segunda-feira, 28 de setembro de 2015

PEQUENO POEMA INFINITO

Quando morei em Madrid, recolhi textos do Lorca menos conhecidos para meu amigo José Mauro Brant, apaixonado pelo poeta. Por acaso fui ver um Concerto com um ator-cantor , espetáculo montado em cima das conferências que Lorca fez e que chamou de "Como Canta uma Cidade de Novembro a Novembro". Trouxe o CD para o Zé Mauro .
José Mauro costurou todo o material que tinha com uma maestria impressionante. E me pediu para traduzir. Primeiro disse que não, como traduzir Lorca? Como traduzir um poeta que escreve com vento, sangue e fogo? Mas o meu amigo insistiu e acabei aceitando o imenso desafio. Digamos que fiz a tradução num estado alterado de poesia, com todo o meu corpo e não só a mente, de olhos semi cerrados, busquei às vezes, para poder ir ao encontro da sua escrita maravilhosa, uma penumbra dentro de mim.
Ontem , porque queria enviar alguns trechos para um amigo que mora longe, já que conversamos horas sobre poesia, reli o pequeno livro que foi publicado pela Imprensa Oficial de São Paulo em 2009 e que não está disponível, infelizmente.  Eu que empresto, dou, perco tantos livros, juro que este nunca perderei.
O livro é magnífico porque os textos são arrebatadores . E a peça montada foi uma das maiores emoções da minha vida. José Mauro Brant era o Lorca no palco. Lorca estava ali, a cada noite a plateia sentia o milagre, Lorca vivo, de corpo e alma.

"A poesia é algo que anda pelas ruas. Que se move, que passa ao nosso lado. Todas as coisas têm o seu mistério e a poesia é o mistério que contém todas as coisas. Se passamos junto de um homem, se olhamos uma mulher, se adivinhamos a marcha oblíqua de um cão, em cada um desses objetos humanos está a poesia"

Federico García Lorca

domingo, 27 de setembro de 2015

ATELIÊ DE CERÂMICA

Meu pai conta que tinha um tio ceramista na Polônia. Meu pai saiu do país com 14 anos, antes da guerra e o tio ficou. Ninguém da família que tenha ficado sobreviveu. 
E minha irmã é ceramista desde quando tinha uns 17 anos. É uma das grandes ceramistas do Brasil. 
Meu cunhado Luis Mérigo é ceramista. Ele veio do México e se casaram.
O ateliê que criaram em Visconde de Mauá é alucinante. Está numa outra dimensão.
Quem for a Mauá não deixe de visitá-lo. É uma experiência sensorial.


No Ateliê Kligerman & Mérigo a poesia se transforma em cerâmica.
As formas dançam e se transmutam o tempo todo. A xícara onde uma araucária é acariciada pelo vento antes de receber o café. Uma escultura que voa. Um saleiro ,um jarro, uma fruteira, uma placa com os desenhos mais loucos e belos, um porta colheres.  Aqui não há hierarquia. Tudo é arte e impregna as paredes e o chão da sala com a beleza mais pura.
A cada dia saem peças únicas e novas criações fabricadas diante dos olhos atônitos de quem chega.
O barro, ofício ancestral, é voo nas mãos da Evelyn Kligerman e Luis Mérigo 

sábado, 26 de setembro de 2015

QUADRO VIVO

Acordo muito cedo. É noite.
passo um café abro a porta.
Gosto de ficar no escuro
feito um gato.
A música do mar desaba
intermitentemente sobre a casa.
Nos seus intervalos respiro.
O jardim é um emaranhado de sombras.
recebo em meu corpo
as últimas lufadas da noite.
Uma luz tão tênue já se espraia.
Estou viva dentro de um quadro vivo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Gosto não se discute, mas eu não gosto de calor e tem gente que gosta.
Em meu livro "Quem vê cara não vê Coração", da Ed. Callis/Houaiss, falo disso num poema. O livro é todo de ditados populares. Quando leio esse poema, para crianças, jovens ou adultos, sempre aplaudem no final. Então, se vocês quiserem podem aplaudir, eu vou adorar e quem sabe sobreviverei ao calor que está apenas começando:

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Eu gosto de azul,
você gosta de laranja,
eu gosto de caju,
você gosta de pitanga,
eu gosto de escuro,
você gosta de luar,
eu gosto de bosque,
você gosta de mar,
eu gosto de seda,
você gosta de algodão,
eu gosto de cão,
você gosta de gato,
eu gosto de girassol,
você gosta de jasmim,
mas o que importa
é que eu gosto de você
e você gosta de mim.


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

TEXTOS CURTOS

Nos deparamos o tempo todo com textos curtos no facebook, com alguma mensagem, uma bela imagem. Eles nos fazem bem. É como o roçar de uma fragrância boa.
Hoje li que a felicidade pode estar no seu quintal enquanto você está procurando um trevo de quatro folhas.
O que mais me produz felicidade é doar alguma coisa para alguém. Produzir beleza. Receber as escolas na minha casa.  O nosso Clube de Leitura. Ter meus filhos, netos, irmã, cunhado, todo mundo em contato.Ter meus amigos perto. As gatas e Juan ao meu lado. Meus leitores. A felicidade completa é ler um livro maravilhoso. Comer uma comida boa.
A felicidade é uma conquista diária. Apesar de todas as tristezas, do desconcerto que é o mundo, apesar dos limites.
O trevo de quatro folhas é uma escolha. Mas pelo sim pelo não é bom ter um no bolso.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

OFICINA DE ESCRITA

Uma escola particular de Rio das Ostras me ofereceu um trabalho: uma "palestra" para os jovens da quinta série sobre escrita.
Lá fui eu. A escola Casulo é maravilhosa e fiz também encontros com a quarta serie na biblioteca. Foi muito bom. Brincamos muito!!!
O que se fala com jovens da quinta série sobre escrita? A única coisa que sei é que para escrever bem é preciso ser leitor. Eles são tão pequenos ainda! Mas adoram ler.
Com a turma da manhã propus discutirmos a existência. Quem sou eu? Que tamanho ocupo no mundo?
Pedi que rabiscassem algumas linhas sobre isso. E saiu cada texto lindo! Eles ficaram muito felizes com a minha proposta . Li em voz alta alguns textos fazendo comentários e foi um sucesso.

Pela tarde contei para eles o conceito do UBUNTU. Eu sou eu e sou você. Sem o outro não existo. Falamos sobre isso. Novamente pedi que escrevessem algumas linhas . E novamente alguns textos foram lidos e afinal os encontros foram um sucesso.

Mas eu fiquei quebrada. A minha coluna operada não aguenta este ritmo de viagens e estou tendo que desmarcar algumas. Lidar com limites é uma renúncia muito dura. É um aprendizado contínuo, uma lição de humildade. Mas a gente vai aprendendo o que pode e o que não pode. É como brincar de bem-me-quer, mal-me-quer... isso posso fazer, isso não posso... mas estou feliz porque posso muita coisa!!! E antes não podia nada.

domingo, 20 de setembro de 2015

PESCADORES DE TEMPO

O que somos senão pescadores de tempo?

CAVALOS SELVAGENS

Arrumo flores
nas bordas do dia,
encosto o ouvido no chão
para ouvir o tropel
dos cavalos selvagens
que desde sempre
atravessaram os sonhos.
No fim da noite
recolho o silêncio da rotação
da Terra,
eu, pescador de tempo.

Do meu livro Carteira de Identidade, Lê Editora

sábado, 19 de setembro de 2015

SAQUAREMA

Chegar em casa é mergulhar na música do oceano, mergulhar no azul, no perfume levemente adocicado das algas.É bom.
Mas a próxima semana é cheia de acontecimentos.
Segunda darei uma oficina em Rio das Ostras. E terça volto para São Paulo para a entrega do Prêmio Comunique-se de jornalismo. Juan Arias, meu marido, ficou entre os três finalistas, o que já é um prêmio. Só se sabe na hora quem é o vencedor.  E na quarta vou conhecer a redação do jornal El País em São Paulo e almoçar com o Diretor, que é um excelente escritor e leitor. Não vamos falar nem de política nem do jornal, vamos falar de literatura.
Estou relendo Judas do Amós Oz para o Clube de Leitura. Que livro esplêndido. Estou absolutamente impactada outra vez. Como escreve bem o Amós Oz. E que pessoa magnífica, sempre lutando pela paz. Aconselho a sua leitura. Tenho uma pilha de livros para ler. Não há nada melhor.
  

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

ARAÇARIGUAMA E SANTANA DE PARNAÍBA

Araçariguama é uma gracinha. Uma pequena cidade do interior com uma bela Igreja azul.
Ao chegar na Biblioteca, tive a surpresa de saber que cada criança ganharia um livro! Os livros comprados foram Poemas de Céu e Duas Amigas da Paulus.
Lá na frente, um homem ensaiava com um violão. Era o Michel, músico e Secretário de Cultura de Araçariguama, que compôs duas canções para meus poemas.
Ah, não pensei duas vezes! Capturei o Michel em três minutos e fizemos juntos várias brincadeiras musicais com o Caixinha de Música. A plateia estava cheia e as crianças amaram. Cantaram, fizeram percussão com o corpo e aprenderam a canção da Menina Vaidosa.
Michel cantou as músicas que fez para meus poemas e fiquei muito emocionada , pois ele é verdadeiramente talentoso.
Soube que a cidade também tem escolas de música gratuitas e ele me contou lindas experiências.
De lá fomos, eu e o motorista Seu Antonino para Santana de Parnaíba. A cidade é histórica e maravilhosa, com um casario altamente preservado e é também um pólo gastronômico.
Demos uma volta pela cidade e rumamos para a Biblioteca. Tínhamos tempo de sobra.
Mas... ao chegar na Biblioteca, não era lá, era numa outra num bairro chamado Colina. Disseram que era logo ali.
Meu encontro era às 15 horas. Só que não chegava nunca. Finalmente pegamos uma estrada e depois de muitos quilômetros entramos numa cidade, que apesar de ser outra, era a mesma, Santana de Parnaíba! Completamente perdidos, a bibliotecária veio nos resgatar e cheguei histérica, com meia hora de atraso.
A sala estava cheia de adolescentes sonoros. E fazia um calor danado.
Expliquei tudo e eles ficaram mais meia hora para compensar. Na verdade nunca mais queriam ir embora. Foi muito bom e muito divertido.
Agora estou em casa. Exausta. Mas muito feliz. Foi uma longa viagem e deu tudo certo.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

FRANCISCO MORATO E JUNDIAÍ

Ontem pela manhã fomos para a pequena Biblioteca de Francisco Morato. Recebi crianças de 8 a 10 anos. Eram poucas porque o espaço era mínimo, mas eram deliciosas!!!
Comecei com meu livro Carona no Jipe. As crianças embarcaram com uma alegria luminosa em todas as minhas propostas. Encontramos uma garrafa com gênio dentro e elas me ofereceram seus desejos. Eram desejos maravilhosos, de paz e de amor.
A Biblioteca Municipal oferece várias atividades e o Rap é uma delas e por sorte havia um professor de rap assistindo o nosso encontro então eu pedi e ele aceitou a tarefa de fazer um poema do livro Caixinha de Música em forma de rap. As crianças amaram e é o que o Guga , meu filho e autor das partituras, escreveu no livro..
À tarde fui para Jundiaí. A Biblioteca Professor Nelson Foot fica numa antiga fábrica de tecidos. Ela é uma Biblioteca Viva e oferece muitas atividades. O Complexo é imenso se chama ARGOS. A Biblioteca fica dentro deste complexo. Também a Secretaria Municipal de Educação. A sua beleza pulsa e contagia. Não dá vontade de ir embora nunca mais.
O espaço que prepararam para o encontro era de tirar o fôlego. Pertinho da Gibiteca, maravilhosa, meu neto Luis ia enlouquecer de felicidade com o Homem Aranha pendurado na parede e tantos outros Super Heróis.A Biblioteca oferece wifi grátis e equipamentos de informática.
Há um Projeto que se chama "Trouxeste a Chave?" inspirado no poema do Drummond, de visitação da biblioteca, desde bebês até a terceira idade. Aos sábados há contação de histórias.
A Biblioteca está aberta e recebe corais, teatros, etc, pois tem um ótimo auditório.
O meu público era de jovens e adultos. Umas 150 pessoas. Foi divino o que aconteceu ali. Como o Complexo Argos alfabetiza adultos e eles podem fazer até o Ensino Médio, muitos professores do Eja estavam ali. E tive belos depoimentos sobre o impacto da minha poesia nestes leitores iniciantes.
Fui recebida com um carinho bem quente por toda a equipe que é absolutamente apaixonada pelo que faz e saí exausta mas tão feliz.
Giovana que é quem vai costurando tudo, parece um anjo da guarda, silenciosa, cálida, invisível e presente.
Hoje é meu último dia .Vou para Araçariguama e Santana de Parnaíba. Seu Antonino, nosso motorista, participa de tudo, feliz da vida.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

BIBLIOTECA VARGEM GRANDE PAULISTA

A pequena Biblioteca de Vargem Grande Paulista nos acolheu de uma maneira espetacular. Antes do começo das atividades havia uma mesa de bolos e doces e pães de queijo, sucos, cafés e pessoas incríveis que fazem a cultura do lugar. Todas as iguarias foram preparas ali mesmo, na cozinha da biblioteca, pasmem, pela própria diretora , a Wedma, que adora cozinhar. E já havia em andamento dois caldos para a noite: um de mandioca e outro de feijão.
Cristóvão Tezza , que conheci ontem, está sendo um maravilhoso companheiro de jornada.
Estavam presentes as pessoas mais importantes da cidade e , incrível, não se dão a menor importância. São simples, honestas, cheias de sonhos. Há uma nova biblioteca em construção, a cidade possui três escolas públicas de música! com mais de trezentos alunos.
Ficamos ali na copa conversando , o Professor Carlos, Vice Prefeito, Paulo Gaspoar, Secretário de Educação, Alexandre Santisi, Diretor de Cultura, Aline Oliveira, Coordenadora de Cultura, a Wedma que de vez em quando fugia da cozinha, a Coordenadora da Biblioteca e Marcelo Costa, Diretor Administrativo.
Recebemos 120 crianças. Vieram da E.M João Camargo, a E.M Jéssica Yukari, a E.M Antonia Xavier e a Cooperativa Pindorama.
Foram quase duas horas de brincadeiras poéticas. Ainda bem que fiz aulas imaginárias de circo e consigo fazer mágicas e andar na linha do horizonte! Deu tudo certo.
À noite, às 19hs horas Cristóvão Tezza recebeu um grupo de estudantes do EJA e era uma plateia variada.
A sua fala foi belíssima. Um roteiro emocionado da sua vida, da história do Brasil a partir da Segunda Guerra, das suas leituras, do seu fazer literário. Falou sobre o que é literatura, porque lemos, porque escrevemos.
Chegamos tarde e exaustos aqui no Hotel e já estou pronta para esse dia.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

AMIZADE



Tenho uma linda história de amizade para contar. Mariana era minha leitora quando criança e continuou lendo meus livros quando adolescente. Um dia , faz muito tempo, me escreveu uma carta perguntando a minha opinião sobre algo muito importante para ela, pois estava numa encruzilhada.
A minha resposta, sem eu saber, forjou o seu futuro.
Já morando em Saquarema, ela reaparece me perguntando se podia vir de São Paulo para o Clube de Leitura. Era o seu presente de aniversário, o seu sonho.
Ela chegou e a partir daí nunca mais saiu dos nossos corações, meu e do Juan. Desde então ela passa alguns dias comigo uma vez por ano, ou no mar ou na montanha.
E agora, quando tenho a manhã livre aqui em São Paulo antes da primeira viagem, ela está vindo para cá.
A minha poesia está sempre em sua vida e ela com sua leveza , está sempre na minha vida.

domingo, 13 de setembro de 2015

VIAGEM LITERÁRIA 2015

Amanhã parto para São Paulo, no belo projeto "Viagem Literária 2015" . São cinco cidades em três dias, encontro com os leitores nas Bibliotecas das cidades. Terei Cristóvao Tezza como companheiro de viagem.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

FRONTEIRAS

Se olharmos uma imagem da Terra não vemos as fronteiras entre os países. A Terra navega silenciosa no espaço, indiferente ao que somos e fazemos.
As fronteiras são invenções diabólicas. Daqui não se pode passar. Atenção, pare! O outro lado é proibido.Se as pessoas pudessem ficar nos seus países, poucas iriam embora. Humanos criam laços e raízes. Alguns são aventureiros. Mas a maioria não quer se afastar da sua terra, da sua casa, da sua língua.
É inimaginável a tragédia de cada família que parte fugindo da guerra ou da fome.
Assistimos estarrecidos milhares de pessoas fugindo. São milhares de histórias, sonhos, destinos, que se cruzam, milhares de palavras que ecoam, palavras desesperadas.
Ontem, na fronteira da Hungria, acho que com a Sérvia, soldados humilhavam as pessoas, batiam até em crianças.
O mundo não deveria ter fronteiras. A vida de cada pessoa em sua terra, com seus parentes e amigos deveria ser de tal modo plena e fértil que ela não precisaria fugir. Sairia apenas para ver outras paisagens e culturas e voltaria mais rica de tudo o que viu. Quem sabe se apaixonaria por alguém de outra terra e então não voltaria.
Lá do alto não se pode ver as fronteiras. Nem os guardas, nem os cachorros treinados para atacar.
A Terra navega silenciosa no espaço, indiferente ao que somos, e fazemos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

DIA E NOITE

Faz muito tempo, em 1994, publiquei uma agenda que se chamava DIA E NOITE (Livro Ilustrado de Anotações) os desenhos eram de um cartunista chamado Tiburcio.
Eu estava recém operada da coluna, numa cirurgia que não deu certo e durante a recuperação, para me abstrair das dores, escrevi os textos.
A agenda fez um sucesso absoluto e foi publicada pela extinta editora Memórias Futuras.
Em cada página um texto para reflexão ou um poema.
Em maio, no dia 13, na data da abolição da escravatura, escrevi (em 1994)
" Só poderemos comemorar a Abolição da Escravatura quando houver igualdades de oportunidades para todos os homens.
Até lá, somos ainda um país cheio de escravos"
Não acho que haja oportunidades iguais para todos, hoje em 2015. A Educação ainda não deu o salto quântico que deveria dar.

No dia 10 de setembro de 1994, um sábado, escrevi:
" A felicidade é uma noz pequenininha que se multiplica milhares de vezes pela vida afora.É só não ter medo de trincá-la com os dentes"
Nos encontros que faço aqui em casa com as escolas, observo que nos alunos leitores a felicidade é percebida como um bem imaterial. Nos grupos com pouca leitura a felicidade é percebida como um bem material.

E no dia 20 de setembro escrevi:
"Onde o amigo precisar de mim que eu esteja presente e seja água, pão e acalanto"

Para fechar este texto, no dia 10 de dezembro escrevi:
"Sonhar um mundo justo onde todos possam viver a aventura de uma vida bela e plena.
Esse é um sonho que vale a pena."

Este é o meu sonho de todo dia.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

LIVROS NOVOS

Tenho alguns livros prontos. Mas com a situação atual dois estão na Sala de Espera até não sei quando, ignorando meu coração.
Em outubro sairá, se tudo der certo, o livro CORAÇÃO A DERIVA pela Editora Rovelle. As aquarelas maravilhosas são da Cláudia Simões. São poemas mas contam uma história e é uma história de amor. Um amor impossível. O projeto gráfico é da própria Rovelle e está belíssimo.
A Ed. Lê tem um livro pronto, DUAS CASAS, com ilustrações da Elvira Vigna, maravilhosas. Não sei quando vai sair, nem se vai sair. Era para estar na rua em março.
A Ed. Manati tem um livro pronto, o CARTA NA MANGA, ilustrado pelo Eduardo Albini. Os poemas são engraçados, cheios de recheios inusitados, um pouco nonsense . Não tem prazo para sair.
Tudo isso é muito triste para o autor e para as editoras.
Governos que cortam as verbas da Cultura, Educação e Saúde e ao mesmo tempo gastam horrores com a sua máquina pesada e inútil, são governos que não entenderam nada.
Vivemos um tempo sombrio. Cultura e Educação são os cavalos alados de um país.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O MAR E OS SONHOS

Vivo na frente do mar desde 2002. Na verdade é quase dentro do mar. Sou capricórnio. Sou da montanha. Sou cabra e sou águia. Então o mar , apesar de belíssimo, é um aprendizado diário. Mas a sua música já é tatuagem. Minha pele já é uma partitura do mar.
Antes de sonhar em vir para cá, em 1996, publiquei o livro O Mar e os Sonhos com ilustrações maravilhosas da Elvira Vigna, pela ed. Miguilim. Era quase uma profecia, O livro foi reeditado num outro tamanho, com outras ilustrações da Elvira, ainda mais bonitas pela Lê Editora e foi comprado pelo Governo Federal, já não me lembro quando e pode ser encontrado em  muitas bibliotecas das escolas.
Há um poema que amo :

AS CONCHAS

As conchas ouvem música.
O mar rolando seus violinos,
às vezes violas da gamba,
ou mesmo flautas e sinos.
As conchas ouvem
e depois,
quando em nossos ouvidos,
cantam baixinho.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

OS OLHOS DE FRANCISCO

Publico aqui no blog o belíssimo artigo OS OLHOS DE FRANCISCO do meu marido Juan Arias no El País sobre o Papa Francisco.

Francisco foi o primeiro Papa que diante do drama dos refugiados fugindo do horror de seus países em guerra pediu que o Vaticano e todas as paróquias da Igreja abrissem suas portas a eles.
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A teologia de Francisco é, na verdade, a da compaixão, que se esforça para se colocar no lugar do outro. Seus olhos observam mais com o coração do que com as leis e os dogmas. Quando está ao lado das pessoas, suas pupilas parecem se dilatar para observá-las melhor.
O olhar de Francisco é agudo para descobrir o sofrimento das pessoas mais do que seus tropeços. Ele se fixa principalmente nas cicatrizes que a vida deixa nas pessoas. São olhos mais de mãe do que de juiz. Com os homossexuais, os divorciados, com as mulheres que abortaram, com os teólogos excomungados. Até com as lágrimas do menino que chora a morte de seu cachorro, a quem garante que o encontrará no paraíso. E agora principalmente como calvário daqueles que são forçados a deixar sua terra fugindo do horror da perseguição, da fome e da morte.
Sua reprovação é contra a injustiça que os arrasta ao incerto, e contra o que chamou de “globalização da indiferença”. Aos refugiados, sem se preocupar com sua religião, pede o abraço e que se abram a eles as portas de casa.
  • O olhar de Francisco chega a suspeitar que no coração das pessoas existe mais urgência de redenção e de felicidade do que confessamos. Que a humanidade, por vezes tão orgulhosa, é como um cristal fino que precisa de uma mão amiga para não se quebrar. E que pode ser mais solidária do que egoísta quando posta à prova.
Talvez por isso, ao seu lado ninguém se sente com medo ou em perigo. Seus olhos estão limpos de rancor, penetram nas rachaduras da alma, sabem intuir a carga de sofrimento que devem suportar os diferentes, os excomungados, os apátridas. Sua luta é para salvá-los dos restos de inquisição grudados na pele do legalismo.
“Aquele que estiver sem pecado, que atire a primeira pedra” é o seu slogan, o mesmo que Jesus usou para salvar a mulher adúltera.
É o primeiro Papa, dos sete que conheci, que confessa estar mais interessado no que uma pessoa faz pelos outros do que no número de vezes que vai à missa.
Custa-lhe condenar. Isso ele deixa para Deus. Ele prefere consolar, embora saiba ser duro com os poderes prevaricadores.
Francisco é o primeiro Papa que não prega que a Igreja Católica é a única depositária da salvação. Para ele, as religiões são como as faces de um poliedro, todas iguais e diferentes, nenhuma maior do que a outra. Parece dizer, com seus gestos de aproximação com outros credos, que ninguém tem o monopólio de Deus. Para ele não há crentes ou não crentes, apenas pessoas que sofrem e amam. E aqueles que mais sofrem são sempre os mais esquecidos e invisíveis.
O mundo, com suas tristes caravanas de refugiados à deriva, órfão de guias credíveis, está necessitando de olhares e gestos como os de Francisco para se sentir mais acolhido do que julgado. E mais amado.
Não quer ser chamado de Papa.

É só nosso irmão Francisco, que hoje nos interpela para que não fechemos os olhos para o drama que vivem os refugiados, que são os novos crucificados da História.

domingo, 6 de setembro de 2015

UM CAMINHO PARA A TAPIOCA

Hoje cedinho fomos caminhando por dentro, até quase chegar na vila, até a barraquinha linda de tapioca.
Algumas casas de pescadores resistiram, ainda estão de pé. Margeando o aeroporto, que na verdade é um parque, a vista é belíssima. Realmente este recanto de Saquarema é uma máquina do tempo.
A barraca de tapioca é um encanto. Tudo tão lindo e limpo. Coberta com uma toalha branca de babados.
Seus donos moram em Rio Seco, zona rural. Chegamos tão cedo que ainda estavam arrumando as canas para o caldo de cana e nem tinham peneirado a farinha da tapioca. Vi um anúncio de SOLA. Perguntei o que era. É uma tapioca recheada de coco e amendoim, assada no fogão de lenha, enrolada na folha de bananeira.
Também se pode comer pastéis fritos na hora e tapioca feita no momento.
Sou apaixonada por estes restos de passado. Parece que estou entrando por uma fresta no tempo .

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

N.S.APARECIDA

A Vila de Saquarema já está agitadíssima para a Festa da Santa padroeira da cidade, N.S.de Nazareth.
Gosto de sair do Pilates e tomar um café sentada de frente para a lagoa. É meu recreio. Um momento solitário de profundo prazer.
Hoje o cenário era outro: as barracas (centenas) sendo montadas, muita gente chegando. Barracas de comida, de roupas, foi o que vi. Nos alto falantes músicas religiosas.
É muito interessante essa mistura do sacro e do profano. É uma festa religiosa, mas as pessoas querem comer, comprar, beber, passear.
O que nos dá uma lição. Difícil separar as coisas em compartimentos estanques. Tudo é fluido, tudo escorre e se interliga, tudo dança.
Pena que nenhuma livraria aproveite para armar a sua barraca de livros na festa!

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

E.M.BRASIL

Hoje, na minha casa, tive a honra de receber uma escola absolutamente extraordinária. a E.M.Brasil, uma escola da periferia do Rio, de Olaria. A escola tem um dos IDEBS mais altos de todo o  Estado do Rio: 6.8
Este desempenho se deve ao ofício do sonho. A escola prioriza a literatura e a arte. E o que vivi hoje foi tão emocionante que não podia acreditar!
Um grupo de 20 adolescentes, absolutamente apaixonados por literatura!
A escola vai participar da FLUPP, uma Festa Literária que irá ocupar três dias inteiros e alguns autores e seus livros estarão presentes . Meus livros Colo de Avó, Diário da Montanha, O Mar e os Sonhos e Brinquedos e Brincadeiras foram os escolhidos.
A turma é muito afiada. São pensadores e sonhadores.
Comecei lendo um conto do meu livro Exercícios de Amor. Falamos sobre amor amizade, sobre processos de criação.
Eles fazem aulas de teatro e artes visuais na escola. Agora estão trabalhando com mandalas. Falamos sobre o efeito curativo das mandalas e das cirandas, falamos sobre Bispo do Rosário e o Museu do Inconsciente da Dra. Nise da Silveira. Falamos sobre identidade. Os alunos leram em voz alta alguns poemas do meu livro Carteira de Identidade. Falamos dos nomes de cada um e seus significados. Gritamos nossos nomes para o Universo ouvir.
Tocamos em temas duros como gravidez precoce, suicídio, adolescentes que se cortam. Falamos da importância das palavras. Há palavras que ferem e destroem pessoas.
Outros alunos leram alguns poemas do meu livro Poço dos Desejos. Falamos sobre os desejos.
Amanda disse que o seu desejo é ler todos os livros possíveis, ler infinitamente.
Brendo disse que seu desejo era dar para a sua mãe em dobro tudo o que recebeu
Marcela disse que seu desejo era não errar, acertar sempre. Juan Arias, meu marido,  falou que isso era impossível. Erramos e acertamos. E disse que a ciência faz novas descobertas errando.
Lygia quer se formar em medicina.
Chandler quer realizar todos os seus desejos.
Eles estavam acompanhados de Carla, a coordenadora do Projeto Flupp, Rosângela, Regente da Sala de Leitura e uma mãe que parecia uma aluna.
Vieram todos com a camiseta que idealizaram para a Flupp: "Caminhos de Murray" com um desenho lindo.
Tomamos um café da manhã tardio: cachorro quente, coxinha de galinha, (a filha da Vanda fez) bolo, chocolate quente (que ninguém quis) e suco de caju.
Os jovens foram ver o mar de ressaca. Foram ao jardim. Fotografaram MUITO e no final de tudo demos um grande abraço coletivo bem apertado e gritamos de felicidade. Urramos.
Daqui foram visitar a Igreja de Saquarema.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

TAIPÉ

Ontem vi um documentário maravilhoso sobre a cidade de Taipé, em Taiwan.
Um fotógrafo canadense que vive na cidade desde 1999, contava: Taipé parece uma grande cidade. Mas é uma ilusão, pois seu espírito é provinciano. Os bairros guardam a mesma estrutura emocional de quando Taipé era muito pequena. As pessoas se conhecem, se ajudam, as casas são bem simples, às vezes precárias, em pequenos becos. A segurança é total. Qualquer um pode andar pelos becos mal iluminados à noite sem nenhum perigo. O individualismo não existe. As pessoas não estão preocupadas em acumular bens . Elas se preocupam em viver bem. Isso quer dizer ter amigos, ajudar as pessoas, comer bem.
Uma correspondente contava: a cidade tem uma vida intensa até às duas da manhã. O que mais os habitantes gostam de fazer é comer. Quase ninguém cozinha em casa, pois há milhares de ofertas de comida na rua e é uma maneira das pessoas se conhecerem ou de estarem juntas. Peixes e frutos do mar são predominantes. Quando alguém viaja na volta a pergunta que se faz é : - Você comeu bem?
Quase todo mundo é budista. Existem muitos templos e de todos os tamanhos. Mesmo quem não segue todas as regras se sente budista e faz pedidos e oferendas.
Duas jovens irmãs, filhas de um casamento misto, viviam nos Estados Unidos mas escolheram Taipé para morar. Elas dizem que não há lugar melhor para se viver no mundo pelo afeto que corre como um rio caudaloso entre as pessoas. Há um clima de amor na cidade que é uma ilha.
Se não fosse tão longe me mudava para Taipé...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

DON QUIJOTE

Começo a reler Don Quijote. Em espanhol, numa edição belíssima que ganhamos. Será tarefa para muito tempo.
Em 1998 , quando Juan me convidou para morar com ele em Madrid, ele me disse:
_Mas se quer viver com um espanhol para o resto da vida tem que ler o Don Quijote.
Era inverno na Espanha e eu não poderia aguentar o frio. Então decidi esperar em Visconde de Mauá. Juan me disse que avisaria quando as primeiras folhas nascessem nas árvores. Além do inverno severo, ele não queria que eu visse as árvores sem folhas!
Fui para Visconde de Mauá passar janeiro e fevereiro com o livro em português debaixo do braço. Naquela época ainda não lia fluentemente em espanhol. Na minha casa não tinha luz. Eu não tinha carro nem celular nem telefone. E estava sozinha. Passei dois meses sozinha lendo até a luz acabar. Dormia muito cedo.
Para ter alguma notícia, tinha que descer o vale até uma pousada e ligava para a minha irmã Evelyn.
No começo de março ela me disse: Juan disse que você já pode ir.
Eu havia acabado de ler o Don Quijote. Já podia me casar com um espanhol!
Embarquei no dia 13 de março de 1998 para a maior aventura da minha vida. Pelas mãos do Juan fiquei amiga de Pilar e Saramago, tomei café da manhã com Vargas Llosa!
O livro é uma verdadeira maravilha. Cervantes está além, muito além da sua época. Até da nossa! A sua ironia é impressionante. Mais de quatrocentos anos se passaram e Don Quijote é a metáfora dos que buscam.