quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

ESTANTE DE LIVROS

Outro dia conversava com um amigo: para algumas coisas sou muito disciplinada e para outras completamente caótica.
Para arrumar livros e papéis não tenho nenhum talento. Perco meus livros dentro de casa e na estante, de uma tal maneira,que muitas vezes compro outra vez o livro que sei que tenho e não encontro.
Mariana, minha leitora e amiga, que está aqui comigo, está arrumando a minha estante. Só de ver a confusão que se instala antes dos livros voltarem para a estante, só ter que decidir quais livros irei passar adiante, sinto uma angústia que é quase uma falta de ar.
Mas depois vem o prêmio: livros perdidos reaparecem e já tenho uma pilha de 15 livros maravilhosos,reencontrados, que desejo reler.
Há uma alegria tão grande em ter um livro perdido nas mãos, é quase uma ilha de felicidade.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

LÉXICO FAMILIAR

Os livros que serão discutidos em nosso Clube de Leitura da Casa Amarela são maravilhosos.
Marcovaldo do Calvino e As Pequenas Virtudes da Natália Ginzburg. Gostei tanto tanto do livro da Natalia que terminei de ler e comecei a ler outra vez. Por conta disso, desse amor, estou relendo Léxico Familiar da autora.
Ela faz uma arqueologia da sua infância e da sua família através de expressões usadas pelo clã em seu cotidiano. E então, da maneira mágica que só a literatura sabe fazer, a sala da minha casa na Rua Caruarú estava bem na minha frente, na verdade a copa, onde nos reuníamos para jantar.
E minha mãe e meu pai vivos outra vez.
Hoje recebi uma foto da minha mãe, a da sua carteira de identidade. E ouço meu pai gritando, sempre esfomeado:
- Bertha, a comida está na mesa!
Meu pai comia muito. Dizia que passara tanta fome na Polônia que nunca ficava sem fome.
Acabava de comer, afastava o prato e dizia:
- pronto! Comi pouquinho e estou satisfeito.
Seu prato de dois andares.
Até hoje essa expressão é usada quando nos juntamos com os irmãos.
Como no livro da Natália Ginzburg, Léxico Familiar.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

AMIGOS

Amigos são a minha galáxia. A constelação onde habito. Nada sou sem a minha teia de amigos, que me aceita assim mesmo, do jeito que sou. Amigos não querem nos transformar e isso é maravilhoso. Posso rir do jeito que rio, escandalosamente às vezes e meus amigos não se escandalizam.Eles até gostam. Não preciso fazer nenhum esforço, apenas sou e isso é tão bom. Tão bom apenas ser.
Eles são a minha rede de segurança e meu barco.
Tenho amigos e amigas de todas as idades e de todas as cores e classes sociais e de orientações políticas e sexuais diversas e de várias religiões.
Tenho um talento especial para acolher e ser acolhida.
E tenho alguns amigos novos que ficam antigos e de infância imediatamente.
Tempo para ler e amigos, não existe nenhum luxo maior.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

SUGESTÃO

Mariana, minha leitora que virou amiga está passando suas férias comigo. Mariana é minha leitora desde os oito anos de idade. Ela me diz sempre que sou a sua poeta preferida. Mariana faz faculdade de dança em São Paulo e eu a amo de um amor imenso.
Hoje conversávamos no jardim e ela me contou que muitas vezes, quando fazia o segundo grau, antes da aula a turma fazia um jornal no quadro negro com notícias da escola, horóscopo, charadas, etc.
Achei a ideia genial e pensei que talvez fosse maravilhoso fazer isso durante a aula, junto com o professor (a).
Um jornal de coisas boas, acontecimentos do cotidiano, pequenas felicidades, algumas ilusões e sonhos, a resenha de um livro, um horóscopo engraçado, etc, etc, etc.
Tenho certeza absoluta de que daria certo fazer algo assim, digamos uma vez por mês.
Fica a sugestão.

sábado, 23 de janeiro de 2016

A BIBLIOTECA DA GABRIELA E O TABLET DO LUIS

Minha neta tem dois anos e já tem uma linda biblioteca.
Ela ama os seus livros de paixão, conhece todos, um por um um.
Todas as manhãs tem o seu ritual de leitura. "Lê" vários livros para as suas bonecas.
Gabi também adora os gibis da Monica e conhece todos os personagens.
Gabi tem uma casa na árvore, um cavalo de madeira e uma rede. Ama todos os bichos .
Ela sabe falar o seu nome inteiro, que é enorme ..Acho que não terá nenhum problema de identidade.
Na verdade, Gabriela Akemi, minha neta, tem tudo para dar certo como ser humano.

Meu neto tem seis anos, dois cachorros, uma gata, um tablet.
É ator, músico, dançarino. Toca piano e bateria, já tem uma banda e é absolutamente louco pelos beatles.
Às vezes tem muita paciência com a Gabriela que é perdidamente apaixonada por ele. Outras vezes perde a paciência e me diz:
__Vovó, ela me irrita!
Se pudesse jogava o dia inteiro e via filmes no seu tablet.
Mas também brinca com os cachorros, na casa da árvore com a Gabi, e de Guerra nas Estrelas.
É um amigo esplêndido e fiel.
Sou sua confidente, às vezes.
Luis, que tem o nome do meu pai, tem tudo para dar certo como ser humano.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

COLO DE AVÓ

Nunca se sabe o que o dia nos trará. Hoje o dia me trouxe chuva e uma braçada de alegria. O telefone tocou e era meu filho músico que me dizia:
_Mãe, parabéns! O Colo de Avó entrou no Catálogo de Bolonha!
Eu não sabia.
Estar no Catálogo é uma honra. É feito um prêmio. O livro foi selecionado entre tantos.
O Colo de Avó só me trouxe felicidade.
Com ele pude dizer um pouco, com humor e leveza, o que é ser avó.
Quando eu era criança minha avó era sempre delicada. Fazia para mim biscoitos de nata. Falava português muito mal e falava bem baixinho. Eu gostava do seu jeito de falar. A sua casa era silenciosa e eu sempre amei o silêncio. Ela tinha a coleção completa do Tesouro da Juventude. Eu não podia levar para casa, mas ia para lá e lia os contos de fada.
Cada vez que eu chegava e eu ia lá na sua casa quase todos os dias, ela me dizia surpresa:
___ Ah, Roseana!
Como se não me visse desde muito tempo. Eu adorava.
Agora sou avó. E quando escrevi os poemas, queria dizer esse sentimento, a alegria transbordante que um neto produz.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

ROSAS

Uma vez ouvi uma história:
Um paciente contava a Jung seu sonho. Dentro do sonho havia um escaravelho dourado.
Jung se levantou, foi até a janela e na janela havia um escaravelho dourado. Jung o apanhou como se fosse uma flor e o ofereceu ao seu paciente.
Ontem publiquei no face um haicai e escolhi a foto de uma rosa para ilustrar o poema.
Mais tarde, na minha meditação, apareceu a imagem de uma rosa vermelha que nascia dentro de mim, crescia, ocupava meu corpo por dentro.
Mariana Esteves, minha leitora e amiga , está aqui comigo e estamos arrumando a minha caótica estante de livros.
Ao acabar a meditação, apanhei um volume do Lorca , no meio da pilha de livros. São suas obras completas.
Abri ao acaso. O livro tem quase 700 páginas.
Abri na página do poema

La Casida de la rosa
La rosa
no buscaba la aurora:
casi eterna en su ramo,
buscaba otra cosa.
La rosa no buscaba
ni ciencia ni sombra:
confín de carne y sueño,
buscaba otra cosa.
La rosa,
no buscaba la rosa.
Inmóvil por el cielo,
buscaba otra cosa.
Federico García Lorca
Como o escaravelho dourado do Jung, a minha rosa.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

FLORES RARAS

Ontem vi pela terceira vez o filme Flores Raras. Acho filme perfeito, mas o que mais amo é a maneira como conseguiram expressar o processo de criação da poeta. Quando Elizabeth Bishop está escrevendo um poema, antes até de passar para o papel, ainda balbuciando , buscando, dizendo as palavras, o movimento das mãos, tudo isso é maravilhoso e o filme consegue mostrar isso.

Às vezes um poema nasce em mim de repente começando por uma palavra, simplesmente pela beleza da palavra, às vezes nasce com uma sensação, uma emoção, algo que sinto dentro do corpo ou pode nascer de uma imagem, ou algo que vi fugazmente, um simples movimento.
Muitas vezes estou quase dormindo, na vigília, e não sei porque dois versos aparecem e brilham e tenho que me levantar para anotar, posso perder o sono e terminar o poema ou posso deixar os dois versos esperando.
Elizabeth Bishop, diz que não se pode ensinar ninguém a fazer poesia, mas sim se pode ensinar a olhar.
O olhar é o instrumento do nosso ofício de poeta.

A ARTE DE PERDER

A arte de perder não é nenhum mistério; 
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia. 
Aceite, austero, a chave perdida, a hora gasta bestamente. 
A arte de perder não é nenhum mistério. 
Depois perca mais rápido, com mais critério: 
Lugares, nomes, a escala subseqüente Da viagem não feita. 
Nada disso é sério. 
Perdi o relógio de mamãe. 
Ah! E nem quero lembrar a perda de três casas excelentes. 
A arte de perder não é nenhum mistério. 
Perdi duas cidades lindas. 
E um império Que era meu, dois rios, e mais um continente. 
Tenho saudade deles. 
Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. 
Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Elizabeth Bishop

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

DUAS CASAS

Tenho alguns livros prontos para entrar na gráfica, mas a crise no setor editorial deixou meu trabalho em compasso de espera. Esperar é preciso.
Um dos livros, ilustrado pela grande Elvira Vigna se chama Duas Casas.
Porque vivo entre a montanha e o mar e são duas casas e duas vidas muito diferentes.
No mar eu mal consigo ouvir música humana, já que a música do mar ocupa toda a casa, cada desvão, cada espaço grande ou pequeno. A música do mar entra em meu corpo, habita minhas entranhas. O jardim tem cheiro de algas, o que expande o cheiro das flores para muito além , como se as flores se tornassem algo híbrido, terra e água salgada. Aqui no mar conheço os ventos pela ordem de chegada. Amo todos os ventos. A casa range e estala e eu gostaria então de sair dançando.
Na montanha habito a mata, viro árvore tão completamente que às vezes me esqueço quem sou. Convivo com maritacas, esquilos, jacus, aranhas e formigas. O cheiro bom da terra me enlouquece e sim ouço música a toda altura na minha casa tão pequena, o abrigo mais perfeito, poderia ilustrar "A Poética do Espaço" do Bachelard.  Os amigos chegam sem avisar, às vezes atravessando a neblina.
No mar ou na montanha a poesia me habita, é a minha geografia, a minha maneira de viver.O meu olhar é o meu anzol e o meu cajado.
Espero que algum dia a editora possa publicar meu livro que já está pronto.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

ATELIER DE CERÂMICA

Estou em Visconde de Mauá, no Atelier de Cerâmica KligermanMérigo, da minha irmã e meu cunhado.
A cerâmica é um ofício árduo que vem de muito longe. As primeiras urnas mortuárias, os primeiros livros, os primeiros utensílios usados para comer, as primeiras esculturas femininas da mãe terra, todos estes objetos nos falam a mesma língua, a língua do barro.
Cada vez que venho aqui levo um susto com a beleza de cada peça. E com a dedicação diária dos dois ceramistas.
Ontem abriram o forno. É uma grande magia. Lá de dentro, como coisas vivas, como tesouros, as peças saem e queremos tocá-las e ainda estão quentes.