terça-feira, 26 de abril de 2016

A GAROTA DINAMARQUESA

Ontem vi o filme A Garota Dinamarquesa. Uma obra prima que traz questões muito atuais.
Quanto amor e quanto sofrimento.
Deve ser terrível nascer num corpo errado.
Mas o filme me faz também pensar em como as famílias estão mudando. E não se trata mais em estar de acordo ou não.
Não adianta dizer : Não concordo. Não adianta dizer: Para mim a família é o pai , a mãe e o filho.
Devemos é aceitar que agora, às vezes, a família é diferente, tem outra constelação.
O professor vai ter que lidar com isso na escola. A criança vai ter que lidar com isso junto aos seus amigos.
E tentar se colocar no lugar do outro é sempre uma boa receita para se aceitar algo diferente.
E onde a criança for amada e acolhida, em qualquer núcleo que seja, ela estará salva.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

NO ATELIER DE CERÂMICA

Quando venho para Mauá, a cada mês, passo um dia com a minha irmã em seu atelier de cerâmica aqui em Maringá. Somos inseparáveis e quando estou longe nos falamos todos os dias muitas vezes.
Fico aqui no atelier e adoro vê-la trabalhar. Seu ofício é tão diferente do meu, tão duro e tão cansativo e tão lento. Eu preciso apenas de um verso e uma ideia para começar, um pedaço de papel e uma caneta .Mas a cerâmica tem o mistério do fogo e o resultado final é muito emocionante. São muitas etápas, uma queima, esmaltação.  outra queima.
Minha irmã Evelyn Kligerman é uma das grandes ceramistas do Brasil e tenho orgulho dela, da sua tenacidade, do seu talento tão grande.
Tivemos um tio ceramista na Polônia. Ela continuou a linhagem.
E tem mais, à noite vemos dois filmes com pipoca em sua cama.
Hoje vamos ver A Garota Dinamarquesa e A Menina que roubava Livros. A Lola, sua gata, também adora cinema.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

LABIRINTITE

Estive três dias fora do ar por uma crise terrível de labirintite. Experimentei a condição de virar zumbi. E o pior:não podia ler.
Mas hoje estou bem melhor e amanhã zarpo de madrugada para a minha casinha dentro da mata.
Preferiria ir de balão ou de unicórnio, mas o importante é chegar.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

A TUA PELE E A TUA SOMBRA

Vou escrevendo poemas sem a menor pretensão de publicar. Vou juntando, como a gente juntaria um feixe de trigo, de alfazema, de flores do campo. Quando faço um poema sinto uma alegria diferente como se construísse uma ponte imaginária sobre um rio na beira da floresta.Como os poemas me ajudam a respirar, acho que escrever é uma maneira de não ficar sufocada.

A TUA PELE E A TUA SOMBRA

Para que a poesia venha
e pare na tua porta,
há que deixar a porta
aberta,
há que pescar as estrelas mortas
que se derramam
por sobre os telhados
e as gotas de luz
que habitam os interstícios
da dor.
Há que abrir as tramelas
para que as palavras entrem
e desarrumem
a casa e os pensamentos.
Não se pode tocar nas palavras
com medo ou cerimônia,
e preciso deixar que nos acariciem
ou machuquem
e encontrar a música
para cada objeto,
sentimento ou lugar.
Para que a poesia não faça
cerimônia,
ela tem que ser
a tua pele e a tua sombra.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

RIO DAS OSTRAS NA VARANDA

Café, Pão e Texto, uma ideia que deu certo.
Abro a casa para receber escolas públicas e agora professores.
A nossa manhã foi quente e luminosa.
A Secretária de Educação Andrea chegou primeiro, junto com sua principal colaboradora, Lilia, que também é escritora. E me contou:
Em Rio das Ostras há dentro da Secretaria de Educação um Departamento de Leitura e Arte.
Isso faz toda a diferença.
Todos sabemos que uma escola sem literatura e arte não existe, é uma escola morta, um cárcere. E esse Departamento não pode ser extinto pois foi votado pelos vereadores.

Lemos um conto do meu livro Território de Sonhos. Um conto lindo e muita gente se emocionou. Perguntei: Vocês são anjos de quem?
Pois o conto traz essa questão.
Falamos de tudo um pouco. Do que é humano. Falamos de vida e de sonhos. E de resistir.
Ganhei muitos livros e distribui o livro O Amor Possível do meu marido Juan Arias com Saramago.
Algumas professoras são também escritoras.
O afeto era um oceano vivo aqui na varanda.
E a mesa do café estava linda! Com bolos, pão recheado, torta de legumes, beringela italiana...
Agradeço o gesto maravilhoso da Secretaria de Educação, foi o mais lindo presente que recebi, as professoras e um professor. Obrigada.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

AS PALAVRAS

Meu ofício é afiar e cortar palavras. O meu destino é a poesia, faça chuva ou sol, tristeza ou felicidade.
Hoje fala por mim o poeta Eugénio Andrade  .

AS PALAVRAS

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
outras,
orvalho apenas.

Secretas, vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio Andrade

terça-feira, 12 de abril de 2016

DENKOV

Minha irmã Evelyn Kligerman me pergunta:
- Como é mesmo o nome da cidade do papai?
Não sei. Mas tenho uma certidão. Vou olhar.
Procuro a certidão e não acho pois tenho o dom de perder todos os papéis, até mesmo os que são muito importantes.
Mas esta certidão está publicada no livro esgotado O Silêncio dos Descobrimentos. Tenho um exemplar.
A certidão me diz que meu pai nasceu em Denkov, na Polônia.
Foi tirada no Consulado ou Embaixada para ser apresentada ao Serviço de Estrangeiros em 1943.
E não sei mais nada.
Simplesmente porque não perguntei.
Sei apenas que chegou ao Brasil com 14 anos. Veio com a minha avó. E eram muito pobres.
Sei que seu pai foi assassinado.
Sei que na Polônia passava frio e fome. Sei que tinha fome de sol, de arte e beleza e que aprendeu a ler e escrever sozinho. Sei que ouvia música clássica e quando criança me levava aos Concertos para a Juventude, no Teatro Municipal.
Sei que me passou os valores que tenho. Sei que mora dentro de mim, e que hoje quer ser escrito. Meu pai, Lejbus Kligerman.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

CISNE E PEDRA

A mais instigante pergunta que uma criança me fez um dia:
-- O que existe dentro da cabeça de um poeta?
Poesia. Mas como explicar isso?

Antes, quando minha vida estava toda quebrada, onde só havia dor, a minha poesia era diferente da que faço hoje. Mas era bela.
Em 1990 ganhei um concurso nacional de poesia no sul e o livro foi publicado, Pássaros do Absurdo. Hoje existe apenas em versão digital, mas alguns poemas entraram no livro Poesia Essencial.
Não poderia escrever esses poemas hoje, porque embora eu ainda seja aquela pessoa, sou também outra.

E naquela época, quando a criança ainda não tinha perguntado nada, ela nem era nascida, eu havia respondido da seguinte maneira:

POESIA

Juntar cisne e pedra
caminhar pela existência
com esse talho na gargante

no redemoinho das horas
um barco e nas mãos
um punhado de aurora

um poema se faz
com o avesso das águas

domingo, 10 de abril de 2016

PRAÇA DOS PESCADORES

Saímos para caminhar cedinho, antes das seis.
Um maluquinho passou falando e gesticulando. Mas decidiu parar e pedir um cigarro.
Íamos pela beira da lagoa, um lugar de antigas casinhas de pescadores.
O sol nasceu. Atravessamos a ponte e fomos tomar café na padaria.
A dádiva de um café com leite e pão fresco depois de uma longa caminhada.
Nos sentamos na Praça dos Pescadores de frente para a lagoa com sua capelinha, suas flores, garças, gaivotas,montanhas ao longe. Todos os azuis entraram por dentro do meu corpo e se misturaram com meu sangue bem devagarinho.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

CERÂMICA PARA GORIN

Hoje vou ao Rio levar a placa de cerâmica que minha irmã Evelyn Kligerman fez para a Escola que será construída em Gorin. Entregarei a uma pessoa que vai para Paris e de lá Monique Malfatto levará a placa para Burkina Faso.
Minha irmã viveu em Abdjan por quatro anos e sua ligação com a África é profunda. A minha também, pois em nossa linhagem temos a Eunice que foi nossa mãe e nos acolhia em sua cama.A avó da Eunice foi escrava. Sendo assim, fez a placa com muito amor.
Muitas pessoas da minha rede social contribuíram para que a escola fosse construída. Confiaram em mim e nem tenho como agradecer.
Se cada um doasse algo, desse a mão ao outro, tudo seria diferente.

terça-feira, 5 de abril de 2016

SAQUAREMA E BÚZIOS SE ABRAÇAM

O entrelaçamento da E.M. Clotilde de Oliveira Rodrigues e o Coral Encanta Búzios, sob a batuta da Professora Delma Marcelo Dos Santos e do Maestro Moisés Santos, aqui na minha varanda, dentro do Projeto Café, Pão e Texto, foi uma experiência única e maravilhosa.
Preparei todo o café da manhã com as minhas mãos como se fosse a princesa fazendo o bolo no conto da Pele de Asno: com todo o amor.
Primeiro chegou a escola e conversamos sobre a descoberta do Brasil, porque falamos português, sobre a África e a escravidão e a Van de Búzios chegou com o coral.
Fizemos muitas brincadeiras com os poemas. O Coral cantou maravilhosamente para a escola.
Depois lanchamos e quando a escola foi embora o Coral foi para o jardim onde li alguns poemas e conversamos e elas cantaram...e como nos contos de fada fomos felizes para sempre.

domingo, 3 de abril de 2016

CAMINHADA

Faz um ano que operei a coluna e pude recuperar o que havia perdido por mais de vinte anos. É a mais bela experiência. Encontrei dentro de mim uma pessoa que também estava perdida. Eu a trouxe de volta com a sua luz.
Todos os dias caminho. ,Agora posso caminhar! por estas ruas vazias e lindas de dentro do meu bairro aqui em Saquarema. São tantas flores, tantos verdes e azuis, mergulho intensamente dentro de toda a beleza que está ao meu redor.
Penso que poder caminhar é uma dádiva tão grande e ter o olhar afiado para cada pedra e cada flor é uma dádiva tão grande.
Bom domingo para todos.

 .

sexta-feira, 1 de abril de 2016

COM CHEIRO DE MARESIA

Essa casa com cheiro de maresia me reconhece. 
Fala comigo a sua língua de madeira e vento.
Estala como se fosse romper as cordas imaginárias
que a seguram precariamente ao chão. 
Pois a casa quer voar por sobre o oceano,
encontrar uma ilha perdida, 
desdobrar mapas inexistentes.
Essa casa com cheiro de flores e algas
me reconhece quanto volto da mata,
meio humana, meio árvore,
buscando as palavras
escondidas nas conchas.