sexta-feira, 29 de maio de 2015

ÚLTIMOS DIAS

Numa das noites em que Maya, a filha do Juan, ainda estava aqui, andamos até o ancoradouro perto do hotel e lá do outro lado víamos o Museu Gugenheim . Então ela me contou que antes da Peggy Gugenheim, o palácio havia sido da Marquesa Luisa Casati, um ícone para o mundo da moda. Ela viveu no começo do século passado e foi uma mulher milionária e excêntrica que dava em sua casa as festas mais loucas da Europa e passeava por Veneza com uma cobra enrolada no pescoço e com seu tigre de estimação. Tingia os cabelos de vermelho e pingava beladona nos olhos para que ficassem imensos, arregalados. Foi amante de D"Annunzio, usava vestidos de seda colados no corpo , vestidos de Fortuny, sem nada embaixo. Também era capaz de ficar nua em qualquer lugar para chamar a atenção. Era alta e magérrima. Maya me contava tudo baixinho e me dizia: Imagine o palácio iluminado por tochas, ela passeando pelos jardins com seu tigre de estimação...Maya também me disse que foi a mulher mais pintada e fotografada do mundo e fez da sua vida e do seu corpo uma obra de arte louca, como se tivesse saído da mente de um Dalí. Morreu em 1957 na miséria total pois gastou toda a sua imensa fortuna em suas festas.
Ontem, depois que Maya e as crianças foram embora, andamos até o Campo San Polo, passando pela Igreja San Apollinaire do século XI, que estava infelizmente fechada. Há que ir por Rialto e uma parte da Ponte está em obra, sendo restaurada. No tapume da obra há um trecho das Cidades Invisíveis do Calvinoi, o trecho em que fala do arco e da pedra. Que ideia maravilhosa colocar trechos de livros em tapumes de obra. Qualquer superfície é boa para receber um poema. A restauração da ponte , a aquisição de dois palácios por Prada, desmente o vaticínio de que Veneza está acabada. É um museu vivo que vai se desdobrando diante dos nossos olhos como um leque de sonho e água  . Sempre igual e diferente.
O que é horrível por aqui é a multidão que os cruzeiros despejam por suas ruas. Os cruzeiros, tão nefastos, deveriam estar proibidos e os turistas que chegassem saberiam muito bem que estão em Veneza, a cidade miragem de tantos rostos, que a cada dia desmente seu fim.
Vivemos os últimos dias. Segunda embarcamos de volta. Por que viemos sempre a Veneza?  Porque Juan é europeu e de vez em quando precisa estar na Europa e escolheu Veneza como a sua cidade.
Agora tocam os sinos que amo, uma orquestra de muitas igrejas. Um pássaro canta entusiasmado pois o dia está lindíssimo. Embrulho tudo junto, o canto do pássaro, os sinos, as vozes dos cantores das gôndolas e levo comigo.
Escreverei quando chegar em Saquarema. Até lá.

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