo.
Obrigada Verbena e obrigada Salvador.
Fazer um encontro de leitura e literatura em nosso tempo sombrio é um ato de resistência.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

PARA SALVADOR

Hoje começa a estrada para Salvador. Falo junto com minha amiga amada Bia Hetzel na Uneb, dia 11 às 16hs na V ELLUNEB que abre hoje o seu Simpósio de Leitura, homenageando a Cultura Afro , uma homenagem tão necessária nesses tempos de intolerância que estamos vivendo. Quem tem o direito de negar a Mama África e sua mitologia impressionante, seus orixás belíssimos, sua música, suas danças, comidas?. O que seria o Brasil sem o que a Mama África nos deu? Abomino tudo o que está acontecendo hoje em nosso país, esse retrocesso, essa lama tóxica de fanatismo.
Mas eu amo Salvador e lá vou eu .
Caó Cruz Alves vai passar o filme que fez aqui em casa, Visita a Casa Amarela, em sua versão completa, imagino, pois não cheguei a ver o filme inteiro.
Vou contando tudo pelo caminho.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

DESLOCADOS

Há anos acompanhamos a tragédia dos deslocados . São milhões de pessoas . O maior êxodo desde a II Guerra Mundial. Muitas vezes saindo de seus países para morrer no mar, a primeira porta de chegada na Europa. Grécia e Itália convivem com pilhas de mortos. A Espanha também. Muitos saem de seus países por fome, por motivos econômicos. Mas hoje, a população síria vai embora por causa da guerra. A população fica entre o ditador Bashar-Al_Assad e o grupo Ísis. Acompanhamos a terrível insensibilidade européia, principalmente na Sérvia, Hungria, República Checa. Acompanhamos todas as agressões, os muros, os arames farpados. Isso nos traz cenas terríveis dos Campos de Concentração à memória. A Alemanha , impressionante, foi a única que levantou a voz para defender essas pessoas.
Mas ontem assisti a um documentário que me deixou do lado do avesso.
Uma equipe da TV Suíça acompanhou algumas famílias na viagem inimaginável da Síria até a Hungria.
Uma mulher, seus três filhos, um ainda de fralda, seu pai cardíaco, nos explica porque foi embora. Porque na sua cidade estavam matando as crianças. Decapitando e queimando os corpos. Seu pai doente, não queria deixar sua filha sozinha. Então foram atravessando o mar, montanhas, dormindo ao relento. Ficando à mercê de atravessadores. Felizmente são milhares caminhando juntos. Um grupo de rapazes sírios adotou esta jovem senhora e a ajudava a cuidar dos seus filhos e do pai.
Acontece que de repente essas pessoas são como eu ou você. Elas possuem um nome, um rosto, uma história. Elas deixam de ser um corpo anônimo no meio da multidão. A última imagem desta mulher era ela , filhos e seu lindo e dedicado pai doente, entrando num ônibus e no final ficamos sabendo que eles conseguir chegar na Alemanha.
Sua história ficou tatuada em mim.
Todas estas pessoas que fogem da barbárie na Síria, tinham uma vida normal antes da guerra, uma profissão, uma família, uma casa, amigos, almoços de domingo, sonhos.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

E.M.MAGID REPANI DE MAGÉ

Gosto da palavra azáfama.As palavras que os árabes nos deixaram são lindíssimas. O dicionário me diz: grande pressa e ardor para executar uma tarefa.
Pois bem, hoje de manhã corri bastante para deixar tudo ponto para o café da manhã com a E.M.Magid Rapeni, de Magé, R.J.
Kátia Costa me disse que sairiam da escola às 7:00 e de Magé até aqui não é tão longe assim. Umas duas horas.
Acontece que se perderam e chegaram com um pouco de atraso, mas já estava tudo pronto.
Fiz dois pães imensos recheados com muzarela, bolos, pães doces, sucos, café com leite.
As crianças eram pequenas, da terceira série, lindas, maravilhosas.
Um menino passou mal no ônibus, vomitou e tomou um banho no meu banheiro, coitadinho. Mas logo ficou todo animado.
Assim que chegaram correram todos para o jardim.
Como eram pequenos, resolvi fazer muitas brincadeiras com os poemas. E comecei perguntando do que é que eles  brincam na hora do recreio. Para minha surpresa, brincam de tudo de antigamente.
Cabra-cega, amarelinha, queimado, escolinha, casinha, etc.
Li então alguns poemas do livro Brinquedos e Brincadeiras, ed. FTD.
Fizemos a Orquestra Noturna, e Unidunitê, do Caixinha de Música.
Fizemos o Caldeirão da Bruxa, com o Poemas e Comidinhas, ed. Paulus. Eles já haviam visto o vídeo no meu site e amaram fazer o poema e a bruxaria sugerida.
Fizemos o poema Cada Macaco no Seu Galho, do livro Quem Vê Cara Não Vê Coração, ed. Callis e foi divertidíssimo, pois todos imitavam macaco e tinham que trocar de lugar com o amigo.
Depois lancharam , voltaram pro jardim e finalmente o momento mais esperado: O MAR!!!
Muitos não conheciam o mar. Foi muito emocionante.
Na volta limpar os pés no jardim com a mangueira também foi um momento maravilhoso.
A escola tem um IDEB de 6.1,o melhor do Município e assim se pode avaliar a dedicação das professoras e da Diretora Kátia Costa.
Até os motoristas participaram arrumando e desarrumando a varanda para o encontro.
Na hora da despedida todos queriam morar aqui para sempre.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

ESCOLA CLOTILDE

Hoje de manhã recebi a E.M.Clotilde, escola rural de Sampaio Correia, Saquarema, dentro do Projeto Café, Pão e Texto, pelas mãos da Professora Delma.
Não havia mais vaga, pois recebo uma escola por mês e dia 5 já receberei uma escola de Magé. Mas como a Secretaria de Educação de Saquarema me pediu, eu não podia negar.
Eram apenas quinze crianças da quinta série e os professores e o marido da Professora Delma que veio ajudar. Hoje não era dia do nosso caseiro , então esperamos a escola chegar para que todos ajudassem a arrumar a varanda. Clodoaldo, da Secretaria de Educação, o marido da Delma e as professoras e alunos ajudaram a mover mesas e bancos e logo a varanda estava arrumada para o nosso café literário.
Pão, queijo, bolo, sucos, café com leite, sonhos... muita coisa gostosa.
Comecei lendo o conto "Um Presente de Natal" de O'Henry. O conto era grande, por isso eu parava em cada parágrafo para que a gente fosse conversando. As crianças amaram. O conto é belíssimo.
Depois apresentei meu novo livro "Coração à Deriva" com as maravilhosas ilustrações da Cláudia Simões, ed. Rovelle. Contei a história que construí com os poemas, mostrei as aquarelas , li algumas poesias e eles amaram.  Depois fizemos alguns ditados populares do meu livro"Quem vê cara não vê coração", ed. Callis, e então fizemos uma orquestra com o livro "Caixinha de Música" , parceria com meu filho Guga Murray, ed. Manati. Fizemos também o jogo Unidunitê, com meu poema com o mesmo nome.
Fechei com o poema da paz, do meu livro Poço dos Desejos, ed. Moderna.
Café, pão, texto, jardim. A criançada foi toda para o jardim descobrir as orquídeas floridas.
Uma menina com olhos de gato me disse que o maior sonho da vida dela era vir na minha casa me conhecer! e que era louca por orquídeas.
Eles fizeram muitas fotos no jardim, passeavam no jardim como se estivessem no Éden.
E na saída me encheram de beijos e abraços, uma cachoeira de amor.  

sábado, 31 de outubro de 2015

NA PRAIA

Antes mesmo do livro Coração à Deriva, ed. Rovelle, com as lindas aquarelas da Claudia Simões chegar nas minhas mãos, eu já havia tido a ideia de gravar um vídeo na praia para ajudar a divulgar o trabalho. O livro é inteiro de mar.
O problema era : E quem gravaria o vídeo?
Conversando por acaso com o Valdinei Santos, o menino que nos dá suporte técnico na parte de informática, ele disse:
_ Dona Roseana, pode deixar que eu gravo para a senhora. Tenho uma pequena filmadora com ótima resolução.
Combinamos então de gravar no sábado passado, às 17horas.
Quando ele chegou o tempo estava horrível. O céu bem carregado e ventos muito fortes. Ele perguntou:
_ A Senhora não prefere fazer num outro dia? Com o mar azul?
Eu não preferia. Como dentro do livro há uma belíssima tempestade, achei que ficaria ótimo gravar com tempo ruim. Não estava chovendo.
Lá fomos nós.
Eu não havia ensaiado o texto. Pensei: O que vier na hora eu falo.
Na praia o vento fazia muito barulho e o mar também.
Gravamos uma vez. Olhamos o vídeo e parecia bom.
Viemos para casa passar para o computador e o Valdinei dizendo que achava que o barulho do vento iria abafar a minha voz.
Mas que nada! O vídeo ficou ótimo com aquele barulhão do vento e do mar.
E porque conto os bastidores do vídeo? Para falar que o Valdinei, que trabalha muito numa empresa de informática, sem hora para voltar para casa, um menino que vive tão longe dos livros, foi possuído por uma grande felicidade  ao gravar este vídeo para o meu livro.
Ele, por algum tempo, viveu comigo uma forte emoção, uma experiência muito diferente . Ele se sentiu um artista também.
Quanta gente maravilhosa existe no mundo.
O vídeo está disponível no youtube, no meu site e no facebook.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

FLORES RARAS

Ontem revi o filme Flores Raras que ainda é mais belo que o livro, a história de amor entre Lota e Elizabeth Bishop. Os momentos em que a poeta está criando são de uma intensidade, como os versos vão se formando dentro dela, o seu processo de criação, é muito emocionante.
Que poeta maravilhosa.
Um de seus poemas mais belos e conhecidos, foi lido num dos encontros do nosso Clube de Leitura pela Professora Zete, que veio do sertão da Bahia para nos conhecer:
 

Uma Arte

A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você ( a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.


Elizabeth Bishop; tradução de Paulo Henriques Brito

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O QUE EXISTE DENTRO DA CABEÇA DE UM POETA?

Aqui em Saquarema, no bairro de Bacaxá, há uma ONG que se chama educandário do Bem. Sua Diretora, Fátima Alves, faz um trabalho belíssimo com alunos da rede municipal no contra-turno, com aulas de teatro, dança, contação de histórias, reforço escolar.
Ela me pediu para trazer seus meninos e meninos para um café literário no meu projeto Café, Pão e Texto. Eles estão lendo meus poemas e muito impressionados, querem saber "o que existe dentro da cabeça de um poeta"  .
Não sei se conseguirei responder. Mas acho que assim como um músico usa o corpo e o instrumento (que pode ser a voz) para construir um mundo, o poeta já tem o mundo construído, mas ele tem que fazer recortes e para isso há que afiar os olhos e ver. E principalmente mergulhar no que vê, às vezes de tal maneira, que se transforma no que vê. E a matéria do poeta são as palavras. Por isso, mesmo quando não estou escrevendo poemas, e posso passar longos períodos sem escrever, estou escrevendo dentro de mim. E se estou lendo e estou sempre lendo, também estou escrevendo , mesmo que a leitura seja ficção ou ensaio, meus olhos estão sempre buscando a poesia dentro do texto.
Hoje, quando caminhava, havia no meio fio de uma rua uma explosão de flores silvestres. Eram brancas , bem pequenas, mas de um branco esverdeado, como se feitas de água. Elas são um poema que ainda não foi escrito.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

NÓS, OS PERECÍVEIS

Sei quando Neruda entrou na minha vida: pelas mãos da Bárbara , uma pintora chilena que hospedamos em nossa casa logo depois do golpe do Chile, ela , sua mãe, uma escultora, Teresa Vicuña e a filha Tatane. Teresa logo foi embora para Paris e Bárbara e Tatane ficaram um ano morando conosco até sair o visto de permanência. Depois a vida nos separou.
Mas Bárbara trazia entre seus pouquíssimos pertences, e uma vida desfeita, um volume dos "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada" . E nunca mais Neruda saiu da minha vida com suas imagens arrebatadoras, sua poesia caudalosa, imensa.
Tenho um pequeno livro que se chama "Ainda" e nesse livro há um poema que amo e que já li muitas e muitas vezes e sempre me emociona:

XV

Nós, os perecíveis, tocamos metais,
vento, margens do oceano, pedras,
sabendo que continuarão, imóveis ou ardentes,
e eu fui descobrindo, nomeando todas as coisas:
foi meu destino amar e despedir-me.

in Ainda, José Olympio, tradução de Olga Savary

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O CIRCO

Recebo uma nova edição  de um livro muito antigo, que primeiro foi editado pela Miguilim na década de 80 e depois refeito pela Paulus em 2011 com ilustrações espetaculares do cartunista e cineasta baiano Caó Cruz Alves.
Adoro este livro e as crianças também. Já perdi a conta de quantos circos vi nas escolas construídos com estes poemas.
O circo, para as crianças, é como um conto de fadas, e para os adultos também, basta ver o sucesso do Cirque du Soleil . Eles nos jogam dentro de um não tempo de pura magia, onde se misturam ternura, medo, enlevo.
Fiz os poemas como se estivesse construindo um circo: primeiro o circo anuncia a sua chegada na cidade, depois entram os operários, depois do circo montado dou licença poética para os meninos e meninas que não podem pagar a entrada possam ver o espetáculo de qualquer maneira e então vou introduzindo os personagens , começando com o Mestre de Cerimônias.
Adoro o poema da bailarina :

A BAILARINA

Caminha na ponta dos pés
a bailarina,
como se o circo fosse feito
de neblina:
vai bailar a bailarina,
vai voar a bailarina
e é tão fina, tão fina...
vira vento a bailarina,
vira nuvem, vira ilha,
e num último salto
ilumina o palco,
transformando o silêncio
em maravilha.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

AO MESMO TEMPO

Num fim de tarde, quando meu filho Guga tinha uns 6 ou 7 anos, entrávamos na Rua Citiso onde morávamos no Rio Comprido, no Rio de Janeiro, e de repente ele parou, me puxou pelo braço e disse:
_ Mãe, sabia que agora mesmo, neste minuto, estão acontecendo muitas coisas ao mesmo tempo?

Naquele instante ele teve a percepção do mundo, da simultaneidade dos acontecimentos.

Ao mesmo tempo o Brasil está quase no fundo de um poço escuro, com verbas da educação e saúde sendo cortadas, investimentos primordiais para a vida humana, ao mesmo tempo o sonho de um Estado Palestino parece cada vez mais impossível, ao mesmo tempo a Guerra da Síria, o estado Islâmico, as doenças na África, o deslocamento de milhares de seres humanos, ao mesmo tempo mapas que provavelmente serão redesenhados.
Mas também ao mesmo tempo a dádiva da vida, crianças e jovens com os olhos e os corações bem acesos, pequenas e grandes descobertas.

Ao mesmo tempo a poesia.


sábado, 24 de outubro de 2015

PACIFICAÇÃO PELA LITERATURA

Recebo a mensagem mais maravilhosa do mundo. Andre de Paiva me escreve:

"De todo coração agradeço sua presença no encerramento da Flupp em Olaria.  Quisera que todos os autores pudessem "invadir" nossas comunidades regularmente, eletrizando e conquistando as mentes e corações dos jovens leitores.  Seus livros, sua literatura é um presente valioso para a cultura brasileira.  A literatura é a verdadeira "pacificação", abaixo as armas e a violência, viva a leitura e a escrita !! Beijos e abraços em meu nome e de toda nossa Escola Odilon de Andrade.  Volte sempre (mesmo) !! Se possível, conte a todos o que viu e ouviu, despertando o interesse dos produtores culturais de todo o Brasil pelas comunidades carentes de literatura.  Juntos, vamos transformar essa cidade!   Beijos e abraços, de todos nós."

Que maravilha o que ele diz!!!!! Uma pacificação pela literatura e arte. Mas se é só nisso que acredito e em mais nada!!!
Oito escolas de Olaria foram "atingidas" mas acontece que é preciso que todas as crianças recebam esta cachoeira em seus corpos e mentes.
O que vi no palco, em Olaria: crianças e jovens lendo fluentemente, sem nenhuma hesitação.
Crianças e jovens criando cenários e maneiras de expressão.
Crianças e jovens fazendo um resumo oral das histórias que leram com uma segurança e uma graça de tirar o fôlego.
Mas é tão óbvio que essa é a solução. Por que não enxergam isso? E o que acontece são algumas explosões de felicidade numa noite escura e quase sem saída de mortes e violência.
Que possam contar comigo pois me apaixonei pelos meninos e meninas da E.M.Brasil e por todos os outros das outras escolas , crianças e jovens com uma capacidade de amar e fabricar arte maior do que a nossa galáxia.
Que todos os educadores, artistas e professores se unam para preencher com arte e literatura os buracos negros da sociedade brasileira.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

UM TERREMOTO EM OLARIA

Ontem fui testemunha, junto com Bráulio Tavares, Flávio Carneiro e Nilma Lacerda de um terremoto em Olaria. (Marina Colasanti e Roger Mello não puderam ir). Mais precisamente no Olaria Atlético Clube. Mais precisamente um terremoto de literatura promovido pela Flupp Parque.
Ontem, entre 800 e 1000 crianças e jovens lotavam o salão imenso com suas escolas organizadas em torcidas musicais, pois era o dia da grande gincana. Cada escola adotou um autor e leu pelo lado direito e pelo avesso alguns livros de cada autor escolhido.
E na chegada cada autor era recebido com percussão, música, gritos, dança, era acolhido num turbilhão imenso de amor. Então além do terremoto havia um furacão na chegada.
E ao final da gincana haveria um único vencedor, mas com a ressalva de que todas as escolas eram vencedoras, pois apostando na literatura e na arte, todos estavam salvos.
Houve um milagre nos dias da gincana. As escolas, que antes eram rivais, com muita música, poesia, contos, uma rede de histórias, se aproximaram e vibravam juntas e aplaudiam a outra escola quando se apresentava no palco.
Cada escola fez o cantinho do seu autor. Cada escola montou alguma coisa com a obra ou a vida do autor, cada escola respondeu a tantas questões sobre a vida do autor. E posso jurar que já era mais do que um terremoto furacão de aplausos, gritos, fúria emotiva: era um verdadeiro tsunami de amor que numa onda gigantesca nos levava pelos ares.
Crianças e jovens, extremamente musicais, com percussão e pandeiros, eram a mais maravilhosa expressão da alegria.
Como posso agradecer a E.M.Brasil e a todo o pessoal da Flupp por ter me adotado?

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

PÃO NEGRO

Termino de ler um livro maravilhoso de uma autora italiana, Miriam Mafai. O livro se chama Pane Nero, Pão Negro e é um retrato imenso da Itália desde o minuto em que Mussolini aparece no balcão do Palácio para anunciar que a Itália entrou na Guerra até a rendição final . Mas a originalidade do livro é que a história é contada através de depoimentos de mulheres que existiram. Elas dizem sempre assim: No dia tal quando aconteceu isso eu estava em tal lugar fazendo tal coisa. E através destes pequenos retalhos de tempo e espaço vamos construindo o grande mosaico da fome , dos absurdos que a guerra engendra, da loucura que foi o fascismo, do perigo que o populismo representa.
E também mais uma vez nos assombramos com a força das mulheres que ficaram sozinhas sem seus pais ou sem os maridos e tiveram que enfrentar muitas guerras além da própria Guerra.
Livro surpreendente.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

UMA ESCOLA EM GORIN

Faz algum tempo passei meu chapéu de poeta para ajudar a Monique Malfatto e sua associação Coup de Pouce Nord Sud a construir uma escola de Educação Infantil em Gorin, Burkina Faso, África.
Muitos amigos virtuais e reais me ajudaram. Agora está chegando a hora de enviar o dinheiro para a França. Assim que os bancos voltarem a funcionar. Infelizmente o euro está altíssimo e vamos perder muito. Mas o que importa é que tantos pessoas se emocionaram junto comigo e me ajudaram e estão fabricando junto com a Associação Coup de Pouce uma escola que será construída num dos lugares mais pobres do mundo.
Evelyn Kligerman fará uma placa de cerâmica para assinalar a nossa presença. Monica Botkay, nossa grande amiga em comum, levará a placa para a França em abril e entregará nas mãos da Monica. Assim é o tecido das redes poéticas. A cerâmica é frágil e tem que ser levada com cuidado, assim como a amizade e a poesia.
Monique me enviou uma mensagem linda agradecendo a todos:

"Roseana   tu trouveras ci-joint le rib de la banque de coup de pouce où tu pourras faire le virement
nous ne savons comment te remercier, toi et tous ces amis inconnus, au-delà de l'argent c'est un formidable message de paix, de solidarité et d'amour qui est transmis au village de Gorin
en décembre, lors de notre mission, nous étudierons la meilleure façon de construire cette classe maternelle, en fonction de nos moyens et de nos forces.
merci de transmettre ce message à tous"
beijos y saudade

terça-feira, 20 de outubro de 2015

DIMENSÕES

Passar da montanha para o mar é quase uma viagem interplanetária. São dimensões tão diferentes que para atravessar este espaço gasto muita energia. No dia em que chego tenho que mastigar a mudança.
Mas hoje já estou aqui na minha mesa, nas minhas costas o mar, na minha frente jardins, telhados e lá longe também a montanha.
Retomo os meus fazeres como se me sentasse outra vez num tear  onde a trama da vida e da poesia pedisse o toque das minhas mãos.
 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

ATRIUM

Estou em Resende, na Atrium Escola de Música . É minha última escala antes de chegar na montanha.
Esta é uma casa maluca, como diz meu poema:
"Esta é uma casa maluca
de velas soltas ao vento
os sonhos são sua bússola
os que moram dentro dela
pensam estrelas e música"
...................................................................
Aqui se respira música, literatura, se respira arte,num casarão centenário, tombado.
Há uma sala de espera para os pais e alunos, mas como no meu poema
"aqui o tempo não passa
o tempo senta e descansa"
...................................................
pois há livros espalhados pela sala, ao alcance da mão e a Atrium agora é também livraria infantil.
Minhas mãos alcançam os Cem sonetos de Amor do Neruda que amo de paixão perdida e os poemas que Vinicius fez para o poeta quando da sua morte.
A Atrium , com sua oficina de loucuras incessantes me enche de orgulho, pois meu filho Guga Murray e Patrícia de Arias são "artesãos do sentimento".

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

ARMAÇÃO LITERÁRIA DE BÚZIOS

Começo agora a mais linda viagem junto com meu filho Guga Murray, Patricia de Arias, minha nora e meu neto Luis de seis anos. Vamos para Búzios em sua primeira Feira Literária. Hoje faço um bate-papo com meus leitores às 21 horas e Guga e Patrícia sobem ao palco para apresentar o Livro-Concerto Fio de Lua&Raio de Sol. Luis é o técnico de imagens, compenetradíssimo em seu trabalho.
E domingo vamos para Resende e segunda vou para a minha casinha na montanha, dentro da mata. Levo livros, os poemas novos para trabalhar um pouco. E na montanha viro águia, voo.
Escreverei quando puder, mas lá não tenho internet. Estarei portanto ausente alguns dias. Não se esqueçam de mim!!!.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

LIVRO NOVO

Um dia Claudia Simões, minha amiga bem de antigamente, que fez as aquarelas do livro Abecedário (Poético) de Frutas e ganhou o Prêmio de Ilustradora Revelação da F.N.L.I.J, era seu primeiro livro, me telefonou e disse:
- Ando obcecada com umas sereias. Só quero pintar sereias. Você não quer fazer uns poemas para elas?
Pedi que me mandasse as imagens. A primeira imagem que vi era uma sereia pendurada na lua!
Criei com meus poemas uma fio narrativo e na verdade transformei as várias sereias em uma só.
Criei uma belíssima história de amor. Mas um amor grande demais, porque impossível.
O livro é belíssimo. As aquarelas da Cláudia são arrebatadoras.
Espero que nossas sereias consigam chegar até a pedra dourada que há no coração de cada um.
O livro se chama CORAÇÃO À DERIVA, ed. Rovelle e semana que vem estará disponível.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

CONVERSA

Como se conversa com os jovens sobre poesia? Primeiro há que lembrar a eles que a poesia trabalha dentro da gente de uma maneira muito diferente da ficção. Quando lemos um conto ou um romance caminhamos numa estrada rumo ao final. Mas a poesia não tem rumo e nem estrada. A poesia trabalha com fragmentos, cortes, símbolos, metáforas, o alargamento do sentido das palavras. E quando o poema acende o leitor, dá um choque no leitor, então algo maravilhoso acontece: o poema se torna necessário, muitas vezes imprescindível e o leitor se apropria do poema.
Em 1990 conheci uma pequena leitora que esteve hospitalizada sem poder andar.  Ela ganhou meu livro Classificados Poéticos e ao ler meu poema

Quero asas de borboleta azul
para que eu encontre
o caminho do vento
o caminho da noite
a janela do tempo
o caminho de mim

ela disse que era a borboleta azul e que voltaria a andar. Quando voltou a andar disse que ela havia escrito o poema. Tudo isso sua mãe me contou em Garibaldi, no R.S e quando fui ao seu encontro  ela me entregou um bilhete que dizia : "nunca deixe de fazer poemas para as crianças." Era mais ou menos assim.
Ontem conversava com os jovens na E.M Elcira aqui em Saquarema e fui construindo com eles uma teia poética. Contei como foi meu processo de criação no livro Cinco Sentidos e Outros e eles tinham que dizer que sentidos estavam envolvidos nos poemas que eu ia lendo.
Falei para eles como a poesia pode também ser um desabafo e como é terapêutica , curativa.
Uma menina leu um poema que havia feito para mim, ela estava muito emocionada. O poema tem meu nome e seu nome é Anaelize.

ROSEANA

A vida lhe ensina a viver,
lhe ensina a sonhar,
lhe ensina a recitar,
lhe ensina a amar,
lhe ensina a chorar,
lhe ensina a cantar,
lhe ensina a aprender,
lhe ensina a sofrer,
pois a vida é bela,
bela a vida é.
Roseana é o nome da poesia,
como um livro em pé,
como maria - fumaça,
a brilhar em cada vagão,
a brilhar em cada estação.

Anaelize

terça-feira, 6 de outubro de 2015

ZONA RURAL

Saquarema tem uma parte rural belíssima. Todos os dias caminho pelas ruas de dentro que também são maravilhosas. Parece que voltei ao Grajaú da minha infância.
Hoje farei uma visita a uma escola rural , a E.M.Elcira. As crianças vieram ao meu Café, Pão e Texto e agora me convidaram para um café da manhã.
Todos os dias há que abrir uma caixinha de música.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O TEMPO

Maria Clara, uma leitora do nosso Clube, nos trouxe um poema belíssimo do Álvaro Mútis, que além de romancista é um grande poeta:

SONATA
Outra vez mais te trouxe a mão do tempo
ao círculo de meus funéreos sonhos.
Tua pele, certa umidade salina,
teus olhos assombrados de outros dias,
vieram com tua voz, teu cabelo.
O tempo, menina, que trabalha
como loba que enterra sua ninhada,
como ferrugem nas armas de caça,
como sargaço na quilha do navio,
como língua que lambe o sal do sono,
como o ar que se escapa das minas,
como trem na escuridão dos ermos.
Do seu trabalho opaco nos nutrimos
como pão ázimo ou rançosa carne
secada à febre de todos os guetos.
Sob a sombra do tempo, amiga minha,
uma água mansa de açude me devolve
o que guardo de ti para ajudar-me.

domingo, 4 de outubro de 2015

MESTRES DO AMOR

Há uma magia e um mistério nos encontros.  No Clube de Leitura da Casa Amarela essa maravilhosa alquimia sempre se repete.
Ontem discutimos Judas, do Amos Óz e A Última Escala do Velho Cargueiro, do grande escritor colombiano Álvaro Mútis.
Cristiano, que foi quem sugeriu a leitura do Judas, não pode vir, mas me escreveu pelo whatsup oferecendo uma chave para o elo entre os dois romances:
“ Puxe pelas duas mulheres dos romances. São personagens extraordinárias. Mestres do amor, como Diadorim foi para Riobaldo”.
Suzana Vargas sugeriu que um bom começo seria ler um trecho do velho cargueiro. Ela sempre faz isso em seus encontros de leitura.
Adorei a idéia e escolhi o primeiro encontro do narrador com o navio, quando vai a Helsinque e quer chegar ao extremo da Finlândia para ver as cúpulas douradas de São Petersburgo. Felipe Lacerda, que voltou ao Clube quase depois de um ano de ausência, leu em voz alta, já que além de ter passado em primeiro lugar no concurso para professor em Duque de Caxias, é ator.
Há uma beleza tão imensa nesta cena, é tudo tão absolutamente perfeito, que todos ficamos sem fôlego e a partir daí recontamos o romance que tem dois narradores, já quem um deles conta a história que ouve de outro. E o livro é uma incrível história de amor. E ao unir as duas mulheres dos dois livros ,Warda e Atalia,  que são duas mestres do amor, foi possível começar a discutir o Judas,  um dos melhores livros que já na vida.  Fizemos a mesma coisa, comecei lendo o primeiro parágrafo:
“ Eis aí uma história dos dias de inverno no final de 1959 e início de 1960. Nesta história há erro e desejo, há amor frustrado e certa questão religiosa que ficou aqui sem resposta. Em alguns prédios ainda se reconhecem os sinais da guerra que há dez anos dividiu a cidade. Ao fundo dá para ouvir o toque distante de um acordeão ou os sons nostálgicos de uma gaita ao entardecer, por trás de uma persiana cerrada.”
O romance inteiro já está aí, concordamos todos. Neste trecho mínimo Amos Oz já nos joga neste lugar, Jersusalém dos anos 60, já nos situa historicamente, falando das ruínas da Guerra da Independência, e nos fala de erro e desejo, e ao evocar os sons nostálgicos da gaita, também nos fala de memória.
E a maior questão do livro que tem muitas e muitas camadas é a traição.
Suzana Vargas disse que a epígrafe também diz o livro inteiro:
“Eis que corre o traidor na beira do campo.
Não ao vivo, mas ao morto que há nele a pedra mirava.
Nathan Alterman”
Shmuel, o estudante, nos é oferecido em sua inteireza quebrada.
Ele perde tudo de uma só vez: a namorada, a mesada dos pais para poder estudar, a irmã que vai para a Itália.
Então começa a sua aventura, ao aceitar o emprego de “distrair” e cuidar um pouco do velho intelectual, Guershom Wald.
Shmuel  escreve sua tese. A de que Judas não era um traidor, mas sim o discípulo que mais amou Jesus.
O próprio avô de Shmuel foi considerado traidor pelos israelenses e assassinado, quando na verdade era um agente duplo.
O pai de Atalia foi considerado um traidor, pois antes da Declaração do Estado de Israel pela ONU, ele pregava um não Estado, com árabes e israelenses vivendo juntos e misturados, sem fronteiras. Ele, como um profeta, já previa a carnificina futura.
Então Amos Óz, concordamos todos, desarruma o conceito de traição.
Os traços físicos, o cheiro de cada personagem é tantas vezes reforçado, que eles saem do livro e estão ali, bem diante dos nossos olhos, de carne e osso.
Suzana Vargas mos diz que Amós Oz parece que escreve fazendo cinema.
Gilcilene fez um depoimento lindíssimo. Ela disse que a cada encontro do livro seus preconceitos são destruídos, há uma desconstrução de tantas idéias preconcebidas que ela tinha.
Fernando, Helio, Cesar, Flora, tantos falaram sobre a traição de Judas, e do que seria o mundo e o cristianismo se o judaísmo tivesse aceito Jesus. Shmuel , em sua tese, sustenta que, ao contrário, não foi uma traição. Judas não era um traidor. Abravanel não era um traidor, o avô do Shmuel não era um traidor.
Falamos todos da beleza e do cuidado que havia entre Shmuel, o estudante e Guershom, o velho.
Do cuidado com que Alalia, a mulher misteriosa e inalcançável tem com o estudante, ela, a sua “mestre do amor”.
Messias , que não pode vir, também me mandou um whatsup sugerindo:
“ Um dos clímax do livro é a carta da irmã!!!! Quase a metonímia do enredo do romance...”
Lemos então um trecho da carta, belíssima, da irmã que vai para a Itália e pede ao irmão que não pare de estudar.
Na verdade esta é a única relação familiar não destroçada.
Maria Clara leu o trecho em que Guershom fala que Atalia, sua nora é sua “Koná”, que no hebraico contemporâneo, feminino de “koné”, quer dizer compradora, mas no hebraico bíblico tem o sentido de criador e dono. Assim, Atália era a sua “dona”.
E foi impossível esgotar todas as maravilhas do livro que merece uma segunda leitura, uma terceira.
Assim, de literatura, pão e vinho, a amizade de todos do grupo, a cada encontro se alimenta e fortalece.

O almoço estava magnífico.  

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

APESAR

Apesar do governo estar jogando o país num abismo que parece não ter fundo, a vida tem que ser vivida.
Não há vergonha . Os políticos fazem abertamente acordos horrendos para se salvar. . Como se estivéssemos em pleno carnaval. Mas as suas fantasias são macabras e não são fantasias, São a própria pele.
Apesar de tudo o que está acontecendo temos que ir em frente, pois a seta que aponta para o próximo minuto não nos deixa parar.
Entretanto, temos que fazer escolhas. É esse Brasil que queremos?
E como a vida tem que ser vivida da maneira mais bela e limpa possível, amanhã é o nosso encontro do Clube da Casa Amarela.
Vamos discutir Judas, do Amoz Óz e A Ultima Escala do Velho Cargueiro, do Álvaro Mútis.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

E.M.BRASIL E FLUPP

Ontem, em Olaria, ao chegar no portão da E.M.BRASIL fui recebida amorosamente e calorosamente com aplausos por um grupo de jovens. Um amigo, William Amorim, me disse que ao ver a foto da chegada, que esse acolhimento lhe devolvia a esperança no Brasil.
Porque a E.M.Brasil, entre as favelas do Alemão e da Maré, com 1100 alunos nos ensina que há uma outra maneira de fazer educação. Logo ao chegar na Sala dos Professores, a atmosfera era de afeto e descontração. Não havia nenhum professor vestido com uma armadura medieval. Percorri muitas salas que estavam em aula. Um grupo de alunos me levou para fazer a visita. Era assim, uma aluna do grupo abria a porta e me apresentava, mas eu não podia acreditar no que via. Numa das salas aula de música, na outra um grupo trabalhando com artes plásticas e numa outra, numa aula normal , todos numa postura descontraída, participando com alegria.
A FLUPP é um evento gigantesco , a Feira Literária da Periferia,  não é apenas um evento, pois trabalha com formação de leitores. A E,M.Brasil é uma das oito escolas que participam da FLUPP.
A escola está mergulhada na minha obra. Até os pais da Educação Infantil participaram junto com as crianças de uma oficina  de pintura com meu livro Um Gato Marinheiro! Pais e pequenininhos pintando e lendo juntos.
A escola inteira estava vestida com uma camiseta que os alunos idealizaram na aula de Artes Plásticas, com o letreiro "Caminhos de Murray" até os professores!
Nosso encontro foi na Sala de Leitura que é o coração da escola. A sala estava lotada, alunos menores e maiores sentados nas cadeiras e no chão, em forma de mandala. Rosângela, a coordenadora da Sala, incansável na sua delicadeza, havia preparado para os alunos uma mesa lindíssima para este Café Literário.
Conversamos sobre muitas coisas, lemos poemas, eu acho que foi um belíssimo encontro, pois todos estavam muito envolvidos e compenetrados. às vezes o silêncio dos alunos fala mais do que muitas palavras.
Tenho certeza que tudo o que falamos ficará dentro de cada um e se desdobrará em mil e uma maneiras de ver a vida.
Dia 22 de outubro será o grande encontro no Clube de Olaria, pois a FLUPP é uma grande gincana literária e eu estarei presente.
Mas a minha pergunta é a seguinte: Por que todas as escolas do Brasil não são como a E.M.Brasil que ao colocar a literatura e todas as artes em primeiro plano, consegue a expansão dos seres humanos , a sua transformação em pessoas maravilhosas com todos os seus dons à flor da pele, com todas as possibilidades para crescer e viver uma vida plena?

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

PEQUENO POEMA INFINITO

Quando morei em Madrid, recolhi textos do Lorca menos conhecidos para meu amigo José Mauro Brant, apaixonado pelo poeta. Por acaso fui ver um Concerto com um ator-cantor , espetáculo montado em cima das conferências que Lorca fez e que chamou de "Como Canta uma Cidade de Novembro a Novembro". Trouxe o CD para o Zé Mauro .
José Mauro costurou todo o material que tinha com uma maestria impressionante. E me pediu para traduzir. Primeiro disse que não, como traduzir Lorca? Como traduzir um poeta que escreve com vento, sangue e fogo? Mas o meu amigo insistiu e acabei aceitando o imenso desafio. Digamos que fiz a tradução num estado alterado de poesia, com todo o meu corpo e não só a mente, de olhos semi cerrados, busquei às vezes, para poder ir ao encontro da sua escrita maravilhosa, uma penumbra dentro de mim.
Ontem , porque queria enviar alguns trechos para um amigo que mora longe, já que conversamos horas sobre poesia, reli o pequeno livro que foi publicado pela Imprensa Oficial de São Paulo em 2009 e que não está disponível, infelizmente.  Eu que empresto, dou, perco tantos livros, juro que este nunca perderei.
O livro é magnífico porque os textos são arrebatadores . E a peça montada foi uma das maiores emoções da minha vida. José Mauro Brant era o Lorca no palco. Lorca estava ali, a cada noite a plateia sentia o milagre, Lorca vivo, de corpo e alma.

"A poesia é algo que anda pelas ruas. Que se move, que passa ao nosso lado. Todas as coisas têm o seu mistério e a poesia é o mistério que contém todas as coisas. Se passamos junto de um homem, se olhamos uma mulher, se adivinhamos a marcha oblíqua de um cão, em cada um desses objetos humanos está a poesia"

Federico García Lorca

domingo, 27 de setembro de 2015

ATELIÊ DE CERÂMICA

Meu pai conta que tinha um tio ceramista na Polônia. Meu pai saiu do país com 14 anos, antes da guerra e o tio ficou. Ninguém da família que tenha ficado sobreviveu. 
E minha irmã é ceramista desde quando tinha uns 17 anos. É uma das grandes ceramistas do Brasil. 
Meu cunhado Luis Mérigo é ceramista. Ele veio do México e se casaram.
O ateliê que criaram em Visconde de Mauá é alucinante. Está numa outra dimensão.
Quem for a Mauá não deixe de visitá-lo. É uma experiência sensorial.


No Ateliê Kligerman & Mérigo a poesia se transforma em cerâmica.
As formas dançam e se transmutam o tempo todo. A xícara onde uma araucária é acariciada pelo vento antes de receber o café. Uma escultura que voa. Um saleiro ,um jarro, uma fruteira, uma placa com os desenhos mais loucos e belos, um porta colheres.  Aqui não há hierarquia. Tudo é arte e impregna as paredes e o chão da sala com a beleza mais pura.
A cada dia saem peças únicas e novas criações fabricadas diante dos olhos atônitos de quem chega.
O barro, ofício ancestral, é voo nas mãos da Evelyn Kligerman e Luis Mérigo 

sábado, 26 de setembro de 2015

QUADRO VIVO

Acordo muito cedo. É noite.
passo um café abro a porta.
Gosto de ficar no escuro
feito um gato.
A música do mar desaba
intermitentemente sobre a casa.
Nos seus intervalos respiro.
O jardim é um emaranhado de sombras.
recebo em meu corpo
as últimas lufadas da noite.
Uma luz tão tênue já se espraia.
Estou viva dentro de um quadro vivo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Gosto não se discute, mas eu não gosto de calor e tem gente que gosta.
Em meu livro "Quem vê cara não vê Coração", da Ed. Callis/Houaiss, falo disso num poema. O livro é todo de ditados populares. Quando leio esse poema, para crianças, jovens ou adultos, sempre aplaudem no final. Então, se vocês quiserem podem aplaudir, eu vou adorar e quem sabe sobreviverei ao calor que está apenas começando:

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Eu gosto de azul,
você gosta de laranja,
eu gosto de caju,
você gosta de pitanga,
eu gosto de escuro,
você gosta de luar,
eu gosto de bosque,
você gosta de mar,
eu gosto de seda,
você gosta de algodão,
eu gosto de cão,
você gosta de gato,
eu gosto de girassol,
você gosta de jasmim,
mas o que importa
é que eu gosto de você
e você gosta de mim.


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

TEXTOS CURTOS

Nos deparamos o tempo todo com textos curtos no facebook, com alguma mensagem, uma bela imagem. Eles nos fazem bem. É como o roçar de uma fragrância boa.
Hoje li que a felicidade pode estar no seu quintal enquanto você está procurando um trevo de quatro folhas.
O que mais me produz felicidade é doar alguma coisa para alguém. Produzir beleza. Receber as escolas na minha casa.  O nosso Clube de Leitura. Ter meus filhos, netos, irmã, cunhado, todo mundo em contato.Ter meus amigos perto. As gatas e Juan ao meu lado. Meus leitores. A felicidade completa é ler um livro maravilhoso. Comer uma comida boa.
A felicidade é uma conquista diária. Apesar de todas as tristezas, do desconcerto que é o mundo, apesar dos limites.
O trevo de quatro folhas é uma escolha. Mas pelo sim pelo não é bom ter um no bolso.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

OFICINA DE ESCRITA

Uma escola particular de Rio das Ostras me ofereceu um trabalho: uma "palestra" para os jovens da quinta série sobre escrita.
Lá fui eu. A escola Casulo é maravilhosa e fiz também encontros com a quarta serie na biblioteca. Foi muito bom. Brincamos muito!!!
O que se fala com jovens da quinta série sobre escrita? A única coisa que sei é que para escrever bem é preciso ser leitor. Eles são tão pequenos ainda! Mas adoram ler.
Com a turma da manhã propus discutirmos a existência. Quem sou eu? Que tamanho ocupo no mundo?
Pedi que rabiscassem algumas linhas sobre isso. E saiu cada texto lindo! Eles ficaram muito felizes com a minha proposta . Li em voz alta alguns textos fazendo comentários e foi um sucesso.

Pela tarde contei para eles o conceito do UBUNTU. Eu sou eu e sou você. Sem o outro não existo. Falamos sobre isso. Novamente pedi que escrevessem algumas linhas . E novamente alguns textos foram lidos e afinal os encontros foram um sucesso.

Mas eu fiquei quebrada. A minha coluna operada não aguenta este ritmo de viagens e estou tendo que desmarcar algumas. Lidar com limites é uma renúncia muito dura. É um aprendizado contínuo, uma lição de humildade. Mas a gente vai aprendendo o que pode e o que não pode. É como brincar de bem-me-quer, mal-me-quer... isso posso fazer, isso não posso... mas estou feliz porque posso muita coisa!!! E antes não podia nada.

domingo, 20 de setembro de 2015

PESCADORES DE TEMPO

O que somos senão pescadores de tempo?

CAVALOS SELVAGENS

Arrumo flores
nas bordas do dia,
encosto o ouvido no chão
para ouvir o tropel
dos cavalos selvagens
que desde sempre
atravessaram os sonhos.
No fim da noite
recolho o silêncio da rotação
da Terra,
eu, pescador de tempo.

Do meu livro Carteira de Identidade, Lê Editora

sábado, 19 de setembro de 2015

SAQUAREMA

Chegar em casa é mergulhar na música do oceano, mergulhar no azul, no perfume levemente adocicado das algas.É bom.
Mas a próxima semana é cheia de acontecimentos.
Segunda darei uma oficina em Rio das Ostras. E terça volto para São Paulo para a entrega do Prêmio Comunique-se de jornalismo. Juan Arias, meu marido, ficou entre os três finalistas, o que já é um prêmio. Só se sabe na hora quem é o vencedor.  E na quarta vou conhecer a redação do jornal El País em São Paulo e almoçar com o Diretor, que é um excelente escritor e leitor. Não vamos falar nem de política nem do jornal, vamos falar de literatura.
Estou relendo Judas do Amós Oz para o Clube de Leitura. Que livro esplêndido. Estou absolutamente impactada outra vez. Como escreve bem o Amós Oz. E que pessoa magnífica, sempre lutando pela paz. Aconselho a sua leitura. Tenho uma pilha de livros para ler. Não há nada melhor.
  

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

ARAÇARIGUAMA E SANTANA DE PARNAÍBA

Araçariguama é uma gracinha. Uma pequena cidade do interior com uma bela Igreja azul.
Ao chegar na Biblioteca, tive a surpresa de saber que cada criança ganharia um livro! Os livros comprados foram Poemas de Céu e Duas Amigas da Paulus.
Lá na frente, um homem ensaiava com um violão. Era o Michel, músico e Secretário de Cultura de Araçariguama, que compôs duas canções para meus poemas.
Ah, não pensei duas vezes! Capturei o Michel em três minutos e fizemos juntos várias brincadeiras musicais com o Caixinha de Música. A plateia estava cheia e as crianças amaram. Cantaram, fizeram percussão com o corpo e aprenderam a canção da Menina Vaidosa.
Michel cantou as músicas que fez para meus poemas e fiquei muito emocionada , pois ele é verdadeiramente talentoso.
Soube que a cidade também tem escolas de música gratuitas e ele me contou lindas experiências.
De lá fomos, eu e o motorista Seu Antonino para Santana de Parnaíba. A cidade é histórica e maravilhosa, com um casario altamente preservado e é também um pólo gastronômico.
Demos uma volta pela cidade e rumamos para a Biblioteca. Tínhamos tempo de sobra.
Mas... ao chegar na Biblioteca, não era lá, era numa outra num bairro chamado Colina. Disseram que era logo ali.
Meu encontro era às 15 horas. Só que não chegava nunca. Finalmente pegamos uma estrada e depois de muitos quilômetros entramos numa cidade, que apesar de ser outra, era a mesma, Santana de Parnaíba! Completamente perdidos, a bibliotecária veio nos resgatar e cheguei histérica, com meia hora de atraso.
A sala estava cheia de adolescentes sonoros. E fazia um calor danado.
Expliquei tudo e eles ficaram mais meia hora para compensar. Na verdade nunca mais queriam ir embora. Foi muito bom e muito divertido.
Agora estou em casa. Exausta. Mas muito feliz. Foi uma longa viagem e deu tudo certo.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

FRANCISCO MORATO E JUNDIAÍ

Ontem pela manhã fomos para a pequena Biblioteca de Francisco Morato. Recebi crianças de 8 a 10 anos. Eram poucas porque o espaço era mínimo, mas eram deliciosas!!!
Comecei com meu livro Carona no Jipe. As crianças embarcaram com uma alegria luminosa em todas as minhas propostas. Encontramos uma garrafa com gênio dentro e elas me ofereceram seus desejos. Eram desejos maravilhosos, de paz e de amor.
A Biblioteca Municipal oferece várias atividades e o Rap é uma delas e por sorte havia um professor de rap assistindo o nosso encontro então eu pedi e ele aceitou a tarefa de fazer um poema do livro Caixinha de Música em forma de rap. As crianças amaram e é o que o Guga , meu filho e autor das partituras, escreveu no livro..
À tarde fui para Jundiaí. A Biblioteca Professor Nelson Foot fica numa antiga fábrica de tecidos. Ela é uma Biblioteca Viva e oferece muitas atividades. O Complexo é imenso se chama ARGOS. A Biblioteca fica dentro deste complexo. Também a Secretaria Municipal de Educação. A sua beleza pulsa e contagia. Não dá vontade de ir embora nunca mais.
O espaço que prepararam para o encontro era de tirar o fôlego. Pertinho da Gibiteca, maravilhosa, meu neto Luis ia enlouquecer de felicidade com o Homem Aranha pendurado na parede e tantos outros Super Heróis.A Biblioteca oferece wifi grátis e equipamentos de informática.
Há um Projeto que se chama "Trouxeste a Chave?" inspirado no poema do Drummond, de visitação da biblioteca, desde bebês até a terceira idade. Aos sábados há contação de histórias.
A Biblioteca está aberta e recebe corais, teatros, etc, pois tem um ótimo auditório.
O meu público era de jovens e adultos. Umas 150 pessoas. Foi divino o que aconteceu ali. Como o Complexo Argos alfabetiza adultos e eles podem fazer até o Ensino Médio, muitos professores do Eja estavam ali. E tive belos depoimentos sobre o impacto da minha poesia nestes leitores iniciantes.
Fui recebida com um carinho bem quente por toda a equipe que é absolutamente apaixonada pelo que faz e saí exausta mas tão feliz.
Giovana que é quem vai costurando tudo, parece um anjo da guarda, silenciosa, cálida, invisível e presente.
Hoje é meu último dia .Vou para Araçariguama e Santana de Parnaíba. Seu Antonino, nosso motorista, participa de tudo, feliz da vida.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

BIBLIOTECA VARGEM GRANDE PAULISTA

A pequena Biblioteca de Vargem Grande Paulista nos acolheu de uma maneira espetacular. Antes do começo das atividades havia uma mesa de bolos e doces e pães de queijo, sucos, cafés e pessoas incríveis que fazem a cultura do lugar. Todas as iguarias foram preparas ali mesmo, na cozinha da biblioteca, pasmem, pela própria diretora , a Wedma, que adora cozinhar. E já havia em andamento dois caldos para a noite: um de mandioca e outro de feijão.
Cristóvão Tezza , que conheci ontem, está sendo um maravilhoso companheiro de jornada.
Estavam presentes as pessoas mais importantes da cidade e , incrível, não se dão a menor importância. São simples, honestas, cheias de sonhos. Há uma nova biblioteca em construção, a cidade possui três escolas públicas de música! com mais de trezentos alunos.
Ficamos ali na copa conversando , o Professor Carlos, Vice Prefeito, Paulo Gaspoar, Secretário de Educação, Alexandre Santisi, Diretor de Cultura, Aline Oliveira, Coordenadora de Cultura, a Wedma que de vez em quando fugia da cozinha, a Coordenadora da Biblioteca e Marcelo Costa, Diretor Administrativo.
Recebemos 120 crianças. Vieram da E.M João Camargo, a E.M Jéssica Yukari, a E.M Antonia Xavier e a Cooperativa Pindorama.
Foram quase duas horas de brincadeiras poéticas. Ainda bem que fiz aulas imaginárias de circo e consigo fazer mágicas e andar na linha do horizonte! Deu tudo certo.
À noite, às 19hs horas Cristóvão Tezza recebeu um grupo de estudantes do EJA e era uma plateia variada.
A sua fala foi belíssima. Um roteiro emocionado da sua vida, da história do Brasil a partir da Segunda Guerra, das suas leituras, do seu fazer literário. Falou sobre o que é literatura, porque lemos, porque escrevemos.
Chegamos tarde e exaustos aqui no Hotel e já estou pronta para esse dia.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

AMIZADE



Tenho uma linda história de amizade para contar. Mariana era minha leitora quando criança e continuou lendo meus livros quando adolescente. Um dia , faz muito tempo, me escreveu uma carta perguntando a minha opinião sobre algo muito importante para ela, pois estava numa encruzilhada.
A minha resposta, sem eu saber, forjou o seu futuro.
Já morando em Saquarema, ela reaparece me perguntando se podia vir de São Paulo para o Clube de Leitura. Era o seu presente de aniversário, o seu sonho.
Ela chegou e a partir daí nunca mais saiu dos nossos corações, meu e do Juan. Desde então ela passa alguns dias comigo uma vez por ano, ou no mar ou na montanha.
E agora, quando tenho a manhã livre aqui em São Paulo antes da primeira viagem, ela está vindo para cá.
A minha poesia está sempre em sua vida e ela com sua leveza , está sempre na minha vida.

domingo, 13 de setembro de 2015

VIAGEM LITERÁRIA 2015

Amanhã parto para São Paulo, no belo projeto "Viagem Literária 2015" . São cinco cidades em três dias, encontro com os leitores nas Bibliotecas das cidades. Terei Cristóvao Tezza como companheiro de viagem.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

FRONTEIRAS

Se olharmos uma imagem da Terra não vemos as fronteiras entre os países. A Terra navega silenciosa no espaço, indiferente ao que somos e fazemos.
As fronteiras são invenções diabólicas. Daqui não se pode passar. Atenção, pare! O outro lado é proibido.Se as pessoas pudessem ficar nos seus países, poucas iriam embora. Humanos criam laços e raízes. Alguns são aventureiros. Mas a maioria não quer se afastar da sua terra, da sua casa, da sua língua.
É inimaginável a tragédia de cada família que parte fugindo da guerra ou da fome.
Assistimos estarrecidos milhares de pessoas fugindo. São milhares de histórias, sonhos, destinos, que se cruzam, milhares de palavras que ecoam, palavras desesperadas.
Ontem, na fronteira da Hungria, acho que com a Sérvia, soldados humilhavam as pessoas, batiam até em crianças.
O mundo não deveria ter fronteiras. A vida de cada pessoa em sua terra, com seus parentes e amigos deveria ser de tal modo plena e fértil que ela não precisaria fugir. Sairia apenas para ver outras paisagens e culturas e voltaria mais rica de tudo o que viu. Quem sabe se apaixonaria por alguém de outra terra e então não voltaria.
Lá do alto não se pode ver as fronteiras. Nem os guardas, nem os cachorros treinados para atacar.
A Terra navega silenciosa no espaço, indiferente ao que somos, e fazemos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

DIA E NOITE

Faz muito tempo, em 1994, publiquei uma agenda que se chamava DIA E NOITE (Livro Ilustrado de Anotações) os desenhos eram de um cartunista chamado Tiburcio.
Eu estava recém operada da coluna, numa cirurgia que não deu certo e durante a recuperação, para me abstrair das dores, escrevi os textos.
A agenda fez um sucesso absoluto e foi publicada pela extinta editora Memórias Futuras.
Em cada página um texto para reflexão ou um poema.
Em maio, no dia 13, na data da abolição da escravatura, escrevi (em 1994)
" Só poderemos comemorar a Abolição da Escravatura quando houver igualdades de oportunidades para todos os homens.
Até lá, somos ainda um país cheio de escravos"
Não acho que haja oportunidades iguais para todos, hoje em 2015. A Educação ainda não deu o salto quântico que deveria dar.

No dia 10 de setembro de 1994, um sábado, escrevi:
" A felicidade é uma noz pequenininha que se multiplica milhares de vezes pela vida afora.É só não ter medo de trincá-la com os dentes"
Nos encontros que faço aqui em casa com as escolas, observo que nos alunos leitores a felicidade é percebida como um bem imaterial. Nos grupos com pouca leitura a felicidade é percebida como um bem material.

E no dia 20 de setembro escrevi:
"Onde o amigo precisar de mim que eu esteja presente e seja água, pão e acalanto"

Para fechar este texto, no dia 10 de dezembro escrevi:
"Sonhar um mundo justo onde todos possam viver a aventura de uma vida bela e plena.
Esse é um sonho que vale a pena."

Este é o meu sonho de todo dia.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

LIVROS NOVOS

Tenho alguns livros prontos. Mas com a situação atual dois estão na Sala de Espera até não sei quando, ignorando meu coração.
Em outubro sairá, se tudo der certo, o livro CORAÇÃO A DERIVA pela Editora Rovelle. As aquarelas maravilhosas são da Cláudia Simões. São poemas mas contam uma história e é uma história de amor. Um amor impossível. O projeto gráfico é da própria Rovelle e está belíssimo.
A Ed. Lê tem um livro pronto, DUAS CASAS, com ilustrações da Elvira Vigna, maravilhosas. Não sei quando vai sair, nem se vai sair. Era para estar na rua em março.
A Ed. Manati tem um livro pronto, o CARTA NA MANGA, ilustrado pelo Eduardo Albini. Os poemas são engraçados, cheios de recheios inusitados, um pouco nonsense . Não tem prazo para sair.
Tudo isso é muito triste para o autor e para as editoras.
Governos que cortam as verbas da Cultura, Educação e Saúde e ao mesmo tempo gastam horrores com a sua máquina pesada e inútil, são governos que não entenderam nada.
Vivemos um tempo sombrio. Cultura e Educação são os cavalos alados de um país.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O MAR E OS SONHOS

Vivo na frente do mar desde 2002. Na verdade é quase dentro do mar. Sou capricórnio. Sou da montanha. Sou cabra e sou águia. Então o mar , apesar de belíssimo, é um aprendizado diário. Mas a sua música já é tatuagem. Minha pele já é uma partitura do mar.
Antes de sonhar em vir para cá, em 1996, publiquei o livro O Mar e os Sonhos com ilustrações maravilhosas da Elvira Vigna, pela ed. Miguilim. Era quase uma profecia, O livro foi reeditado num outro tamanho, com outras ilustrações da Elvira, ainda mais bonitas pela Lê Editora e foi comprado pelo Governo Federal, já não me lembro quando e pode ser encontrado em  muitas bibliotecas das escolas.
Há um poema que amo :

AS CONCHAS

As conchas ouvem música.
O mar rolando seus violinos,
às vezes violas da gamba,
ou mesmo flautas e sinos.
As conchas ouvem
e depois,
quando em nossos ouvidos,
cantam baixinho.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

OS OLHOS DE FRANCISCO

Publico aqui no blog o belíssimo artigo OS OLHOS DE FRANCISCO do meu marido Juan Arias no El País sobre o Papa Francisco.

Francisco foi o primeiro Papa que diante do drama dos refugiados fugindo do horror de seus países em guerra pediu que o Vaticano e todas as paróquias da Igreja abrissem suas portas a eles.
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A teologia de Francisco é, na verdade, a da compaixão, que se esforça para se colocar no lugar do outro. Seus olhos observam mais com o coração do que com as leis e os dogmas. Quando está ao lado das pessoas, suas pupilas parecem se dilatar para observá-las melhor.
O olhar de Francisco é agudo para descobrir o sofrimento das pessoas mais do que seus tropeços. Ele se fixa principalmente nas cicatrizes que a vida deixa nas pessoas. São olhos mais de mãe do que de juiz. Com os homossexuais, os divorciados, com as mulheres que abortaram, com os teólogos excomungados. Até com as lágrimas do menino que chora a morte de seu cachorro, a quem garante que o encontrará no paraíso. E agora principalmente como calvário daqueles que são forçados a deixar sua terra fugindo do horror da perseguição, da fome e da morte.
Sua reprovação é contra a injustiça que os arrasta ao incerto, e contra o que chamou de “globalização da indiferença”. Aos refugiados, sem se preocupar com sua religião, pede o abraço e que se abram a eles as portas de casa.
  • O olhar de Francisco chega a suspeitar que no coração das pessoas existe mais urgência de redenção e de felicidade do que confessamos. Que a humanidade, por vezes tão orgulhosa, é como um cristal fino que precisa de uma mão amiga para não se quebrar. E que pode ser mais solidária do que egoísta quando posta à prova.
Talvez por isso, ao seu lado ninguém se sente com medo ou em perigo. Seus olhos estão limpos de rancor, penetram nas rachaduras da alma, sabem intuir a carga de sofrimento que devem suportar os diferentes, os excomungados, os apátridas. Sua luta é para salvá-los dos restos de inquisição grudados na pele do legalismo.
“Aquele que estiver sem pecado, que atire a primeira pedra” é o seu slogan, o mesmo que Jesus usou para salvar a mulher adúltera.
É o primeiro Papa, dos sete que conheci, que confessa estar mais interessado no que uma pessoa faz pelos outros do que no número de vezes que vai à missa.
Custa-lhe condenar. Isso ele deixa para Deus. Ele prefere consolar, embora saiba ser duro com os poderes prevaricadores.
Francisco é o primeiro Papa que não prega que a Igreja Católica é a única depositária da salvação. Para ele, as religiões são como as faces de um poliedro, todas iguais e diferentes, nenhuma maior do que a outra. Parece dizer, com seus gestos de aproximação com outros credos, que ninguém tem o monopólio de Deus. Para ele não há crentes ou não crentes, apenas pessoas que sofrem e amam. E aqueles que mais sofrem são sempre os mais esquecidos e invisíveis.
O mundo, com suas tristes caravanas de refugiados à deriva, órfão de guias credíveis, está necessitando de olhares e gestos como os de Francisco para se sentir mais acolhido do que julgado. E mais amado.
Não quer ser chamado de Papa.

É só nosso irmão Francisco, que hoje nos interpela para que não fechemos os olhos para o drama que vivem os refugiados, que são os novos crucificados da História.