sábado, 31 de janeiro de 2015

CHUVA

Choveu de madrugada. Acordei com a chuva. Já estamos sentindo na pele diariamente o que o desmatamento da Amazônia faz. A situação é terrível. E a chuva que caiu de madrugada, caiu dentro do meu sono e me acordou de leve, foi uma bênção dentro da seca que estamos vivendo.
Os governos desmatadores são assassinos. Os que derrubam árvores para plantar são assassinos. Os que possuem poder para impedir o desmatamento e fecham os olhos e cruzam os braços e olham para o outro lado, são assassinos. Nenhum interesse político ou econômico poderia estar acima da floresta. Porque simplesmente é a nossa sobrevivência que está em jogo.
Os neandertais desapareceram e não sabemos a causa. Mas nós, humanos ora sublimes, ora destruidores, para não desaparecermos, temos que preservar o que nos dá a vida. 

domingo, 25 de janeiro de 2015

VIAGEM

A privacidade como a conhecíamos acabou. Os humanos gostam de contar suas vidas em praça pública, porque cada vida é uma sucessão impressionante de histórias, umas mais simples e outras com enredos bem complicados. Nós, humanos vivemos para contar histórias.
Então eu conto: já estou com a mala pronta. Amanhã bem cedo vou para o casarão da minha amiga Monica e meu futuro será tecido para o bem , nesta casa tão antiga e maravilhosa, entre pessoas esplêndidas que ajudarão a cuidar de mim depois da cirurgia da coluna. Hoje é um dia especial. Ficarei 20 dias longe da minha casa e quando voltar serei outra. Os meus sonhos são tão simples: poder cozinhar outra vez, andar, ir para a montanha ao encontro da minha casinha, ao encontro dos filhos e netos. Poder caminhar. Tudo isso me espera , aos poucos, quando eu voltar. É um sonho possível.

sábado, 24 de janeiro de 2015

DENTRO DA CESTA

Adoro cestas e cestos de palha, trançados por mãos humanas num trabalho belíssimo.
Dentro das cestas há sempre uma surpresa. Na minha casa guardo as frutas em cestas. Fica lindo. Guardo as redes numa cesta. Guardo a lenha pequena numa cesta e também os jornais antigos que o vizinho vem buscar para seus cachorros. E no ateliê de cerâmica da minha irmã Evelyn em Visconde de Mauá , ela tem uma cesta cheia de livros, todos meus, para as crianças. E ela me conta que ontem uma criança que ainda não lia, ficou fascinada com os livros e sua mãe teve que sentar no chão para ler meus poemas para ela.
Fiquei muito muito feliz.

A gente se agarra numa corda tecida de pequenas coisas belas para aguentar o mundo e o nosso país. Aqui em nossas terras, por motivos políticos a situação não é nada boa. É um erro fatal politizar as nossas mazelas. As coisas precisam ser ditas, porque nós, cidadãos de terceira classe, não somos tão inocentes assim.
Políticos de qualquer partido deveriam dizer a verdade. Sim, faltará água e deveríamos fazer um esforço coletivo, toda a nação, para economizar. Sim, já existem apagões, falta luz e faltará muito mais. Sim, o problema de locomoção das pessoas nas cidades é gravíssimo. Sim, já há desemprego.  Sim, a violência chegou a níveis inimagináveis. Sim, há uma sensação de que o país está à deriva. Não se trata de uma luta partidária. Trata-se de gente. Gente de carne, osso, sangue e sonhos.  E todos sofreremos mas como sempre os menos favorecidos sofrerão muito mais. Cada pessoa que perde o emprego é uma história muito triste, pois a perda do emprego além de afetar a dignidade , afeta a família.
Não quero terminar este post de uma maneira triste ou pessimista, mas acho que deveria haver um movimento para o resgate das palavras. Um governo não pode funcionar proibindo a verdade, proibindo palavras.
Somos feitos de água e energia. Somos feitos de palavras e histórias. O que fazer agora?
Salve o vento e salve o sol. Investir em energias alternativas, solar e eólica para o futuro. Para que nossos filhos e netos possam viver num mundo menos hostil.. Dizer a verdade e buscar soluções com a participação de todos. A verdade é sempre o melhor caminho.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

COLO DE AVÓ

Recebo ontem pelo correio meu novo livro Colo de Avó, da editora Manati. As ilustrações são as mais maravilhosas do mundo! da Elizabeth Teixeira. Cada avó mais linda do que a outra e os netos e as netas, nem se fala.
Um livro que cabe como uma luva nas duas pontas da vida: crianças e terceira idade.
Eu só pude escrevê-lo depois de ser avó, apesar do poeta sentir coisas que nunca vivenciou, este sentimento de amor agudo, de amor fabricado pela máquina do tempo, só sendo avó. O filho do meu filho.
A filha do meu filho. O filho da minha filha. A filha da minha filha.
O poema que vou transcrever foi inspirado nos  Cem Anos de Solidão, que li na minha juventude. Algumas cenas vivem até hoje fortemente dentro de mim. Uma delas é a de uma avó sentada num banquinho em frente da penteadeira e as netas fazendo dela gato e sapato, pintando a avó todinha. Não me lembro do nome dos personagens. Mas lá vai o poema:  

SALÃO DE BELEZA

A penteadeira da avó
é um mundo:
pote de cremes variados,
pentes, escovas, perfumes
e vidros coloridos, grampos,
porta-retratos, fitas de cetim,
batom, sombra, pó de arroz.

A neta senta a avó
num banquinho
e começa a trabalhar:
com suas pequenas mãos
trança os cabelos da avó
para que ela se transforme
numa bela rainha
e espalhe pão e amor
pelo mundo.


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

ELISA

Outra vez um lindo bebê na nossa casa. Elisa, filha da Louise Botkay, neta da Monica Botkay, dando continuidade a uma ciranda de mulheres maravilhosas. Elisa encheu minha casa de sinos, arrulhos, barulhinhos únicos e incríveis. Louise é uma mamãe especial. Entrou no mar com Elisa de apenas dois meses e meio. E ela amou!!! Quando troca a fralda, Louise antes acaricia a menina, canta, e ela adora trocar a fralda. Elisa tomou banho de chuveirão. Banho de bacia com água fria. Ela adora tudo! Só chora para mamar e quando tem sono. Louise caminha quase voando de alegria e Elisa voa junto.
Eu e Monica, a vovó, passávamos os dias namorando a Elisa. Não conseguíamos fazer mais nada. E eu acho que os bebês que têm passado por aqui, vão deixando um pouquinho do pó do Universo que ainda trazem na pele, um prenúncio de que a minha cirurgia da coluna finalmente marcada para o dia 2 de fevereiro será um sucesso.
Dia 2 de fevereiro é dia de Iemanjá. Peço desculpas aos evangélicos e aos cristãos, não quero machucar a sensibilidade de ninguém, mas adoro a figura de uma deusa que vive no mar. Todos os mitos antigos me fascinam. E Iemanjá se confunde com as sereias no meu imaginário. Ela brilha, é estonteante, bela como ninguém. Uma vez fui a uma festa de Iemanjá em Salvador, fiquei hospedada na casa da minha amiga Regina e é muito impressionante ver centenas de pessoas de todas as classes sociais e acho que de muitos credos diferentes, chegarem com flores e roupa branca.  Numa fila interminável, vão entregando as flores para os barqueiros.  Juan fez uma reportagem para o El País. É uma festa única, impactante.
E eu, que convivo com todas as religiões, peço à Iemanjá que cicatrize minhas dores com água do mar.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O MAR

O mar já corre pelas minhas veias. Com certeza meu sangue é salgado e escuto o canto do mar o tempo todo e em sonhos passeio pelas calçadas da Atlântida. Mas faz parte do meu exercício de paciência ver o mar e não poder  nem mesmo descer para por os pés na água.
Então é assim, olho o mar daqui do estúdio onde escrevo e imagino meu corpo flutuando na água. 
Em pensamento já me vejo caminhando pela praia, na areia branca, catando conchas. Depois da cirurgia, depois dos seis meses de recuperação.
AS CONCHAS
As conchas ouvem música.
O mar rolando seus violinos,
às vezes violas de gamba,
ou mesmo flautas e sinos.
As conchas ouvem,
e depois,
quando e, nossos ouvidos,
cantam baixinho.

in O Mar e Os Sonhos, ed Abacatte.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

URSO, POLAR E PIPOCA

Cheguei em casa depois de passar uma semana no casarão centenário da minha amiga Monica Botkay.
Urso, Polar e Pipoca, as pessoas não humanas da casa, sabiam que eu não estou bem, estou frágil. Mesmo quando corriam pela casa, tomavam muito cuidado comigo. Nunca me atropelavam, nunca me pisavam.  A casa possui um elevador, tipo plataforma para descer do segundo andar ao térreo. Urso e Polar amavam andar comigo de elevador, mal eu abria a porta entravam felicíssimos, não sei que graça encontravam na brincadeira. Compenetrados como senhores de gravata, lá iam eles comigo, sérios. Pipoca, a cadelinha mais fofa do mundo, tinha medo. Sabia que eu iria usar o elevador, pois desaparecia e os três só andam juntos.
Para falar a verdade Pipoca cuidou muito de mim. Ficava deitadinha aos meus pés , bem perto, de vez em quando me olhava com aqueles olhos maravilhosos que poucos humanos têm.
Fico aqui neste paraíso que é Saquarema por 10 dias. Depois volto para o casarão, dando sequencia aos exames para a cirurgia da coluna. Urso e Polar serão meus colegas de elevador. 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

UMA LEBRE

Monica Botkay, minha amiga fotógrafa, onde estou hospedada, tem uma ótima biblioteca e estou lendo um livro maravilhoso de um autor finlandês , Arto Paasilina. Jamais conheceria este autor se não estivesse hospedada aqui e Monica não me apresentasse o livro.
A história é singela, tocante e cheia de humor. Um jornalista, completamente de mal com a vida, desiludido com seu trabalho, com um casamento horrível, numa estrada atropela uma lebre. Ele para o carro e vai atrás da lebre. Pula a cerca que separa a estrada da floresta e a encontra com a patinha quebrada. Ele rasga um pedaço da sua camisa e faz uma tala. E não volta para o carro, onde seu amigo fotógrafo está esperando.Ele começa a se envolver afetivamente com a lebre e com ela foge de sua vida anterior. E por onde ele vai passando, a lebre só desperta afeto, curiosidade e alegria. Ainda não acabei , não sei o final.
Não é um livro para crianças.Mas com esta linda história, sim, se poderia escrever um livro para crianças.
É um convite para se olhar a vida de um modo diferente. Olhar a vida de verdade, se envolver e aceitar as suas surpresas.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

CASA ANTIGA

Estou numa casa muito antiga no Rio de Janeiro, em Laranjeiras. Uma casa onde as crianças podem se perder num vão, em lugares secretíssimos. Eu mesma me perdi várias vezes. Um casarão com móveis que foram da avó, da bisavó. Minha amiga tem três cachorros maravilhosos. De repente se ouve um tropel na escadaria de madeira e são eles, quase numa cavalgada.
A fêmea se chama Pipoca. Amorosa,doce, seus olhos nos acariciam. Polar e Urso, brancos, sérios e compenetrados como ursos. Mas hoje os três vieram ao quarto onde estou hospedada , um de cada vez, para me dar bom dia.
Vim ao Rio para uma consulta com o cirurgião que vai operar a minha coluna. Ele, segundo me disseram, é o melhor do Rio e me disse que depois de seis meses de recuperação, ficarei bem. Minhas dores, depois da cirurgia no quadril, se tornaram tão violentas e impeditivas, que tornaram a minha vida bem difícil. Vem aí um tempo duro . Mas ainda bem que minha amiga Monica Botkay , sua maravilhosa filha, os três cachorros e a Dora, cozinheira de mão cheia com seu sorriso nordestino, aceitaram me receber, pois precisarei passar 10 dias no Rio depois da alta no hospital. Agradeço tanto este gesto tão raro. Mas os amigos são os anjos que chegam nas horas difíceis. 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

FOTOGRAFIAS

Tenho uma foto do meu pai e minha mãe, jovens, lindíssimos, naquele instante todos os sonhos, os planos, a estrada da vida, ainda seriam construídos. E a foto deles quando eu nem era nascida me traz um instante preciso. No entanto não sei que dia era aquele, se chovia ou fazia sol. Mas a fotografia eterniza aquele maravilhoso instante em preto e branco e eles me olham, jovens para sempre.
Hoje se fotografa demais, se fotografa tudo, cada instante, numa sequencia louca. São bilhões, trilhões de fotografias pelo mundo afora. Eu não fotografo , não sou fotógrafa, deixo que façam isso por mim. Minhas fotos são palavras.

O QUE FALTA NUM RETRATO

Um retrato aprisiona com luz e sombra
um fragmento do instante,
o que os olhos querem guardar:
um encontro,
uma gota de um momento.
Janela aberta para o passado,
ponte sobre o tempo que escorre.
Mas faltam o cheiro e o gosto.

in Cinco Sentidos e Outros, ed. Lê.

Amanhã vou para o Rio, fico alguns dias com a minha amiga Monica Botkay, fotógrafa de verdade, desde os anos 70 , a quem dedico o poema acima.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

UM BEBÊ NA CASA

Chegou um bebê da Itália em nossa casa, o Leonardo. É neto do nosso médico José Augusto Messias e da vovó Kátia. Com seis meses Leonardo é um bebê perfeito, não consegui achar nenhum defeito. Sua mãe Fabiana parece uma bailarina russa, parece que ao andar, de repente sairá dançando, também parece uma fada no meio de um bosque, dançando ao luar. Mas é italiana de Perleto, uma aldeia no Piemonte de 250 habitantes. É no Piemonte que se fabrica o famoso vinho Dolcetta D'Alba. Na cidade de Alba.
Fabiana é casada com o Gustavo. Uma ninfa com um homem enorme e barbudo, mas delicado como ela.
Leonardo, o bebê, não chora, não faz manha, só ri e brinca. Enche a casa de alegria, uma alegria da cor da casa, amarela como girassóis .
Claro que a casa ficou toda agitada e da cozinha foram saindo, pães e comidas maravilhosas e os vinhos enchiam as taças como cachoeiras de felicidade. E a promessa que fiz a mim mesma de perder peso por causa da coluna, mais uma vez se esvaiu. Sou muito volúvel eu acho.
E hoje a vida de todos os dias recomeça ? Todos os dias o milagre da vida, é o que nos diz Leonardo, em sua lingua, meio eslava meio semítica , dadábrrrr,guuuuu,rcgjk.
Feliz 2005 para todos.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

MUDANÇAS

Infelizmente nada muda num passe de mágica, apenas o tempo, um sudoeste repentino pode trazer um temporal, apenas os acontecimentos de uma vida, um encontro, um acidente. Mas as mudanças estruturais são geralmente um longo e muitas vezes um doloroso processo. Li uma vez um livro interessante, não me lembro o nome nem do livro nem do autor.Mas discorria sobre as dificuldades que o cérebro nos impõe para mudar qualquer hábito. Para mudar um hábito temos que ter uma recompensa muito clara. Eu mudo isso para ganhar aquilo. O cérebro registra os hábitos e nos leva a repeti-los já no automático. Por isso a força de vontade tem que ser imensa para enganar o nosso próprio cérebro. E fazemos tantas promessas a nós mesmos no dia 31 de dezembro, e chega o dia 1, chega o dia 2... e nossas promessas se evaporam.
Acho que a principal promessa de cada um de nós deveria, quem sabe, ser a de fazer o que amamos aqui e agora e sermos absolutamente fiéis a nós mesmos.