sábado, 9 de maio de 2015

ARTE POÉTICA

Talvez esteja cometendo uma heresia literária, mas como não ligo para nenhum dogma, afirmo que sou completamente apaixonada pela poesia do Borges, mas não amo os seus contos. Que poeta magnífico e como a sua poesia fala com as minhas emoções. Ganhei uma vez uma linda antologia em espanhol mas agora ganhei da Catalina Pagès o poema abaixo em português, um dos meus preferidos. Não sei de quem é a tradução .

ARTE POÉTICA

Olhar o rio de tempo e água
e lembrar que o tempo é um outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sonho
que sonha e que a morte
que teme a nossa carne é esta morte
de cada noite, que se chama sonho.

Ver em um dia ou um ano um símbolo
dos dias do homem e de seus anos,
e converter o ultraje dos anos
em uma música, um rumor e um
símbolo,
ver na morte o sonho, no pôr-do-sol
um triste ouro, tal é a poesia
que é imortal e pobre. A poesia
volta como a aurora e o pôr-do-sol.

Às vezes numa tarde uma cara
observa-nos do fundo de um espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela nossa própria cara.

Contam que Ulisses, farto de
prodígios
chorou de amor ao divisar sua Ítaca
de verde eternidade, e não prodígios.

Também é como o rio interminável
que passa e fica e é cristal de um
mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
e é outro, como o rio interminável.

Jorge Luis Borges

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